Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO RETIFICADOR

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 008/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 025/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria o Conselho Municipal de Defesa do Consumidor - CONDECON e fica instituído o Fundo Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor – FMPDC, e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 008/2023 à Câmara Municipal, em que busca a criação do Conselho Municipal de Defesa do Consumidor – CONDECON e do Fundo Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor – FMPDC. A proposição foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA:

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

O conselho e o fundo que se pretendem instituir se inserem, efetivamente, na definição de interesse local, pois, além de veicular matéria de competência material do Município (art. 5º, XXXII, da CF/88), não atrelada às competências legislativas privativas da União, o PLE nº 008/23 define nova política de proteção do consumidor, de âmbito estritamente local.

Quanto à deflagração do processo legislativo, a CF/88 estabelece, no artigo 167, IX, ser vedada a instituição de fundos de qualquer natureza sem prévia autorização legislativa, de tal forma que cabe ao Chefe do Executivo, no interesse da criação do fundo especial, apresentar a proposta ao Legislativo, exigência que foi devidamente observada no presente caso.

A Lei Federal nº 4.320/64 especifica as exigências para a criação e organização dos fundos especiais. Prevê o artigo 71 que “Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação.” Veja-se, portanto, que os recursos a serem alocados nos fundos especiais devem estar atrelados à execução de objetos específicos, já determinados na proposição. O PLE nº 008/2023 estabelece, especialmente no artigo 11, as finalidades para as quais serão dirigidos os recursos que serão afetados ao fundo especial.

O artigo 72 da Lei nº 4.320/64 prevê que “A aplicação das receitas orçamentárias vinculadas a fundos especiais far-se-á através de dotação consignada na Lei de Orçamento ou em créditos adicionais.” O artigo 73, por sua vez, estabelece: “Salvo determinação em contrário da lei que o instituiu, o saldo positivo do fundo especial apurado em balanço será transferido para o exercício seguinte, a crédito do mesmo fundo.” Por fim, o art. 74 da Lei nº 4.320/64 consigna que “A lei que instituir o fundo especial poderá determinar normas peculiares de controle, prestação e tomada de contas, sem de qualquer modo elidir a competência específica do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.

Deve-se ressaltar que, com o advento da Emenda Constitucional nº 109/2021, o art. 167, XIV, da CF/88 passou a prever a vedação de criação de fundos públicos quando seus objetivos puderem ser alcançados mediante a vinculação de receitas orçamentárias específicas ou mediante a execução direta por programação orçamentária e financeira do órgão ou da entidade da Administração Pública. Isto é, a criação de novos fundos só se justifica se for demonstrada a inviabilidade de concretização dos objetivos por meio de medidas de execução direta no orçamento público, o que deverá ser avaliado pelo proponente relativamente à criação do Fundo Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor (FMPDC)

No que diz respeito à criação do Conselho Municipal de Defesa do Consumidor - CONDECON, a proposição também atende à competência do Município para legislar sobre os assuntos de interesse local (artigo 30, I, da CF/88), bem como à iniciativa para a sua instituição, própria do Chefe do Poder Executivo.

O art. 80 da Lei Orgânica Municipal refere que “Os Conselhos Municipais são órgãos governamentais que têm por finalidade auxiliar a administração na orientação, planejamento, interpretação e julgamento de matéria de sua competência.” Assim, por tratar-se de órgão governamental, correta a iniciativa do Executivo para a criação do Conselho Municipal de Defesa do Consumidor - CONDECON, tendo em vista a restrição prevista no artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88 e no artigo 60, II, “d”, da CE/RS.

O artigo 81 da Lei Orgânica Municipal, por sua vez, estabelece que “A Lei que especificará as atribuições de cada Conselho, sua organização, composição, funcionamento, forma de nomeação de titular e suplente e prazo de duração do mandato.” Tais exigências estão suficientemente atendidas nos dispositivos da proposta que objetiva criar o CONDECON.

Quanto à composição,  importante destacar que, segundo o artigo 82 da Lei Orgânica Municipal, “Os Conselhos Municipais são compostos paritariamente, nos termos da legislação específica, observado, quando for o caso, a representatividade da administração, das entidades públicas, classistas e da sociedade civil organizada.” Veja-se, nessa linha, que a proposta procede à composição do CONDECON com a representação da sociedade civil (art. 7º) e do Poder Público (art. 8º), verificando-se a paridade na formação, pois composta por cinco membros em cada grupo, em um total de dez conselheiros.

Em relação à participação da Ordem dos Advogados do Brasil, o IGAM, na Orientação Técnica nº 2.491/2023, demonstrou haver precedentes do Tribunal de Justiça do RS pela inconstitucionalidade da inclusão desse conselho de classe em órgãos de composição coletiva, sobretudo quando se trate de leis municipais, cuja esfera é diversa da natureza da entidade.

A questão, todavia, não é pacífica, como referiu o próprio IGAM. Isso porque não está suficientemente clara, na doutrina e na jurisprudência, a natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil, prevalecendo, até este momento, o entendimento referendado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de tratar-se de um serviço público independente, ou seja, uma entidade sui generis com tratamento diferenciado devido às suas funções institucionais, formatadas para além do mero controle do exercício profissional, típico das denominadas autarquias profissionais (CRM, CRA, CRC, entre outras).

Pela importância, vale destacar o entendimento atual do STF em relação à natureza jurídica da OAB, veiculado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.026/DF:

Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como “autarquias especiais” para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas “agências”. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. (...) Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente. (...) Incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB (ADI 3026, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2006).

Desse modo, o STF já definiu que a OAB, por ser um serviço público independente e não equiparado aos demais conselhos profissionais, não possui qualquer relação ou estado de dependência em relação aos entes federados. Isso se deve especialmente ao fato de que, além de possuir a finalidade corporativa – ou seja, de defesa dos advogados –, a OAB guarda importantes finalidades institucionais: a defesa da democracia e da cidadania, a participação na sociedade para o esclarecimento de direitos, participação em concursos públicos, aperfeiçoamento dos cursos superiores jurídicos e, principalmente, a competência para ingressar com ações diretas de inconstitucionalidade (CF, artigo 103, VII; Lei nº 8.906/94, artigo 54, XIV).

De fato, por ter competência constitucional para iniciar o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos, a OAB, enquanto conselho de classe, não pode estar sujeita a controle finalístico ou a relações de dependência com o Poder Público, devendo ser-lhe assegurada a autonomia e a independência necessárias ao exercício dessa função institucional. Do contrário, se tivesse alguma ligação com os entes federados, sem a garantia de independência e/ou autonomia, a OAB estaria indevidamente confrontando os atos políticos e legislativos do Estado, sujeitando-se a punições.

Isto posto, com base nesses fundamentos, não se observa flagrante óbice de constitucionalidade na participação da OAB em conselhos municipais, desde que presente, obviamente, o seu interesse. Diferentemente do Poder Judiciário e do Ministério Público, que versam nos precedentes jurisprudenciais e têm indubitável natureza de órgãos públicos, a OAB é enquadrada como serviço público independente, uma “categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.” (ADI 3.026/DF), sequer integrando a estrutura da Administração Pública Indireta.

Ademais, o artigo 44 da Lei nº 8.906/94 refere: “A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.

O citado dispositivo legal traz duas informações relevantes para os fins do PLE nº 008/2023: 1) a OAB, tendo a finalidade institucional de defender a aplicação dos direitos humanos e o correto emprego das leis, possui legitimidade para participar de conselho municipal de defesa dos direitos do consumidor; 2) a OAB, por ser dotada de forma federativa, possui formação em âmbito federal (Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB), estadual (Conselhos Seccionais) e municipal (Subseções), de tal forma que está presente, também, no âmbito do Município de Guaíba, tendo participação social e representatividade.

Portanto, a participação da OAB em eventual conselho municipal dos direitos do consumidor não interfere diretamente na autonomia do Estado ou da União, já que o conselho de classe, além de não estar vinculado a esses entes, possui composição em âmbito municipal, pelas subseções. Não se trata, assim, de entidade alheia ao peculiar interesse municipal; do contrário, a participação da OAB, por meio da Subseção de Guaíba, é fundamental para o regular desenvolvimento das atividades do CONDECON, porque garantirá a necessária orientação jurídica para os trabalhos a serem realizados.

Inclusive, cabe referir que a OAB participa de incontáveis conselhos municipais de direitos no Brasil. Na realidade do Município de Guaíba, são alguns exemplos: Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, instituído pela Lei Municipal nº 2.009/05, que prevê a participação da OAB no artigo 4º, XI; Conselho de Segurança da Comunidade (artigo 4º, II, “e”, Lei Municipal nº 2.676/10); Conselho Municipal do Meio Ambiente (artigo 2º, IV, Lei Municipal nº 1.447/99); e Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (artigo 11, II, “a”, Lei Municipal nº 1.759/03).

Assim, a despeito da orientação técnica do IGAM, não se constata flagrante vício de constitucionalidade na participação da Ordem dos Advogados do Brasil no Conselho Municipal de Defesa do Consumidor, desde que, como já referido, a participação tenha sido previamente acordada com a entidade, não se revelando como uma imposição unilateral.

4. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 008/2023, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que presentes os motivos para a criação de novo fundo municipal, dada a regra do inciso XIV do art. 167 da CF/88, promulgada pela Emenda Constitucional nº 109/2021.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 6 de fevereiro de 2023.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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06/02/2023 15:26:02
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