Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 007/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 022/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 4.165, de 07 de abril de 2022, que concede estágios na Polícia Civil e dá outras providências"

1. Relatório:

O Chefe do Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 007/2023 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal nº 4.165, de 07 de abril de 2022, que concede estágios na Polícia Civil e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Mérito:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local (art. 30, I, da CF/88), já que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, além de referir-se à colaboração do Executivo Municipal com as demais instituições do sistema de justiça, notadamente com a Polícia Civil.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que limitam o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS.

Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

A iniciativa para a deflagração do processo legislativo está adequada, pois o projeto apresentado trata da concessão de estágios, pelo Poder Executivo Municipal, a instituição que compõe o sistema de justiça, medida que se encontra sob a reserva de administração do Prefeito, com fundamento no art. 61, § 1º, inc. II, “b”, da CF/88, no art. 60, inc. II, alínea “d”, da CE/RS e no art. 119, inc. II, da Lei Orgânica Municipal.

No aspecto material, a proposta legislativa em análise possui sólido fundamento na Constituição Federal de 1988, pois, em última análise, contribui para o adequado funcionamento das instituições do sistema de justiça, cuja insuficiência de pessoal é fenômeno já conhecido e comum no contexto brasileiro, a indicar que a colaboração do Poder Público é relevante também para a concretização dos direitos garantidos por tais serviços públicos.

Os convênios que viabilizam estágios devem expressamente prever a aplicação da Lei de Estágios, sob pena de desfazimento, sendo também imperativa a observância, pelo Município, das obrigações contidas no termo de compromisso de estágio, cuja formalização com cada estagiário cedido e sua instituição de ensino é condição indispensável, nos expressos termos dos convênios firmados. Recomenda-se ainda que além da supervisão do Município cedentes, que têm o dever inarredável de verificar a regularidade de condutas dos estagiários, sua efetividade, carga horária, pagamentos, e tantos aspectos administrativos relevantes, haja também supervisão direta e do ensino profissionalizante ministrado, de forma prática, pelo órgão beneficiado pela cedência.

 

Veja-se, nesse sentido da regularidade, trecho de Sentença da Terceira Vara do Trabalho de Gravataí proferida no Processo nº 0020028- 40.2017.5.04.0233, em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho em face do Estado do Rio Grande do Sul, que afasta a suposta irregularidade da relação de estágio mediante cedências operadas entre a Defensoria Pública do Estado e municípios diversos no Estado, questão aqui debatida:

(...)

Conforme decisão de ID. 048161b - Pág. 1, a prática de utilização de convênios com Municípios para a admissão de estagiários não se mostra ilegal, mormente porque é admitida, outrossim, a cessão de servidores públicos. Convênios administrativos são firmados entre entes públicos ou entre entes púbicos e o setor privado para a consecução de objetivos comuns. Os convênios administrativos são regidos pelas mesmas regras que disciplinam os contratos administrativos, no que couber, conforme art. 116 da Lei n. 8.666/1993. Não há lei específica sobre os convênios administrativos, motivo pelo qual seu objeto não apresenta, em princípio, limitação, bastando que os entes envolvidos conjuguem esforços para um objetivo comum. Pelo exame dos convênios administrativos anexados aos autos, nota-se que as atividades dos estagiários cedidos pelos Municípios junto à Defensoria Pública Estadual tinham como escopo realizar objetivos comuns dos entes públicos mencionados. Por exemplo, na cláusula primeira, I, do convênio administrativo de ID. 5d5905c - Pág. 1, consta que "constitui objeto do presente convênio a conjugação de esforços para a execução de atividades típicas administrativas municipais, concernentes à regularização fundiária, regularização de dívidas municipais e fornecimento administrativo de medicamentos, cirurgia e outros tratamentos de saúde, solução extrajudicial de demandas relacionadas à educação, ao transporte municipal, ao saneamento de água e esgoto, à poluição ambiental, entre outras nos termos da lei". Além disso, é imperioso destacar que as atividades exercidas pelos estagiários cedidos visam a alcançar os objetivos de ambos os entes públicos. Consoante a cláusula segunda, II.a, do convênio administrativo, está dentre as atividades do estagiário cedido: "cadastramento dos munícipes ou assistidos da Defensoria Pública que pleiteiam providências extrajudiciais e ações atinentes à regularização fundiária; regularidade de dívidas municipais; fornecimento de medicamentos, cirurgias, internações e outros tratamentos de saúde; solução extrajudicial de demandas relacionadas à educação, ao transporte público municipal, ao saneamento de água e esgoto e à poluição ambiental, tutela coletiva, trânsito" (ID. 5d5905c - Pág. 2). Assim, os estagiários cedidos pelos Municípios auxiliavam o citado ente público na consecução de competências constitucionais, constante no artigo 30, VI, VII e VIII, da Constituição Federal. Da mesma forma, as funções institucionais da Defensoria Pública Estadual, previstas no artigo 4º, I, II e IV, da Lei Complementar n. 80/1994, também eram realizadas por meio do trabalho dos estagiários cedidos pelos Municípios, o que evidencia a cooperação e união de esforços da Administração Pública para a prestação de serviço público, o que nada tem de ilegal nem ilícito. Afora isso, não se verifica irregularidades nos convênios que foram juntados, a exemplo do convênio celebrado com o Município de Bagé - RS atende aos requisitos da Lei n. 11.788/2008 (ID. cd2ea06). Ademais, inexiste alegação de inobservância dos requisitos exigidos pela Lei 11.788/2008, exceto quanto à terceirização, que não foi considerada irregular pelo Juízo, máxime na forma com que formalizada pela parte ré. Constam nos convênios administrativos a obrigação de os Municípios observarem a Lei n. 11.788/2008 (por exemplo, ID. 5d5905c - Pág. 2).

Assim, os direitos dos estagiários estavam preservados. No mais, não é possível asseverar que a Lei de Estágio proíba o uso de convênio administrativo para a cedência de estagiários. A relação triangular entre instituição de ensino, parte concedente e estagiário não é violada com a cedência do estagiário, pois este continua a atuar em benefício da parte concedente, responsável principal pelas obrigações pecuniárias do contrato de estágio. No mais, nada obsta que, no caso concreto, o outro ente público que também se beneficiou do trabalho dos estagiários seja responsabilizado pela falta de cumprimento de obrigações pecuniárias e de fazer descumpridas pela parte concedente. A inexistência de previsão do convênio administrativo na Lei de Estágios é mero reflexo da pouca regulação legislativa sobre a matéria. Afora isso, há discussão doutrinária acerca do fato de os convênios administrativos serem contratos ou não. Assim, é indevida a equiparação dos convênios administrativos para a cedência de estagiários com a terceirização decorrente de contrato de prestação de serviços. O Município que firma o convênio administrativo não aufere lucro do trabalho do estagiário nem o Estado do Rio Grande do Sul têm despesas com a cessão. Levando-se em conta a ausência de elementos que invalidem os convênios com os Municípios, ratifica-se em definitivo a referida decisão interlocutória, restando indeferidos todos os pedidos formulados na petição inicial, inclusive cominações de multas. Assim, não se acolhe. III - DISPOSITIVO Diante do exposto, julga-se a ação civil pública IMPROCEDENTE ajuizada por MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em face de ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. (...)

Portanto, estando adequada a iniciativa legislativa e havendo interesse predominantemente local para a medida de colaboração, que atende às necessidades de funcionamento do sistema de segurança em âmbito estritamente local, nada obsta a tramitação do projeto de lei sob o ponto de vista jurídico.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 007/2023, de iniciativa do Executivo Municipal, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 31 de janeiro de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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01/02/2023 11:13:53
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09/02/2023 15:56:14
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 01/02/2023 ás 11:13:29. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 32f8d1de6f2e91280eec3be3ab3354be.
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