Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 002/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 016/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a concessão de até 35% (trinta e cinco por cento) de desconto para pagamento em parcela única do IPTU, exercício 2023."

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 002/23 à Câmara Municipal, o qual “Dispõe sobre a concessão de até 35% (trinta e cinco por cento) de desconto para pagamento em parcela única do IPTU, exercício 2023”. O projeto foi remetido a esta Procuradoria para parecer, com fulcro no art. 105 do RI.

2. Mérito:

O artigo 18 da CF/88, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A política pública que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, já que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, além de referir-se à competência constitucional de arrecadar os tributos que cabem ao referido ente federativo, entre os quais está o IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano, objeto do presente projeto de lei.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, pois o Projeto de Lei do Executivo nº 002/2023 propõe a concessão de benefício àqueles que fizerem o pagamento do IPTU em parcela única ou de forma parcelada, nos prazos que estabelece, matéria para a qual é reconhecida a iniciativa concorrente, nos termos do artigo 61 da CF/88, artigo 59 da CE/RS e artigo 38 da Lei Orgânica Municipal.

A respeito disso, cumpre salientar que, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, cabe ao Município a responsabilidade pela consecução de sua legislação tributária, pertencendo ao Executivo, ao Legislativo e à população, através de iniciativa popular, a iniciativa dos referidos projetos, por não haver qualquer restrição expressa à iniciativa para matéria tributária:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA PERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I. A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II. A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III. Agravo Regimental improvido. (STF - RE: 590697 MG, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-171 DIVULG 05-09-2011 PUBLIC 06-09-2011 EMENT VOL-02581-01 PP- 00169).

No caso, o projeto em questão partiu do próprio Poder Executivo, que procura, como de praxe, instituir o direito de o contribuinte obter descontos no pagamento do IPTU em cota única ou de forma parcelada, não havendo, pois, qualquer obstáculo constitucional à competência e à iniciativa exercidas na proposta.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém recordar que o desconto pelo pagamento em cota única ou de forma parcelada do IPTU caracteriza remissão parcial do crédito tributário, prevista no artigo 156, inc. IV, do CTN, considerando que o desconto ocorre após o lançamento do crédito tributário. A isenção e a anistia tributárias, por sua vez, excluem o crédito tributário, sendo anteriores ao lançamento e impedindo que aquele se forme, com a diferença de que a isenção se refere ao tributo em espécie, enquanto a anistia se liga às penalidades pecuniárias (multas, juros de mora...). Tratando-se de remissão – já que, como visto, o desconto sobre o valor do IPTU ocorre após lançamento –, exige o art. 150, § 6º, da CF/88 a edição de lei específica para a concessão do benefício, nos seguintes termos:

§ 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g.

O artigo 30 do Código Tributário Municipal, da mesma forma, estabelece a possibilidade de concessão de remissão parcial ao crédito tributário, mediante desconto no pagamento integral do IPTU em cota única ou em parcelas, desde que haja regulamentação específica anualmente, como se vê:

Art. 30. Anualmente o Município disporá sobre o pagamento do IPTU, indicando a possibilidade de pagamento integral em cota única ou em parcelas, estipulando o número de parcelas e fixando datas dos vencimentos, vedado que ultrapassem o exercício financeiro.

Parágrafo único. O Município poderá conceder desconto diferenciado pelo pagamento do IPTU, em cota única ou em prestações, entre 35% (trinta e cinco por cento) e 2% (dois por cento), na forma que a lei dispuser. (Redação dada pela Lei nº 3964/2021).

A remissão de créditos tributários, à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal, configura renúncia de receita, de acordo com o previsto no § 1º do artigo 14:

Art. 14. (...)

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

Para que a renúncia de receita seja legal e regular, é necessário que seja demonstrado o cumprimento dos requisitos do artigo 14 da LRF:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: (Vide Medida Provisória nº 2.159, de 2001) (Vide Lei nº 10.276, de 2001):

I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

Para que a renúncia de receitas seja regular, é necessária a demonstração de que tenha sido previamente considerada na proposta orçamentária anual ou que haja medidas de compensação, como exigem os incisos I e II do art. 14 da Lei Complementar Federal nº 101/00. Na situação da proposição em análise, o Anexo VI da Lei Orçamentária Anual de 2023 prevê uma renúncia de receita de R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais) pela concessão de desconto pelo pagamento antecipado do IPTU. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 também estabelece essa previsão de renúncia.

Assim, demonstrada a previsão, na Lei Orçamentária Anual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias, de que a renúncia de receita foi considerada na estimativa orçamentária, nos termos do inciso I do artigo 14 da LRF, nada obsta a previsão do referido desconto, visto terem sido atendidas as exigências legais de sua instituição.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 002/2023, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, pois foi devidamente apresentado estudo de impacto orçamentário e financeiro contemplando as exigências do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Guaíba, 24 de janeiro de 2023.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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24/01/2023 16:28:39
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