Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 087/2022
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 446/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui e Regulamenta o Programa Tudo Fácil Empresas - Guaíba, bem como isenta os empreendedores do município de taxa de funcionamento inicial na abertura de empresa"

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 087/2022 à Câmara Municipal, o qual “Institui e Regulamenta o Programa Tudo Fácil Empresas - Guaíba, bem como isenta os empreendedores do município de taxa de funcionamento inicial na abertura de empresa”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. Mérito:

Constata-se, preliminarmente, quanto à competência legislativa dos entes federados, que a matéria constante do Projeto de Lei do Executivo n.º 087/2022, de autoria do Pode Executivo Municipal, encontra-se inserida no âmbito de matérias de interesse local, tendo a CF/88 instituído para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber.

Efetivamente, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

  • auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;
  • auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;
  • faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;
  • auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

Alexandre de Moraes traz lição lapidar quanto à competência municipal, considerando a primordial e essencial competência legislativa do município a possibilidade de auto-organizar-se através da edição de sua Lei Orgânica. As competências legislativas dos Municípios se evidenciam, ademais, pelo princípio da predominância do interesse local, o qual tem que ver com as peculiaridades e premências do ente em questão, configurando interesses específicos mais pontualmente atrelados às precisões particulares de cada município. O E. Min. Gilmar Ferreira Mendes trata do tema com particular ilustração:

As competências implícitas decorrem da cláusula do art. 30, I, da CF, que atribui aos Municípios ‘legislar sobre assuntos de interesse local’, significando interesse predominantemente municipal, já que não há fato local que não repercuta, de alguma forma, igualmente, sobre as demais esferas da Federação. Consideram-se de interesse local as atividades, e a respectiva regulação legislativa, pertinentes a transportes coletivos municipais, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, entre outras.

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Pela competência suplementar, compete ao município suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, ou seja, o município pode suprir as omissões e lacunas da legislação federal e estadual, sem obviamente contraditá-las e ainda estabelecer normas que digam respeito às realidades específicas do Município. Tal competência se aplica também às matérias elencadas no artigo 24 da Constituição Federal.

É pertinente destacar trecho da obra de Gilmar Mendes sobre o tema:

É claro que a legislação municipal, mesmo que sob o pretexto de proteger interesse local, deve guardar respeito a princípios constitucionais acaso aplicáveis. Assim, o STF já decidiu que a competência para estabelecer o zoneamento da cidade não pode ser desempenhada de modo a afetar princípios da livre concorrência. O tema é objeto da Súmula 646.       

Aos Municípios é dado legislar para suplementar a legislação estadual e federal, desde que isso seja necessário ao interesse local. A normação municipal, no exercício dessa competência, há de respeitar as normas federais e estaduais existentes. A superveniência de lei federal ou estadual contrária à municipal, suspende a eficácia desta.

A competência suplementar se exerce para regulamentar as normas legislativas federais e estaduais, inclusive as enumeradas no art. 24 da CF, a fim de atender, com melhor precisão, aos interesses surgidos das peculiaridades locais.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, através do voto do Desembargador Roberto MacCracken, no julgamento da ADI nº 01752128420138260000, manifestou-se sobre a competência legislativa dos municípios:

A questão da competência legislativa deve ser apreciada sobre a exegese dos artigos 24 e 30 da CF/88, isto é, enquanto o primeiro arrola as competências concorrentes da União, Estados e Distrito Federal para legislar, principalmente, sobre proteção do meio ambiente (artigo 24, inciso VI), o segundo autoriza o Município a “suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (artigo 30, inciso II), assim, a lei impugnada, que dispôs sobre proteção do meio ambiente na comercialização, na troca e no descarte de óleo lubrificante, não ingressou na matéria ambiental de forma genérica, mas apenas promoveu regulamentação suplementar e nitidamente específica, não ofendendo a competência legislativa de qualquer outra Unidade da Federação, mas, pelo contrário, exerceu preceito constitucional dentro dos limites próprios e atinentes ao seu campo de atuação. (SÃO PAULO, 2014)

Está bem exercida, ademais, a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, tratando a proposta de atos públicos de liberação que cabem ao Poder Executivo Municipal, versando sobre a organização e o funcionamento da administração pública, sendo de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, por força do art. 60, II, d e 82, VII, ambos da Constituição Estadual.

No que diz respeito à matéria de fundo, a proposta pretende permitir que o Município possa aderir ao Programa Tudo Fácil Empresas RS, criado pelo Governo do Estado do Rio Grande Sul. O Tudo Fácil Empresas é uma plataforma digital disponibilizada pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, coordenada pelo DescomplicaRS, JucisRS e Sebrae RS. Em parceria com o Sebrae, busca facilitar e agilizar a abertura de novos empreendimentos, possibilitando a conclusão do processo em até dez minutos. Consoante material disponibilizado pelo Governo do Estado do RS, “trata-se de um avanço no sistema Integrador Estadual da Junta Comercial do RS no ambiente da RedeSimRS. Torna um fluxo que já é simplificado em uma maneira de abrir empresas com atividades de baixo risco de forma gratuita, totalmente automática, ágil, fácil e sem burocracia”.

Dentre os requisitos para a adesão dos Municípios ao referido programa, o ente deve ter suas tabelas de Baixo Risco conforme a Lei de Liberdade Econômica (LEI Nº 13.874, DE 20 DE SETEMBRO DE 2019)[1] ou adotar as tabelas do Estado. Ainda que a competência legislativa seja concorrente, podem os entes municipais aderir às tabelas estaduais, realizadas junto com a VISA e FEPAM para que sejam adotadas pelos Municípios para enquadramento de suas atividades de baixo risco. Não obstante, nos termos do art. 2º da proposta, o Município irá exercer sua competência concorrente para regulamentar em âmbito local as atividades de baixo risco. Há de se ressaltar que a isenção se limita tão somente ao ano de abertura da empresa, sendo devida a Taxa de Licença para Localização ou Exercício de Atividade nas renovações anuais, bem como as demais taxas inerentes a outros licenciamentos.

Vai ainda ao encontro dos requisitos para adesão ao programa Tudo Fácil a pretendida isenção de taxa de emissão de alvará de funcionamento das empresas para atividades de baixo risco aderentes ao Tudo Fácil Empresas prevista no art. 4º do PLE nº 087/2022.

Quanto à matéria de fundo, portanto, não se verificam óbices, indo ao encontro das normas gerais estabelecidas pela legislação federal e estadual acerca do tema. A alteração legislativa em apreço irá, com efeito, compatibilizar as normas municipais aos requisitos do programa Tudo Fácil Empresas RS criado pelo Governo do Estado do Rio Grande Sul.

Quanto à técnica legislativa, é necessária a correção da redação do art. 4º em relação à expressão “e pagamento da taxa de licença para localização funcionamento”.

Ademais, a proposta veicula renúncia de receita¸visto que pretende instituir hipótese de isenção de tributo municipal.

 

O artigo 150, § 6º, da CF/88, exige a edição de lei específica para a concessão do benefício, nos seguintes termos:

§ 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.

 

A isenção de tributos, à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal, configura renúncia de receita, de acordo com o previsto no § 1º do artigo 14:

A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.”

Para que a renúncia de receita seja legal e regular, é necessário que seja demonstrado o cumprimento dos requisitos do artigo 14 da LRF:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: (Vide Medida Provisória nº 2.159, de 2001) (Vide Lei nº 10.276, de 2001):

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

Para que a renúncia de receita seja regular, necessária a demonstração de que tenha sido previamente considerada na proposta orçamentária anual ou que haja medidas de compensação, como exigem os incisos I e II do art. 14 da Lei Complementar Federal nº 101/00.

Assim, deve ser demonstrada a previsão, na Lei Orçamentária Anual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias, de que a renúncia foi considerada na estimativa da receita a partir de um anexo de renúncias, nos termos do inciso I do artigo 14 da LRF ou que haja medidas de compensação por meio do aumento de receita, por força do que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Considerando que a estimativa de impacto orçamentário-financeiro não foi apresentada neste projeto, para que não haja obstáculos materiais ou formais, deve ser exigido o estudo de impacto orçamentário e financeiro pelo Poder Executivo Municipal contemplando as exigências do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº 101/00).

[1] Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:

 I - desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica;

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 087/2022, de iniciativa do Poder Executivo Municipal, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que seja apresentado o estudo de impacto orçamentário e financeiro pelo Poder Executivo Municipal contemplando as exigências do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº 101/00) e que seja realizada a necessária a correção da redação do art. 4º em relação à expressão “e pagamento da taxa de licença para localização funcionamento”.

É o parecer.

Guaíba, 22 de dezembro de 2022.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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22/12/2022 13:57:42
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