Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 085/2022
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 447/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o Regime de Adiantamento para Pronto Pagamento de pequenas despesas, e dá outras providências."

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 085/2022 à Câmara Municipal, o qual “Institui o Regime de Adiantamento para Pronto Pagamento de pequenas despesas, e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. Mérito:

Constata-se, preliminarmente, quanto à competência legislativa dos entes federados, que a matéria constante do Projeto de Lei do Executivo n.º 085/2022, de autoria do Poder Executivo Municipal, encontra-se inserida no âmbito de matérias de interesse local, tendo a CF/88 instituído para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber.

Efetivamente, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

  • auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;
  • auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;
  • faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;
  • auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

Alexandre de Moraes traz lição lapidar quanto à competência municipal, considerando a primordial e essencial competência legislativa do município a possibilidade de auto-organizar-se através da edição de sua Lei Orgânica. As competências legislativas dos Municípios se evidenciam, ademais, pelo princípio da predominância do interesse local, o qual tem que ver com as peculiaridades e premências do ente em questão, configurando interesses específicos mais pontualmente atrelados às precisões particulares de cada município. O E. Min. Gilmar Ferreira Mendes trata do tema com particular ilustração:

As competências implícitas decorrem da cláusula do art. 30, I, da CF, que atribui aos Municípios ‘legislar sobre assuntos de interesse local’, significando interesse predominantemente municipal, já que não há fato local que não repercuta, de alguma forma, igualmente, sobre as demais esferas da Federação. Consideram-se de interesse local as atividades, e a respectiva regulação legislativa, pertinentes a transportes coletivos municipais, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, entre outras.

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, porque diz respeito ao funcionamento da administração pública municipal.

A iniciativa para a deflagração do processo legislativo, por sua vez, está adequada, já que o projeto de lei apresentado trata da instituição de regime de adiantamento de numerário a fim de regulamentar a despesas de pronto pagamento a serem realizadas pelo Poder Executivo, o que envolve as matérias de organização administrativa, planejamento e execução de serviços públicos. Nesse ponto, é importante salientar que, de acordo com o artigo 61, § 1º, inc. II, alínea “b”, da CF/88, são de iniciativa privativa do Chefe do Executivo as propostas que versem sobre organização administrativa, o que é reforçado, em âmbito municipal, pelo disposto no artigo 52, inc. VI e X, da Lei Orgânica Municipal:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

(...)

X – planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais;

Com efeito, o instituto do adiantamento de numerário caracteriza-se por elementos dentre os quais a excepcionalidade, a realização de despesa com finalidade pública, o contrato oral e o pequeno valor. A excepcionalidade é característica essencial das despesas a serem custeadas sobre o regime de adiantamento de numerário, estando disposta expressamente no art. 65, da Lei Federal nº 4.320, de 17 de março 1964, e assim entendida, devido ao fato de não ser o regime normal de despesa:

Art. 65. O pagamento da despesa será efetuado por tesouraria ou pagadoria regulamentada instituídas, por estabelecimentos bancários credenciados e, em casos excepcionais, por meio de adiantamento.

Já o art. 68 da prevê que o instituto do pronto pagamento será aplicável excepcionalmente nos casos em que a despesa a ser efetivada não puder ser processada pela forma normal de execução, desde que expressas em lei e precedidas de empenho na dotação própria:

Art. 68. O regime de adiantamento é aplicável aos casos de despesas expressamente definidos em lei e consiste na entrega de numerário a servidor, sempre precedida de empenho na dotação própria para o fim de realizar despesas, que não possam subordinar-se ao processo normal de aplicação.

Cabe ressaltar que tal transferência de recursos financeiros consiste na aplicação do Regime de Adiantamento de Numerário (suprimento de fundos), o que levará o Poder Executivo a observar o art. 68 da Lei Federal nº 4.320, de 1964, sendo aplicado somente para despesas previstas em lei que não possam subordinar-se ao processo normal de aplicação.

Portanto, em sede de análise perfunctória, por se tratar de matéria relacionada à organização administrativa do Município de Guaíba, estando atendidos os pressupostos constitucionais, nada impede a sua regular tramitação. Consoante se examina, há previsão quanto à necessidade de instrumento legal para fixação dos casos de suprimento de fundos, o que revela a autonomia dos entes federativos para que legislem sobre o regime de adiantamento conforme suas peculiaridades, obviamente dentro de parâmetros de razoabilidade e sem olvidar os limites impostos pelo art. 95 da Lei nº. 14.133/2021.

Consoante o disposto no § 2º do art. 95 da Lei nº 14.133/2021, é nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras ou o de prestação de serviços de pronto pagamento, assim entendidos aqueles de valor não superior a R$ 10.804,08 (dez mil, oitocentos e quatro reais e oito centavos - Valor atualizado pelo Decreto nº 10.922/2021):

Art. 95...

...

§ 2º É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras ou o de prestação de serviços de pronto pagamento, assim entendidos aqueles de valor não superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). (Vide Decreto nº 10.922, de 2021)

A propósito, o seguinte acórdão do TCU:

A utilização de suprimento de fundos para aquisição, por uma mesma unidade gestora, de bens ou serviços de mesma natureza mediante diversas compras em um único exercício, cujo valor total supere os limites dos incisos I ou II do art. 24 da Lei n. 8.666/1993, constitui fracionamento de despesa, situação vedada pelos referidos dispositivos legais’ (TCU, Plenário, Acórdão n. 2.557/2009, Rel. Min. Valmir Campelo, DOU, de 06/11/09).

No que diz respeito à caracterização da despesa como de pronto pagamento, decisões do Tribunal de Contas do Estado – TCE/RS e do Tribunal de Contas da União ressaltam que o que deverá ser avaliado é se a despesa é urgente e inadiável e se de fato não apresenta condições de ser realizada através do processo normal de aplicação e não somente o pequeno valor da despesa:

5.1.1 do Relatório de Auditoria do TCE – Processamento indevido de despesas mediante o sistema de adiantamento de numerário. Fracionamento de gastos com vistas ao enquadramento como despesas pequenas de pronto pagamento. [...]

Embora possam ter origem em demandas de setores diferentes da Secretaria, como alegado pelo Gestor, o fato é que as despesas destinaram-se à aquisição de materiais da mesma natureza, em períodos muito próximos, caracterizando o fracionamento de despesas [...]. Assim, mantenho o apontamento. (TCE/RS. Processo nº 009618-02.00/13-0. Julgado em 05/07/2016. Conselheiro César Miola)

Alguns motivos fazem com que as despesas não se enquadrem no processo normal de aplicação, tais como: A eventualidade e a necessidade do pronto pagamento, não é possível exigir que determinadas etapas do processo normal de aplicação sejam executadas antes de se efetivar o dispêndio; em razão do sigilo do qual devem estar revestidos determinados dispêndios públicos e por último, ainda que possível e desejável, por questão de economicidade, não faz sentido exigir que despesas até determinado montante sejam realizadas apenas após

percorrido processo cujo custo de realização tende a ser superior a eventuais prejuízos advindos da não inserção de referidas despesas no processo normal. Ou seja, para a administração pública, os custos advindos da não inclusão das despesas de pequeno vulto no processo normal de aplicação são, regra geral, menores do que os custos que seriam incorridos caso fosse necessário percorrer todas as etapas desse processo’ (TCU, Plenário, Acórdão n. 1.276/2008, Rel. Min. Valmir Campelo, DOU,de 08/7/08).

Destarte, cabe frisar ainda que não pode a Administração Municipal valer-se do regime de adiantamento, que é excepcional, para realizar despesas previsíveis e rotineiras, sendo, portanto, planejáveis. Estas devem atender a regra geral para as contratações administrativas, subordinando-se aos ditames da Lei Federal nº 14.133/2021, que já contempla duas hipóteses do administrador contratar sem o emprego da licitação: são os casos de inexigibilidade (art. 74) e dispensa (art. 75).

A prestação de contas dos valores deverá obedecer às disposições das normas locais (Leis/Decretos) que regulamentam o procedimento no âmbito local, observando-se, ainda, as peculiaridades de seu sistema de controle interno, de forma a garantir a correta aplicação do dinheiro público.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 085/2022, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação pelas Comissões Permanente e pelo Plenário.

É necessária a revisão do ponto de vista da técnica legislativa da proposta, podendo se dar em Redação Final (numeração dos artigos que passam do art. 8º para o art. 10.) etc.

É o parecer.

Guaíba, 22 de dezembro de 2022.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS nº 107.136

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22/12/2022 13:53:53
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