PARECER JURÍDICO |
|||||||||||||||
"Dispõe sobre o pagamento de complemento no vencimento básico dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate à Endemias, em observância ao disposto no § 9º, do art. 198 da Constituição Federal, e dá outras providências" 1. Relatório:O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 074/2022 à Câmara Municipal, que dispõe sobre o pagamento de complemento no vencimento básico dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias, em observância ao disposto no § 9º do art. 198 da Constituição Federal. A Comissão de Constituição, Justiça e Redação, ao receber a proposição, solicitou ao Poder Executivo a entrega de impacto orçamentário-financeiro. No entanto, considerando o disposto na Ordem de Serviço nº 004/2018, que institui, com fundamento no art. 105 do Regimento Interno, o exame prévio de admissibilidade jurídica das proposições, vem esta Procuradoria apresentar o parecer jurídico com as suas considerações. 2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA:A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante. Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”. Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/2018 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico. 3. Mérito:A norma presente no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-a como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se faz por meio de despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). Em relação à competência legislativa, o artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
Alexandre de Moraes leciona: "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)." (Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Assim, a matéria normativa constante na proposta se adéqua efetivamente ao interesse local, visto que dispõe sobre o pagamento, no âmbito municipal, do piso salarial dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, definido inicialmente pela Lei nº 12.994/2014 e alterado pela Emenda Constitucional nº 120/2022. Quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Prefeito, que limitam a iniciativa dos Vereadores, estão expressamente previstas na CF/88, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:
Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:
A iniciativa para a deflagração do processo legislativo está adequada, pois o projeto de lei apresentado trata de questões ligadas ao pagamento do piso salarial dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, agentes ligados ao Executivo, cuja gestão da política remuneratória compete ao Prefeito, autor da proposição. Em relação à matéria de fundo, verifica-se que o PLE nº 074/2022 busca criar um complemento salarial no vencimento básico dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, em observância ao disposto no § 9º do art. 198 da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 120, de 5 de maio de 2022. Basicamente, a alteração expressa uma conquista histórica da categoria, cuja política remuneratória passa a ser regida pelo próprio texto constitucional, ainda que já exista legislação nacional que, mais detalhadamente, discorra sobre o tema. Com efeito, a Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, rege as atividades dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, estabelecendo, por efeito de alteração realizada pela Lei nº 12.994, de 17 de junho de 2014, um piso salarial profissional nacional, conceituado como “[...] o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias para a jornada de 40 (quarenta) horas semanais.” O valor do piso, inicialmente definido em R$ 1.014,00, passou por alterações em 2018 a partir de uma regra de escalonamento que definiu, para 2021, o mínimo de R$ 1.550,00. Contudo, em 5 de maio de 2022 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 120, que acrescentou os §§ 7º a 11 ao art. 198 da Constituição Federal, estabelecendo novas regras sobre a política remuneratória dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, a seguir transcritas:
Em síntese, a nova norma constitucional define que a União Federal será a responsável pelo pagamento do vencimento dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, cujo valor não poderá ser inferior a dois salários mínimos, sendo esses recursos consignados no orçamento geral da União com dotação própria e exclusiva e, ainda, não incluídos no cálculo para fins do limite de despesa com pessoal. Nesse sentido, o CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde – expediu, em 30 de junho de 2022, a Portaria nº 2.109, que regulamenta mais detalhadamente o aporte de recursos da União para repasse aos demais entes federados, nos seguintes termos:
Além da definição da responsabilidade pelo pagamento do vencimento básico, a Emenda Constitucional nº 120/2022 estabeleceu também que aos Estados, Distrito Federal e Município caberá criar incentivos, auxílios, gratificações e indenizações, além de outras vantagens que valorizem o trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias. Ou seja, a par do vencimento básico, cujo valor não pode ser inferior a dois salários mínimos e que está sob a responsabilidade da União, é possível a instituição de vantagens paralelas que, neste caso, são de incumbência do próprio ente federado que as criou, de modo a incentivar e valorizar a carreira.[1] Dito isso, a proposta, ao instituir o complemento salarial aos cargos referidos, define, em seu art. 2º, que tal verba “[...] corresponderá à eventual diferença a menor existente entre o valor do vencimento básico instituído pela Lei Municipal nº 1.116/1993, atualizado, e aquele oficializado como piso salarial”, dispondo, ainda, que esse valor “[...] integrará a base de cálculo de todas as vantagens pecuniárias e encargos fiscais e previdenciários, que incidem sobre o vencimento básico do servidor”, o que, por conta disso, se aproxima da própria concepção de vencimento, enquanto “[...] retribuição paga ao servidor pelo efetivo exercício do cargo, correspondente ao valor básico fixado em lei” (art. 103 do Estatuto do Servidor Público do Município de Guaíba), dado integrar a base de cálculo das demais vantagens. Na sequência, o parágrafo único do art. 2º estabelece que o complemento salarial não produz reflexos, para quaisquer fins, sobre os demais níveis da carreira que já possuam vencimento básico acima do valor oficializado como piso salarial profissional nacional, que decorra, por exemplo, de uma classe ou nível mais elevado. Em outras palavras, o dispositivo aponta que os agentes que já recebam vencimento acima do piso (R$ 2.424,00 em 2022, correspondente a dois salários mínimos) não serão contemplados pelo complemento, pois já alcançaram, por outros meios, o valor estipulado como piso salarial. Sabe-se que o tema é complexo e, por vezes, oscilante na jurisprudência, produzindo cenário de grande insegurança jurídica aos entes públicos. Relativamente aos profissionais do magistério, o STJ decidiu (REsp 1.426.210-RS) que “A Lei n. 11.738/2008, em seu art. 2º, § 1º, ordena que o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica deve corresponder ao piso salarial profissional nacional, sendo vedada a fixação do vencimento básico em valor inferior, não havendo determinação de incidência automática em toda a carreira e reflexo imediato sobre as demais vantagens e gratificações, o que somente ocorrerá se estas determinações estiverem previstas nas legislações locais”. De forma mais detalhada, nas informações do inteiro teor sobre o tema discutido constam os seguintes esclarecimentos:
Ou seja, a jurisprudência predominante nos Tribunais Superiores, em relação aos profissionais do magistério, é de que o piso salarial deve corresponder ao vencimento inicial do cargo, não havendo, porém, obrigatória utilização dos mesmos índices nem repercussão sobre as demais vantagens estatutárias se os servidores já tiverem vencimento superior ao piso salarial em decorrência do seu progresso na carreira, exceto se a legislação local houver estabelecido essa repercussão, como no caso de uma determinada vantagem ter, como base de cálculo, o valor do vencimento (no caso, o valor do piso). Compreende-se que, em virtude da semelhança dos regramentos legais, a solução adotada deve ser a mesma quanto aos profissionais atingidos pela proposição legislativa. Além do atendimento da competência e da iniciativa, o projeto que verse sobre o aumento de despesa com pessoal deve demonstrar o cumprimento de requisitos de ordem orçamentária, previstos no art. 169, § 1º, da CF/88, e na Lei Complementar Federal nº 101/00 – Lei de Responsabilidade Fiscal. Prevê o artigo 169, caput e § 1º, da CF/88:
Na Lei de Responsabilidade Fiscal, preceituam os artigos 15 e 16, inc. I e II:
Ainda, dispõe o art. 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00):
Por fim, estabelecem os artigos 19 e 20 da LC nº 101/00:
Conforme a estimativa de impacto orçamentário-financeiro, a receita corrente líquida para o exercício de 2022 é de R$ 335.325.600,00. A despesa total com pessoal projetada para o final do exercício, com o impacto, é de R$ 179.983.625,94, representando 47,12% da receita corrente líquida, percentual abaixo do limite prudencial estabelecido pelo art. 22, parágrafo único, da LRF, que vedaria a instituição do complemento. Ademais, é preciso verificar a existência de autorização para a instituição de novas despesas com pessoal nas peças orçamentárias, como bem salientou o IGAM na Orientação Técnica nº 24.428/2022. [1] Para fins de esclarecimento, identificou-se que, no Município de Guaíba, os cargos públicos efetivos de Agente Comunitário de Saúde, de Agente de Saúde Pública – este que, pelo art. 4º, também é alcançado pela proposta – e de Agente de Combate às Endemias estão previstos no art. 14 da Lei Municipal nº 1.116/93, seja originalmente, seja por alteração legislativa posterior, com padrões de vencimento 10, 2 e 2A, respectivamente. 3. Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 074/2022, por inexistirem vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário, com a ressalva de que, além da necessária autorização, nas peças orçamentárias, da criação de novas despesas com pessoal, a jurisprudência do STJ, sobre os profissionais do magistério, já se pacificou no sentido de que, havendo previsão, na legislação local, do vencimento básico como base de cálculo de vantagens estatutárias, haverá repercussão ou reflexo automático do piso salarial sobre toda a carreira. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 13 de dezembro de 2022. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 14/12/2022 16:47:23 |
|||||||||||||||
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 14/12/2022 ás 16:46:52. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação f604cb48f983f4a4426dce112ffbdd60.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 147126. |