Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 074/2022
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 439/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre o pagamento de complemento no vencimento básico dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate à Endemias, em observância ao disposto no § 9º, do art. 198 da Constituição Federal, e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 074/2022 à Câmara Municipal, que dispõe sobre o pagamento de complemento no vencimento básico dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias, em observância ao disposto no § 9º do art. 198 da Constituição Federal. A Comissão de Constituição, Justiça e Redação, ao receber a proposição, solicitou ao Poder Executivo a entrega de impacto orçamentário-financeiro. No entanto, considerando o disposto na Ordem de Serviço nº 004/2018, que institui, com fundamento no art. 105 do Regimento Interno, o exame prévio de admissibilidade jurídica das proposições, vem esta Procuradoria apresentar o parecer jurídico com as suas considerações.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA:

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/2018 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. Mérito:

A norma presente no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-a como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se faz por meio de despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Em relação à competência legislativa, o artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Alexandre de Moraes leciona: "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)." (Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Assim, a matéria normativa constante na proposta se adéqua efetivamente ao interesse local, visto que dispõe sobre o pagamento, no âmbito municipal, do piso salarial dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, definido inicialmente pela Lei nº 12.994/2014 e alterado pela Emenda Constitucional nº 120/2022.

Quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Prefeito, que limitam a iniciativa dos Vereadores, estão expressamente previstas na CF/88, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II – disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I – criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II – organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III – servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV – criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

A iniciativa para a deflagração do processo legislativo está adequada, pois o projeto de lei apresentado trata de questões ligadas ao pagamento do piso salarial dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, agentes ligados ao Executivo, cuja gestão da política remuneratória compete ao Prefeito, autor da proposição.

Em relação à matéria de fundo, verifica-se que o PLE nº 074/2022 busca criar um complemento salarial no vencimento básico dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, em observância ao disposto no § 9º do art. 198 da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 120, de 5 de maio de 2022. Basicamente, a alteração expressa uma conquista histórica da categoria, cuja política remuneratória passa a ser regida pelo próprio texto constitucional, ainda que já exista legislação nacional que, mais detalhadamente, discorra sobre o tema.

Com efeito, a Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, rege as atividades dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, estabelecendo, por efeito de alteração realizada pela Lei nº 12.994, de 17 de junho de 2014, um piso salarial profissional nacional, conceituado como “[...] o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias para a jornada de 40 (quarenta) horas semanais.” O valor do piso, inicialmente definido em R$ 1.014,00, passou por alterações em 2018 a partir de uma regra de escalonamento que definiu, para 2021, o mínimo de R$ 1.550,00.

Contudo, em 5 de maio de 2022 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 120, que acrescentou os §§ 7º a 11 ao art. 198 da Constituição Federal, estabelecendo novas regras sobre a política remuneratória dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, a seguir transcritas:

Art. 198 (...)

§ 7º O vencimento dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias fica sob responsabilidade da União, e cabe aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer, além de outros consectários e vantagens, incentivos, auxílios, gratificações e indenizações, a fim de valorizar o trabalho desses profissionais.

§ 8º Os recursos destinados ao pagamento do vencimento dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias serão consignados no orçamento geral da União com dotação própria e exclusiva.

§ 9º O vencimento dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias não será inferior a 2 (dois) salários mínimos, repassados pela União aos Municípios, aos Estados e ao Distrito Federal.

§ 10. Os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias terão também, em razão dos riscos inerentes às funções desempenhadas, aposentadoria especial e, somado aos seus vencimentos, adicional de insalubridade.

§ 11. Os recursos financeiros repassados pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para pagamento do vencimento ou de qualquer outra vantagem dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias não serão objeto de inclusão no cálculo para fins do limite de despesa com pessoal." (NR)

Em síntese, a nova norma constitucional define que a União Federal será a responsável pelo pagamento do vencimento dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, cujo valor não poderá ser inferior a dois salários mínimos, sendo esses recursos consignados no orçamento geral da União com dotação própria e exclusiva e, ainda, não incluídos no cálculo para fins do limite de despesa com pessoal. Nesse sentido, o CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde – expediu, em 30 de junho de 2022, a Portaria nº 2.109, que regulamenta mais detalhadamente o aporte de recursos da União para repasse aos demais entes federados, nos seguintes termos:

PORTARIA GM/MS Nº 2.109, DE 30 DE JUNHO DE 2022

Estabelece que o piso salarial dos Agentes Comunitários de Saúde passa a ser de R$ 2.424,00 (dois mil e quatrocentos e vinte e quatro reais), repassados pela União aos entes federativos

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I e II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, e considerando a Emenda Constitucional nº 120, de 5 de maio de 2022, acrescenta §§ 7º, 8º, 9º, 10 e 11 ao art. 198 da Constituição Federal, para dispor sobre a responsabilidade financeira da União, corresponsável pelo Sistema Único de Saúde (SUS), na política remuneratória e na valorização dos profissionais que exercem atividades de agente comunitário de saúde e de agente de combate às endemias, resolve:

Art. 1º Fica estabelecido que o piso salarial dos Agentes Comunitários de Saúde – ACS passa a ser de R$ 2.424,00 (dois mil e quatrocentos e vinte e quatro reais) a partir da data estabelecida pela Emenda Constitucional nº 120, de 05 de maio de 2022, repassados pela União aos entes federativos.

Parágrafo único. O valor será repassado na forma da Assistência Financeira Complementar da União aos Agentes Comunitários de Saúde – ACS e Incentivo Financeiro para fortalecimento de políticas afetas à atuação dos ACS, proporcional ao número de ACS cadastrados pelos gestores dos Municípios e Distrito Federal no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – SCNES que cumprirem os requisitos previstos na Lei.

Art. 2º Fica definido que os recursos orçamentários de que trata esta Portaria, correrão por conta do orçamento do Ministério da Saúde, devendo onerar a Funcional Programática 10.301.5019.219A – Piso de Atenção Primária em Saúde, no seguinte plano orçamentário PO – 0002 – Agente Comunitário de Saúde.

Art. 3º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, com efeitos financeiros a partir de maio de 2022.

MARCELO ANTÔNIO CARTAXO QUEIROGA LOPES

Além da definição da responsabilidade pelo pagamento do vencimento básico, a Emenda Constitucional nº 120/2022 estabeleceu também que aos Estados, Distrito Federal e Município caberá criar incentivos, auxílios, gratificações e indenizações, além de outras vantagens que valorizem o trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias. Ou seja, a par do vencimento básico, cujo valor não pode ser inferior a dois salários mínimos e que está sob a responsabilidade da União, é possível a instituição de vantagens paralelas que, neste caso, são de incumbência do próprio ente federado que as criou, de modo a incentivar e valorizar a carreira.[1]

Dito isso, a proposta, ao instituir o complemento salarial aos cargos referidos, define, em seu art. 2º, que tal verba “[...] corresponderá à eventual diferença a menor existente entre o valor do vencimento básico instituído pela Lei Municipal nº 1.116/1993, atualizado, e aquele oficializado como piso salarial”, dispondo, ainda, que esse valor “[...] integrará a base de cálculo de todas as vantagens pecuniárias e encargos fiscais e previdenciários, que incidem sobre o vencimento básico do servidor”, o que, por conta disso, se aproxima da própria concepção de vencimento, enquanto “[...] retribuição paga ao servidor pelo efetivo exercício do cargo, correspondente ao valor básico fixado em lei” (art. 103 do Estatuto do Servidor Público do Município de Guaíba), dado integrar a base de cálculo das demais vantagens.

Na sequência, o parágrafo único do art. 2º estabelece que o complemento salarial não produz reflexos, para quaisquer fins, sobre os demais níveis da carreira que já possuam vencimento básico acima do valor oficializado como piso salarial profissional nacional, que decorra, por exemplo, de uma classe ou nível mais elevado. Em outras palavras, o dispositivo aponta que os agentes que já recebam vencimento acima do piso (R$ 2.424,00 em 2022, correspondente a dois salários mínimos) não serão contemplados pelo complemento, pois já alcançaram, por outros meios, o valor estipulado como piso salarial.

Sabe-se que o tema é complexo e, por vezes, oscilante na jurisprudência, produzindo cenário de grande insegurança jurídica aos entes públicos. Relativamente aos profissionais do magistério, o STJ decidiu (REsp 1.426.210-RS) que “A Lei n. 11.738/2008, em seu art. 2º, § 1º, ordena que o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica deve corresponder ao piso salarial profissional nacional, sendo vedada a fixação do vencimento básico em valor inferior, não havendo determinação de incidência automática em toda a carreira e reflexo imediato sobre as demais vantagens e gratificações, o que somente ocorrerá se estas determinações estiverem previstas nas legislações locais”.

De forma mais detalhada, nas informações do inteiro teor sobre o tema discutido constam os seguintes esclarecimentos:

Discutiu-se se os artigos 2º, § 1º, e 6º, da Lei nº 11.738/2008 autorizam a automática repercussão do piso salarial profissional nacional quanto aos profissionais do magistério público da educação básica sobre as classes e níveis mais elevados da carreira, bem assim sobre as vantagens temporais, adicionais e gratificações, sem a edição de lei estadual a respeito, inclusive para os professores que já auferem vencimentos básicos superiores ao piso. Com efeito, há razão ao se sustentar que a Lei em comento – como regra geral – não teria permitido a automática repercussão do piso nacional sobre as classes e níveis mais elevados da carreira do magistério e tampouco o reflexo imediato sobre as vantagens temporais, adicionais e gratificações. Com efeito, partindo-se do entendimento (intangível para o STJ) já estabelecido pelo STF – de que o piso corresponde ao vencimento básico inicial –, pode-se afirmar que a Lei n. 11.738/2008 se limitou a estabelecer o piso salarial: valor mínimo a ser pago pela prestação do serviço de magistério, abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica. Assim, não há que se falar em reajuste geral para toda a carreira do magistério, não havendo nenhuma determinação de incidência escalonada com aplicação dos mesmos índices utilizados para a classe inicial da carreira. Nesse contexto, apenas aqueles profissionais que, a partir de 27/4/2011 (consoante o entendimento do STF), percebessem valores inferiores ao piso legalmente fixado seriam beneficiados com as disposições legais, não havendo qualquer repercussão para os demais professores que, naquela data, já auferiam vencimentos básicos superiores ao estabelecido na lei em comento. Da mesma forma, não há que se falar em reflexo imediato sobre as vantagens temporais, adicionais e gratificações. Essa, portanto, é a premissa geral a ser utilizada na interpretação em questão: a Lei n. 11.738/2008, em seu art. 2º, § 1º, apenas determinou que o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica deve corresponder ao piso salarial profissional nacional, sendo vedada a fixação do vencimento básico (entendimento do STF) em valor inferior, não havendo qualquer determinação de reescalonamento de toda a carreira e reflexo imediato sobre as demais vantagens e gratificações. Faz-se mister destacar, entretanto, que os temas não se exaurem com o estabelecimento dessa premissa geral. Explica-se. Uma vez determinado pela Lei n. 11.738/2008 que os entes federados devem fixar o vencimento básico das carreiras no mesmo valor do piso salarial profissional, se em determinada lei estadual, que institui o plano de carreira do magistério naquele estado, houver a previsão de que as classes da carreira serão remuneradas com base no vencimento básico, a adoção do piso nacional refletirá em toda a carreira. O mesmo ocorre com as demais vantagens e gratificações. Se na lei local existir a previsão de que a vantagem possui como base de cálculo o vencimento inicial, não haverá como se chegar a outro entendimento, senão o de que a referida vantagem sofrerá necessariamente alteração com a adoção do piso salarial nacional.

Ou seja, a jurisprudência predominante nos Tribunais Superiores, em relação aos profissionais do magistério, é de que o piso salarial deve corresponder ao vencimento inicial do cargo, não havendo, porém, obrigatória utilização dos mesmos índices nem repercussão sobre as demais vantagens estatutárias se os servidores já tiverem vencimento superior ao piso salarial em decorrência do seu progresso na carreira, exceto se a legislação local houver estabelecido essa repercussão, como no caso de uma determinada vantagem ter, como base de cálculo, o valor do vencimento (no caso, o valor do piso). Compreende-se que, em virtude da semelhança dos regramentos legais, a solução adotada deve ser a mesma quanto aos profissionais atingidos pela proposição legislativa.

Além do atendimento da competência e da iniciativa, o projeto que verse sobre o aumento de despesa com pessoal deve demonstrar o cumprimento de requisitos de ordem orçamentária, previstos no art. 169, § 1º, da CF/88, e na Lei Complementar Federal nº 101/00 – Lei de Responsabilidade Fiscal.

Prevê o artigo 169, caput e § 1º, da CF/88:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: (Renumerado do parágrafo único, pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I – se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II – se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Na Lei de Responsabilidade Fiscal, preceituam os artigos 15 e 16, inc. I e II:

Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.

Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:

I – estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;

II – declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

Ainda, dispõe o art. 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00):

Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.

§ 1º Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.

§ 2º Para efeito do atendimento do § 1º, o ato será acompanhado de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no § 1º do art. 4º, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa.

§ 3º Para efeito do § 2º, considera-se aumento permanente de receita o proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 4º A comprovação referida no § 2º, apresentada pelo proponente, conterá as premissas e metodologia de cálculo utilizadas, sem prejuízo do exame de compatibilidade da despesa com as demais normas do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias.

§ 5º A despesa de que trata este artigo não será executada antes da implementação das medidas referidas no § 2º, as quais integrarão o instrumento que a criar ou aumentar.

§ 6º O disposto no § 1º não se aplica às despesas destinadas ao serviço da dívida nem ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da Constituição.

§ 7º Considera-se aumento de despesa a prorrogação daquela criada por prazo determinado.

Por fim, estabelecem os artigos 19 e 20 da LC nº 101/00:

Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:

I – União: 50% (cinqüenta por cento);

II – Estados: 60% (sessenta por cento);

III – Municípios: 60% (sessenta por cento).

Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais:

[...]

III – na esfera municipal:

b) 54% (cinquenta e quatro) para o Executivo.

Conforme a estimativa de impacto orçamentário-financeiro, a receita corrente líquida para o exercício de 2022 é de R$ 335.325.600,00. A despesa total com pessoal projetada para o final do exercício, com o impacto, é de R$ 179.983.625,94, representando 47,12% da receita corrente líquida, percentual abaixo do limite prudencial estabelecido pelo art. 22, parágrafo único, da LRF, que vedaria a instituição do complemento. Ademais, é preciso verificar a existência de autorização para a instituição de novas despesas com pessoal nas peças orçamentárias, como bem salientou o IGAM na Orientação Técnica nº 24.428/2022.

[1] Para fins de esclarecimento, identificou-se que, no Município de Guaíba, os cargos públicos efetivos de Agente Comunitário de Saúde, de Agente de Saúde Pública – este que, pelo art. 4º, também é alcançado pela proposta – e de Agente de Combate às Endemias estão previstos no art. 14 da Lei Municipal nº 1.116/93, seja originalmente, seja por alteração legislativa posterior, com padrões de vencimento 10, 2 e 2A, respectivamente.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 074/2022, por inexistirem vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário, com a ressalva de que, além da necessária autorização, nas peças orçamentárias, da criação de novas despesas com pessoal, a jurisprudência do STJ, sobre os profissionais do magistério, já se pacificou no sentido de que, havendo previsão, na legislação local, do vencimento básico como base de cálculo de vantagens estatutárias, haverá repercussão ou reflexo automático do piso salarial sobre toda a carreira.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 13 de dezembro de 2022.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114

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14/12/2022 13:47:23
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