Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 082/2022
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 436/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 2.866/2012 que Dispõe sobre o Plano de Carreira do Servidor Público Efetivo Ativo da Administração Pública Direta e Indireta do Município de Guaíba e a Lei Municipal n.º 2.734/2011 que Reestrutura o Plano de Carreira e de Remuneração do Magistério Público do Município e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 082/2022 à Câmara Municipal, que altera a Lei Municipal nº 2.866/2012, a qual dispõe sobre o Plano de Carreira do Servidor Público Efetivo Ativo da Administração Pública Direta e Indireta do Município de Guaíba, e altera a Lei Municipal nº 2.734/2011, que reestrutura o Plano de Carreira e de Remuneração do Magistério Público do Município de Guaíba. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA:

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. Mérito:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

As modificações pretendidas na legislação municipal se inserem, efetivamente, na definição de interesse local (art. 30, I, da CF/88), tendo em vista que dizem respeito ao plano de carreira dos servidores públicos municipais ligados ao Poder Executivo, matéria de competência legislativa municipal.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que limitam o poder de iniciativa dos Vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS.

Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II – disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I – criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II – organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III – servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV – criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

A iniciativa para a deflagração do processo legislativo está adequada, pois o projeto de lei apresentado trata de questões ligadas ao plano de carreira dos servidores vinculados ao Executivo Municipal, cuja iniciativa é privativa do Prefeito, autor da proposição.

Em relação à matéria de fundo, verifica-se que a proposta busca alterar o plano de carreira do magistério público (Lei Municipal nº 2.734/2011) e o plano de carreira dos demais servidores pertencentes ao Executivo Municipal (Lei Municipal nº 2.866/2010), no sentido de estabelecer novos marcos temporais de início da vigência de níveis mais avançados adquiridos pelos servidores públicos ao longo de sua carreira.

A redação atualmente vigente da legislação define que a mudança de nível deverá ser precedida de requerimento pelo servidor e, comprovados os requisitos de habilitação, terá início no mês subsequente. Desse modo, o servidor que possui ou adquire, durante a carreira, um nível de escolaridade mais elevado do que o exigido para o ingresso no cargo público de origem tem direito à percepção de maior remuneração já no mês seguinte ao requerimento.

A proposta busca alterar essa sistemática, prevendo que a mudança de nível passará a vigorar no exercício financeiro seguinte ao que o servidor apresentar o requerimento, desde que protocolado no prazo constante na alínea “b” do inciso I do art. 107 da Lei Orgânica (31 de agosto). Ou seja, se o servidor protocolar o requerimento de mudança de nível até 31 de agosto, passará a receber o adicional em janeiro do exercício seguinte; se protocolar após 31 de agosto, receberá o adicional somente no início do exercício subsequente ao seguinte.

Nesse ponto, a proposta legislativa não contém vício de inconstitucionalidade formal ou material, pois a “[...] jurisprudência do STF é pacífica e reiterada no sentido de que os servidores públicos não têm direito adquirido à imutabilidade de regime jurídico”, haja vista que “[...] a garantia prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição não os protege contra leis que modifiquem as condições que regem a relação jurídica que estabelecem com a administração pública, desde que não haja redução de seus vencimentos ou subsídios” (ADI nº 4.461, STF).

Em outras palavras, os servidores públicos não têm direito adquirido a regime jurídico, sendo válido que a Administração Pública promova alterações na legislação estatutária, mesmo que para tornar menos vantajosa a situação do servidor público, desde que observado o princípio da irredutibilidade dos vencimentos. Nessa linha, a jurisprudência do TJRS:

APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE URUGUAIANA. MAGISTÉRIO. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA LEI MUNICIPAL Nº 1.781/85. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. 1. A conduta da Administração Pública é regida pelo princípio da legalidade (art. 37, caput, da Constituição Federal), cabendo aos Municípios, dentro de sua esfera de competência, legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I). 2. De acordo com o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal, inexiste direito adquirido a regime jurídico, que pode inclusive modificar o sistema remuneratório dos servidores públicos. 3. Ausência de previsão legal para o ressarcimento de gastos com gasolina e de cômputo das horas in itinere na jornada de trabalho. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. (Apelação Cível, Nº 50007871220168210037, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Maia, Julgado em: 24-03-2022)

APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE PELOTAS. CARGA HORÁRIA DOS SERVIDORES DA SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE. LEI MUNICIPAL Nº 3.116/88 E DECRETO Nº 5.879/2015. NECESSIDADE DE OBEDIÊNCIA À LEGALIDADE. 1. Rejeitada a preliminar de perda do objeto da ação. 2. O regime jurídico dos servidores públicos é concebido como complexo de regras e princípios que disciplina a acessibilidade aos cargos públicos, bem como direitos e deveres. Trata-se de núcleo normativo compreendido a partir da supremacia da Constituição, da unidade dos princípios constitucionais que materializam indicações normativas democraticamente construídas. Controle fundado na juridicidade qualificada, por meio da qual a Administração Pública submete-se ao Direito, com o propósito de evitar práticas arbitrárias. 3. A legislação municipal prevê a carga horária de cada cargo público, tendo sido disposto no § 2º do artigo 6º do Decreto nº 5.879/2015 que a "...apuração da efetividade observará a carga horária determinada para cada cargo, emprego ou função, conforme estipulado na legislação municipal ou contrato de trabalho". 4. É incontroverso nos autos que servidores da área da saúde municipal cumpriam uma jornada de trabalho inferior à carga horária estipulada para os respectivos cargos. Tal praxe, por ter sido adotada à margem da lei, não assegura a manutenção, até porque a mudança empreendida pelo Executivo, ao contrário do sustentado pelo Sindicato/apelante, não acarretou aumento da carga horária, sem o correspondente acréscimo salarial. 5. O Decreto nº 5.879/2015 nada mais fez do que impor o cumprimento da carga horária dos cargos públicos pelos servidores municipais, mediante registro eletrônico da efetividade, não alterando em nada o limite da carga horária que pudesse ensejar o pagamento de horas-extras postulado pelo Sindicato/apelante. 6. No âmbito do serviço público, além da necessária adstrição ao princípio da legalidade, inexiste direito subjetivo a determinado regime jurídico, de modo que a Administração Pública tem a liberdade de alterá-lo, sem que isso configure ofensa a direito adquirido dos servidores. 7. Manutenção da sentença de improcedência, pois a teor do parecer do ilustre Procurador de Justiça neste grau de jurisdição, a correção do equívoco administrativo deriva do poder de autotutela da administração. PRELIMINAR REJEITADA. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível, Nº 50030518120158210022, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em: 25-11-2021)

Não havendo inconstitucionalidade, cabe, então, às comissões permanentes e aos Vereadores fazerem exame de mérito, avaliando os motivos expostos pelo proponente à luz do interesse público, destacando-se que, por tratar-se de proposta que modifica os planos de carreira dos servidores públicos – leis complementares (art. 46, VII, da Lei Orgânica) – , é obrigatório que ocorram a ampla divulgação e a realização de consulta pública para o recebimento de sugestões (§ 1º do art. 46 da Lei Orgânica).

4. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 82/2022, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Tratando-se de projeto de lei complementar, necessário observar o disposto no § 1º do art. 46 da Lei Orgânica, no sentido de assegurar-se a ampla divulgação e a realização de consulta pública para o recebimento de sugestões.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 5 de dezembro de 2022.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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ICP-BrasilGUSTAVO DOBLER:02914216017
05/12/2022 14:04:06
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