Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 156/2022
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 415/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria o Programa Guaíba Luz Solar, que institui regras de incentivo fiscal para adoção de energia solar no âmbito do Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 156/22 à Câmara Municipal, objetivando criar o Programa Guaíba Luz Solar, que institui regras de incentivo fiscal para adoção de energia solar no âmbito do Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise jurídica com fundamento no art. 105 do Regimento Interno.

2. Mérito:

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

2.1 Da competência legislativa municipal

A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios.

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (art. 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (art. 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (art. 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (arts. 24, § 2º, e 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (art. 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (art. 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

Em relação à matéria de tributação, a CF/88 efetivamente estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Ocorre que o art. 30, inc. I e II, da CF/88 é claro ao garantir aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, bem como para suplementar, no que couber, a legislação federal e estadual. Nesses termos, a interpretação correta das regras constitucionais de distribuição de competências é a que veda aos Municípios a atividade legislativa somente sobre matérias que esbarrem na competência privativa do art. 22 da CF/88, atribuída rigorosamente à União, nada obstando, por outro lado, que legislem com base no interesse local sobre matérias de competência concorrente. Tanto é que, do contrário, não seria possível a criação dos típicos códigos sanitários municipais (“proteção e defesa da saúde” – art. 24, inc. XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – art. 24, inc. VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – art. 24, inc. I).

Veja-se que, na jurisprudência, é acolhido o entendimento da competência legislativa suplementar complementar dos Municípios para legislarem sobre matérias versadas no art. 24 da CF/88, desde que no sentido de detalhar regras presentes na legislação federal e estadual, conferindo-lhes maior efetividade:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI 10.432/12 DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE - PROIBIÇÃO DE VENDA DE CIGARROS AVULSOS - MATÉRIA DE INTERESSE LOCAL - COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR DO MUNICÍPIO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. - Embora a competência para legislar sobre produção e consumo seja concorrente entre a União e os Estados, assegura-se ao Município competência para suplementar a legislação federal e estadual no que couber e legislar sobre assuntos de interesse local, nos termos do artigo 30, da CF e artigos 10 e 169, da Constituição Estadual.- Inexiste inconstitucionalidade na Lei 10.432/12, do Município de Belo Horizonte, ao dispor sobre a proibição da venda de cigarros avulsos, por se tratar de questão afeta a direito do consumidor, de nítido interesse local, e por não haver conflito com a legislação federal. - Improcedência da representação. V.V. (TJ-MG - Ação Direta Inconst: 10000120699962000 MG, Relator: Heloisa Combat, Data de Julgamento: 10/04/2013, Órgão Especial / ÓRGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 17/05/2013)

DIREITO CONSTITUCIONAL. REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 5.555/13 DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR MUNICIPAL. ALCANCE. [...] 1. Decorre da competência legislativa municipal suplementar (CRFB, art. 30, II, e CERJ, art. 358, II) Município editar lei que suplemente, no que couber, atos legislativos da competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, logo, daquela e do Estado do Rio de Janeiro, sobre responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e sobre previdência social, proteção e defesa da saúde (incisos VIII e XII dos arts. 24 e 74, respectivamente das Constituições da República e fluminense); precedentes do STF. 2. Basta interesse também local, não uma especificidade municipal, para que Município possa exercer competência legislativa suplementar; o descabimento só se configura quando a lei municipal dispõe mais do que a ordem normativa a ser por ela suplementada ou quando a lei do Município entra em conflito com o ordenamento constitucional e/ou infraconstitucional federal e/ou estadual. [...] 6. Representação que se julga improcedente. (TJ-RJ - ADI: 00527701420138190000 RJ 0052770-14.2013.8.19.0000, Relator: DES. FERNANDO FOCH DE LEMOS ARIGONY DA SILVA, Data de Julgamento: 05/05/2014, OE - SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ÓRGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 10/06/2014)

Portanto, consoante fundamentam as decisões acima transcritas, em que pese a matéria de tributação esteja presente no art. 24 da CF/88 como competência legislativa concorrente da União, do Distrito Federal e dos Estados, os Municípios, no estrito interesse local, podem legislar sobre o tema, atentando para não extrapolar o âmbito local e para não entrar em conflito com normas constitucionais ou infraconstitucionais.

2.2 Da iniciativa do processo legislativo

Quanto à iniciativa legislativa, cumpre salientar que, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, cabe ao Município a responsabilidade pela consecução de sua legislação tributária, pertencendo ao Executivo, ao Legislativo e, também, à população, através de iniciativa popular, a deflagração das referidas proposições, por não haver restrição expressa à iniciativa para matéria tributária:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA PERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I. A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II. A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III. Agravo Regimental improvido. (STF - RE: 590697 MG, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-171 DIVULG 05-09-2011 PUBLIC 06-09-2011 EMENT VOL-02581-01 PP- 00169).

As matérias de iniciativa reservada são rol taxativo na CF/88 e nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, lecionando Hely Lopes Meirelles que:

Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores, são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, §1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de lei que disponham sobre criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental. (grifo nosso)

As leis que dispõem sobre matéria tributária não se inserem dentre as de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, afirmando os tribunais que a iniciativa para deflagrar o processo legislativo acerca da matéria é concorrente:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. INICIATIVA LEGISLATIVA. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. CONCORRÊNCIA ENTRE PODER LEGISLATIVO E PODER EXECUTIVO. LEI QUE CONCEDE ISENÇÃO. POSSIBILIDADE AINDA QUE O TEMA VENHA A REPERCUTIR NO ORÇAMENTO MUNICIPAL. RECURSO QUE NÃO SE INSURGIU CONTRA A DECISÃO AGRAVADA. DECISÃO QUE SE MANTÊM POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. [...] 2. A iniciativa para início do processo legislativo em matéria tributária pertence concorrentemente ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, b, da CF). Precedentes: ADI 724-MC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 15.05.92; RE 590.697-ED, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 06.09.2011; RE 362.573-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, Dje de 17.08.2007). [...] (STF - AI: 809719 MG, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 09/04/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 25-04-2013 PUBLIC 26-04-2013)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA. IMPROCEDÊNCIA. 1. Lei Complementar, de iniciativa parlamentar, que possibilita o parcelamento do ITBI e que não padece de vício de iniciativa e que não acarreta redução de receita passível de afrontar disposições constitucionais. 2. De fato, a iniciativa para início do processo legislativo em matéria tributária pertence concorrentemente ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, b, da CF). Precedentes: ADI 724-MC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 15.05.92; RE 590.697-ED, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 06.09.2011; RE 362.573-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, Dje de 17.08.2007; AI 809719 AgR, Rel. Min. Luis Fux, Primeira Turma, j. em 09/04/2013. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70059239814, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 01/12/2015)

A temática proposta também não dispõe sobre lei orçamentária, mas meramente sobre matéria tributária, possuindo viabilidade quanto à iniciativa:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA REPERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I – A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II – A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III – Agravo Regimental improvido (STF, ED-RE 590.697-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23-08-2011, v.u., DJe 06-09-2011).

Assim, verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador sobre a matéria tratada, porquanto, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva.

2.3 Do conteúdo do projeto de lei

De acordo com a justificativa, o projeto pretende instituir um programa de incentivos fiscais aos contribuintes de IPTU que instalarem, em suas unidades habitacionais, comerciais ou industriais, sistemas de captação e de aproveitamento de energia solar, por Sistemas Fotovoltaicos Conectados à Rede Elétrica (SFVCR). Para tanto, propõe desconto anual de 20% do IPTU aos imóveis que contenham as referidas funcionalidades sustentáveis.

Nesse sentido, a CF/88, no seu art. 225, caput, dispõe: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Do mesmo modo, o artigo 251, caput, da Constituição Estadual prevê: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido.”

A jurisprudência dos tribunais estaduais já definiu a constitucionalidade de leis similares que instituíram políticas de incentivos fiscais em contrapartida a práticas sustentáveis como forma de motivar a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, reconhecendo a ausência de vícios formais e materiais:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI Nº 5.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 2015, QUE "AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A INSTITUIR O PROGRAMA DE INCENTIVO E DESCONTO, DENOMINADO 'IPTU VERDE' NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO DE TAUBATÉ E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS" – ATO NORMATIVO DE AUTORIA PARLAMENTAR – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE – REPERCUSSÃO NO ORÇAMENTO MUNICIPAL – IRRELEVÂNCIA – AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 5º E §§ 2º E 6º DO ARTIGO 174 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – INOCORRÊNCIA – PRECEDENTES DO STF E DO ÓRGÃO ESPECIAL DESTA CORTE - IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2248567-25.2015.8.26.0000; Relator (a): João Negrini Filho; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 27/07/2016; Data de Registro: 29/07/2016)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Art. 2º, caput e § 2º, da Lei Complementar nº 3.025, de 29-4-2020, do Município de Ribeirão Preto, de origem parlamentar – Norma que altera o prazo final para requerer benefício tributário denominado 'IPTU VERDE' – Incompatibilidade com os arts. 5º, 24, § 2º, '2', 47, II e XIV, da CE/89 – Inocorrência. 1 – 'Norma jurídica que estabelece prazo em processo administrativo, como os termos para aquisição de direitos ou faculdades, não se insere na reserva da Administração nem na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo porque não estão inseridas nessas esferas, cuja interpretação é restritiva'. 2 – Ação improcedente. Cassada a liminar. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2166249-09.2020.8.26.0000; Relator (a): Carlos Bueno; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 03/03/2021; Data de Registro: 05/03/2021)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei n. 3.118, de 26 de abril de 2019, que "Cria o Programa IPTU Verde e autoriza a concessão de desconto no Imposto Predial e Territorial Urbano ao uso de tecnologias ambientais sustentáveis". ISENÇÃO TRIBUTÁRIA – Ausência de inconstitucionalidade formal decorrente de vício de iniciativa – Entendimento consagrado pelo E. STF de que de que a competência para iniciar processo legislativo sobre matéria tributária não é privativa do Poder Executivo – Inocorrência de criação de despesa sem a correspondente previsão de custeio. MATÉRIAS INSERIDAS NA RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E FIXAÇÃO DE PRAZO PARA REGULAMENTAÇÃO – Não pode o Poder Legislativo estipular atribuições à Secretaria Municipal – Ademais, a regulamentação de lei insere-se na competência privativa do Poder Executivo – A fixação de prazo para regulamentação ofende o princípio da separação dos poderes – Violação aos artigos 5º e 47, incisos II e XIV, da Constituição Estadual – Inconstitucionalidade, todavia, limitada aos artigos 6º, caput e § 1º, 10 e à expressão "no prazo de 90 (noventa dias), contados a partir dessa data" constante do 13, todos da lei vergastada. Ação julgada parcialmente procedente. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2105537-87.2019.8.26.0000; Relator (a): Moacir Peres; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 13/11/2019; Data de Registro: 19/11/2019)

Como se constata da leitura das ementas, não há reserva de iniciativa ao Chefe do Executivo na apresentação de projetos envolvendo matéria tributária, porque não estão compreendidos nas hipóteses restritas do art. 61, § 1º, da CF/88 e do art. 60 da CE/RS. Dessa forma e em termos gerais, a proposição em análise é válida, pois define a política de incentivo fiscal e estabelece os requisitos para a sua concessão, cabendo a regulamentação do detalhamento do pedido e de sua tramitação ao Chefe do Poder Executivo, por meio de decreto.

Na presente situação, entretanto, embora não haja inconstitucionalidade no sentido formal ou material, não se demonstrou, até o momento, o cumprimento das disposições previstas no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00) quanto à ampliação da renúncia de receita, o que vem a prejudicar a proposição em termos de legalidade.

Isso porque, ao criar um incentivo fiscal que implica a potencial redução de arrecadação do IPTU, o Município de Guaíba agrava a sua renúncia de receitas, exigindo-se, para tanto, a juntada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, com a demonstração do atendimento ao disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias e, ao menos, uma das seguintes condições: 1) comprovação de que essa renúncia foi considerada na Lei Orçamentária Anual – LOA e de que não afetará as metas de resultados fiscais; ou 2) demonstração de medidas de compensação, no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Eis a redação do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00), sobre as exigências financeiras para a concessão de benefícios fiscais:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

§ 3º O disposto neste artigo não se aplica:

I – às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1º;

II – ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.

Assim, conforme o caput e o § 1º do dispositivo, a concessão de incentivos fiscais configura renúncia de receita, só sendo juridicamente viável quando estiver acompanhada de demonstração de que foi devidamente planejada e estimada na Lei Orçamentária Anual, não afetando as metas de resultados fiscais, ou de que haverá compensação mediante aumento de receitas por outras fontes, além da necessária previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Tal complementação é necessária à total viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 156/2022, visto que ausente o impacto orçamentário-financeiro na proposta.

A propósito do assunto, leia-se a Súmula Administrativa nº 1 da Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba: “Os projetos de lei que visem conceder ou ampliar benefícios de natureza tributária, tais como isenções, anistias e remissões sobre tributos municipais, além dos demais constantes no § 1º do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, são da competência legislativa municipal e de iniciativa concorrente, demandando, contudo, a instrução com estimativa do impacto orçamentário-financeiro para o exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, que comprove a compatibilidade com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e, ao menos, uma das seguintes condições: a) prévia consideração da renúncia na receita da lei orçamentária vigente e não comprometimento das metas de resultados fiscais; b) existência de medidas de compensação pelo aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.” (Enunciado aprovado em 3/12/2019, no Expediente de Súmula Administrativa nº 001/2019).

Essa complementação documental, de toda forma, poderá ser realizada no âmbito da Comissão de Constituição, Justiça e Redação, regimentalmente competente para verificar a constitucionalidade e a legalidade das proposições em tramitação na Câmara de Vereadores. Como já se esclareceu em outros pareceres jurídicos, a prerrogativa conferida ao Presidente pelo art. 105 do Regimento Interno só autoriza a devolução das proposições manifestamente inconstitucionais, não cabendo juízo de mera legalidade pelo titular do Poder Legislativo. Tal análise cabe, regimentalmente, à Comissão de Constituição, Justiça e Redação, haja vista que a formação do Poder Legislativo como órgão colegiado e democrático referenda a premissa de ser coletiva a apreciação final da constitucionalidade das proposições. É por esse motivo que a Procuradoria só emite parecer desfavorável, à luz do art. 105 do Regimento, quando a inconstitucionalidade for inquestionável, remetendo as demais proposições à análise das comissões mesmo quando exista dúvida ou falta de clareza sobre a viabilidade jurídica.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria, em conclusão, entende que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 156/22 está condicionada à instrução com estimativa do impacto orçamentário-financeiro para o exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, que comprove a compatibilidade com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e, pelo menos, uma das seguintes condições: a) prévia consideração da renúncia na receita da Lei Orçamentária Anual e não comprometimento das metas de resultados fiscais; b) existência de medidas de compensação por aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 18 de novembro de 2022.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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18/11/2022 17:15:18
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