PARECER JURÍDICO |
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"Cria o Programa Guaíba Luz Solar, que institui regras de incentivo fiscal para adoção de energia solar no âmbito do Município de Guaíba" 1. Relatório:O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 156/22 à Câmara Municipal, objetivando criar o Programa Guaíba Luz Solar, que institui regras de incentivo fiscal para adoção de energia solar no âmbito do Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise jurídica com fundamento no art. 105 do Regimento Interno. 2. Mérito:Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). 2.1 Da competência legislativa municipal A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios. No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (art. 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (art. 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (art. 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (arts. 24, § 2º, e 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (art. 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (art. 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios. Em relação à matéria de tributação, a CF/88 efetivamente estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Ocorre que o art. 30, inc. I e II, da CF/88 é claro ao garantir aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, bem como para suplementar, no que couber, a legislação federal e estadual. Nesses termos, a interpretação correta das regras constitucionais de distribuição de competências é a que veda aos Municípios a atividade legislativa somente sobre matérias que esbarrem na competência privativa do art. 22 da CF/88, atribuída rigorosamente à União, nada obstando, por outro lado, que legislem com base no interesse local sobre matérias de competência concorrente. Tanto é que, do contrário, não seria possível a criação dos típicos códigos sanitários municipais (“proteção e defesa da saúde” – art. 24, inc. XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – art. 24, inc. VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – art. 24, inc. I). Veja-se que, na jurisprudência, é acolhido o entendimento da competência legislativa suplementar complementar dos Municípios para legislarem sobre matérias versadas no art. 24 da CF/88, desde que no sentido de detalhar regras presentes na legislação federal e estadual, conferindo-lhes maior efetividade:
Portanto, consoante fundamentam as decisões acima transcritas, em que pese a matéria de tributação esteja presente no art. 24 da CF/88 como competência legislativa concorrente da União, do Distrito Federal e dos Estados, os Municípios, no estrito interesse local, podem legislar sobre o tema, atentando para não extrapolar o âmbito local e para não entrar em conflito com normas constitucionais ou infraconstitucionais. 2.2 Da iniciativa do processo legislativo Quanto à iniciativa legislativa, cumpre salientar que, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, cabe ao Município a responsabilidade pela consecução de sua legislação tributária, pertencendo ao Executivo, ao Legislativo e, também, à população, através de iniciativa popular, a deflagração das referidas proposições, por não haver restrição expressa à iniciativa para matéria tributária:
As matérias de iniciativa reservada são rol taxativo na CF/88 e nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, lecionando Hely Lopes Meirelles que:
As leis que dispõem sobre matéria tributária não se inserem dentre as de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, afirmando os tribunais que a iniciativa para deflagrar o processo legislativo acerca da matéria é concorrente:
A temática proposta também não dispõe sobre lei orçamentária, mas meramente sobre matéria tributária, possuindo viabilidade quanto à iniciativa:
Assim, verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador sobre a matéria tratada, porquanto, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva. 2.3 Do conteúdo do projeto de lei De acordo com a justificativa, o projeto pretende instituir um programa de incentivos fiscais aos contribuintes de IPTU que instalarem, em suas unidades habitacionais, comerciais ou industriais, sistemas de captação e de aproveitamento de energia solar, por Sistemas Fotovoltaicos Conectados à Rede Elétrica (SFVCR). Para tanto, propõe desconto anual de 20% do IPTU aos imóveis que contenham as referidas funcionalidades sustentáveis. Nesse sentido, a CF/88, no seu art. 225, caput, dispõe: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Do mesmo modo, o artigo 251, caput, da Constituição Estadual prevê: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido.” A jurisprudência dos tribunais estaduais já definiu a constitucionalidade de leis similares que instituíram políticas de incentivos fiscais em contrapartida a práticas sustentáveis como forma de motivar a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, reconhecendo a ausência de vícios formais e materiais:
Como se constata da leitura das ementas, não há reserva de iniciativa ao Chefe do Executivo na apresentação de projetos envolvendo matéria tributária, porque não estão compreendidos nas hipóteses restritas do art. 61, § 1º, da CF/88 e do art. 60 da CE/RS. Dessa forma e em termos gerais, a proposição em análise é válida, pois define a política de incentivo fiscal e estabelece os requisitos para a sua concessão, cabendo a regulamentação do detalhamento do pedido e de sua tramitação ao Chefe do Poder Executivo, por meio de decreto. Na presente situação, entretanto, embora não haja inconstitucionalidade no sentido formal ou material, não se demonstrou, até o momento, o cumprimento das disposições previstas no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00) quanto à ampliação da renúncia de receita, o que vem a prejudicar a proposição em termos de legalidade. Isso porque, ao criar um incentivo fiscal que implica a potencial redução de arrecadação do IPTU, o Município de Guaíba agrava a sua renúncia de receitas, exigindo-se, para tanto, a juntada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, com a demonstração do atendimento ao disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias e, ao menos, uma das seguintes condições: 1) comprovação de que essa renúncia foi considerada na Lei Orçamentária Anual – LOA e de que não afetará as metas de resultados fiscais; ou 2) demonstração de medidas de compensação, no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Eis a redação do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00), sobre as exigências financeiras para a concessão de benefícios fiscais:
Assim, conforme o caput e o § 1º do dispositivo, a concessão de incentivos fiscais configura renúncia de receita, só sendo juridicamente viável quando estiver acompanhada de demonstração de que foi devidamente planejada e estimada na Lei Orçamentária Anual, não afetando as metas de resultados fiscais, ou de que haverá compensação mediante aumento de receitas por outras fontes, além da necessária previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Tal complementação é necessária à total viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 156/2022, visto que ausente o impacto orçamentário-financeiro na proposta. A propósito do assunto, leia-se a Súmula Administrativa nº 1 da Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba: “Os projetos de lei que visem conceder ou ampliar benefícios de natureza tributária, tais como isenções, anistias e remissões sobre tributos municipais, além dos demais constantes no § 1º do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, são da competência legislativa municipal e de iniciativa concorrente, demandando, contudo, a instrução com estimativa do impacto orçamentário-financeiro para o exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, que comprove a compatibilidade com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e, ao menos, uma das seguintes condições: a) prévia consideração da renúncia na receita da lei orçamentária vigente e não comprometimento das metas de resultados fiscais; b) existência de medidas de compensação pelo aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.” (Enunciado aprovado em 3/12/2019, no Expediente de Súmula Administrativa nº 001/2019). Essa complementação documental, de toda forma, poderá ser realizada no âmbito da Comissão de Constituição, Justiça e Redação, regimentalmente competente para verificar a constitucionalidade e a legalidade das proposições em tramitação na Câmara de Vereadores. Como já se esclareceu em outros pareceres jurídicos, a prerrogativa conferida ao Presidente pelo art. 105 do Regimento Interno só autoriza a devolução das proposições manifestamente inconstitucionais, não cabendo juízo de mera legalidade pelo titular do Poder Legislativo. Tal análise cabe, regimentalmente, à Comissão de Constituição, Justiça e Redação, haja vista que a formação do Poder Legislativo como órgão colegiado e democrático referenda a premissa de ser coletiva a apreciação final da constitucionalidade das proposições. É por esse motivo que a Procuradoria só emite parecer desfavorável, à luz do art. 105 do Regimento, quando a inconstitucionalidade for inquestionável, remetendo as demais proposições à análise das comissões mesmo quando exista dúvida ou falta de clareza sobre a viabilidade jurídica. 3. Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria, em conclusão, entende que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 156/22 está condicionada à instrução com estimativa do impacto orçamentário-financeiro para o exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, que comprove a compatibilidade com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e, pelo menos, uma das seguintes condições: a) prévia consideração da renúncia na receita da Lei Orçamentária Anual e não comprometimento das metas de resultados fiscais; b) existência de medidas de compensação por aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 18 de novembro de 2022. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 18/11/2022 20:15:18 |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 18/11/2022 ás 20:15:06. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 91044376d01ad3d9158ed893a143e51d.
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