Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 078/2022
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 409/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Município de Guaíba a doar uma fração de terras à empresa Faci Service Fornecimento e Montagem Industrial LTDA e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 078/2022 à Câmara Municipal, que autoriza o Município de Guaíba a doar uma fração de terras à empresa Faci Service Fornecimento e Montagem Industrial LTDA e dá outras providências. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do RI.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA:

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. Mérito:

A norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

Verifica-se, também, estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da doação de próprios públicos e, sobre esse tema, dispõe a Lei Orgânica do Município de Guaíba:

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos;

Art. 92 Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços.

Como justificativa para a doação, o Poder Executivo alega, na exposição de motivos, que o ato resulta de concorrência pública aberta pelo Município para a entrega de nove imóveis municipais desafetados a investidores, que deverão cumprir encargos definidos pela municipalidade, no sentido de realizarem investimentos e retorno em empregos e arrecadação, de acordo com os parâmetros licitatórios. Uma das licitantes vencedoras da concorrência foi a empresa ora beneficiada, que receberá, conforme o art. 1º, os Lotes nº 1, 2 e 3 da Quadra C, com área total de 12.222,09m², matriculados sob os nºs 59.497, 59.498 e 59.499 no CRI de Guaíba e avaliados no valor total de R$ 2.205.376,20 (dois milhões, duzentos e cinco mil, trezentos e setenta e seis reais e vinte centavos).

Inicialmente, a CF/88, ao tratar de licitações, prevê, no seu art. 37, XXI, que “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. A Lei de Licitações (Lei Federal nº 8.666/93), por sua vez, dispõe:

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)

Nota-se, assim, que um dos principais motivos da licitação é possibilitar concretamente a obtenção da proposta mais vantajosa e econômica, de modo a atender ao interesse público e a efetivar, na prática, os princípios constitucionais administrativos.

Especificamente sobre as alienações de bens, prevê o inciso I do art. 17 da Lei nº 8.666/1993 que “A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas: quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:”.

Ou seja, para a alienação de bens da Administração Pública, devem ser cumpridos os seguintes requisitos: 1) existência de interesse público devidamente justificado; 2) avaliação prévia; 3) quando imóveis, autorização legislativa; 4) em regra, a licitação na modalidade concorrência. A licitação poderá ser dispensada nas causas previstas nas alíneas do inciso I do art. 17. Soma-se a esses requisitos o do art. 101 do Código Civil: “Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.” Em outras palavras, só estão sujeitos à alienação os bens de natureza dominical (que formam o patrimônio da Administração Pública e que não estejam destinados a uma finalidade pública específica).

Nessa linha, estão ausentes no Projeto de Lei do Executivo nº 078/2022 os laudos de avaliação dos bens a serem doados, que não podem ser dispensados sob motivo algum, já que toda e qualquer alienação de bens públicos – mesmo doações – pressupõe a apuração do seu valor de mercado. Quanto ao interesse público devidamente justificado, trata-se de matéria de mérito a ser analisada pelos Vereadores, que deverão ponderar sobre a existência de justificativa plausível para a doação dos bens públicos, ressaltando-se que, segundo o projeto, a transferência decorre de concorrência pública lançada pelo Município de Guaíba objetivando obter investimentos na Zona Especial de Desenvolvimento Econômico (ZEDE), cujos encargos assumidos pelas empresas vencedoras impulsionarão a economia local.

Por fim, ausentes também as matrículas dos imóveis registrados sob os nºs 59.497, 59.498 e 59.499 no CRI de Guaíba, essenciais para demonstrar aos Vereadores a cadeia dominial dos bens públicos e para averiguar se não há equívocos na descrição constante no art. 1º da proposição.

4. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria Jurídica conclui que a legalidade do Projeto de Lei do Executivo nº 078/2022 está condicionada à apresentação da avaliação prévia dos bens a serem doados (art. 17, I, da Lei nº 8.666/1993), pois toda e qualquer alienação de bens públicos – mesmo as doações – pressupõe a apuração do seu valor de mercado. Sobre o interesse público devidamente justificado, trata-se de matéria de mérito a ser avaliada pelos Vereadores, que deverão ponderar sobre a existência de justificativa plausível para as doações, em atenção à exposição de motivos.

Por fim, recomenda-se que a Comissão de Constituição, Justiça e Redação diligencie ao proponente para a juntada das matrículas dos imóveis (registrados sob os nºs 59.497, 59.498 e 59.499 no CRI de Guaíba) e de mais documentos referentes à concorrência pública, a fim de que o Vereadores possam ter recursos para avaliar o mérito das pretendidas doações, o que, no caso, se reveste como requisito de legalidade (interesse público devidamente justificado – art. 17, caput, da Lei nº 8.666/1993), daí advindo a importância de adequada instrução do projeto.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 17 de novembro de 2022.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilGUSTAVO DOBLER:02914216017
17/11/2022 16:20:29
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 17/11/2022 ás 16:18:52. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação bbe104bc3c5cf9bb22a14ef82b2d5de4.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 143877.