Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 068/2022
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 404/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 1.864, de 03 de maio de 2004, que Cria Função Gratificada para os cargos operacionais do Guaíbaprev e dá outras providências."

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 068/2022 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal nº 1.864, de 03 de maio de 2004, que Cria Função Gratificada para os cargos operacionais do Guaíbaprev e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno.

2. Mérito:

 2.1. Da competência e da iniciativa

 

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” Do mesmo modo, o art. 6º, I, da Lei Orgânica Municipal refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

O E. Supremo Tribunal Federal em seus julgados assevera que a Constituição Federal consagrou o Município como entidade federativa indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se nota na análise dos artigos 1º, 18, 29, 30 e 34, VII, c, todos da Constituição Federal. Nesse sentido, as competências legislativas do município caracterizam-se pelo princípio da predominância do interesse local, que, apesar de difícil conceituação, refere-se àqueles interesses que disserem respeito mais diretamente às suas necessidades imediatas, o que é o caso da propositura legislativa em análise.

Verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da organização do quadro de servidores do Poder Executivo Municipal, o que compete ao Prefeito Municipal, nos termos da alínea “a” do inciso II do §1o do art. 61 da Constituição Federal, reproduzido por simetria, por ser norma de reprodução obrigatória, pelo artigo 119, inc. I, da Lei Orgânica Municipal:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

 2.2. Do conteúdo do projeto de lei

A respeito do aspecto material da proposição, busca-se a criação de funções gratificadas no âmbito do Poder Executivo do Município de Guaíba, tratando-se de cargos de livre nomeação e exoneração, conforme preveem o art. 37, inc. II, da CF/88 e o art. 32, caput, da Constituição Estadual.

As principais alterações identificadas em relação à vigente Lei Municipal nº 1.864/2022 são as seguintes:

- criação e aumento no número de Funções Gratificadas, em total de 2 funções: Coordenador de Recursos Humanos e Coordenador da Compensação Previdenciária;

- alteração da sistemática de pagamento das funções gratificadas.

Em respeito aos ditames constitucionais referentes à administração pública, faz-se necessário que as atribuições estejam de acordo com o trinômio direção, chefia e assessoramento, estabelecido pela norma constante do art. 37, II a V, da Constituição Federal e os artigos 20, §º 4º e 32, caput da CERS.

Deve-se considerar ainda que as funções gratificadas criadas devem possuir correspondência com a estrutura administrativa do GuaibaPrev[1].

No que diz respeito, especificamente, às funções de Coordenação, necessário que estejam afastadas atribuições de cunho técnico burocrático, de caráter contínuo, tendo em vista que estas devem ser realizadas por cargo de provimento efetivo, conforme o disposto no art. 37, II da CF e art. 20, § 4º da CERS.

 Portanto, quanto aos cargos de coordenação, deve ficar claro que os cargos de Coordenador somente poderão coordenar e não realizar as atividades permanentes de cunho técnico administrativo. Os cargos de coordenador assemelham-se aos de chefia e, deste modo, deverão respeitar o mandamento constitucional previsto no art. 37, II e V, da CF. As atribuições, nesse caso, não poderão conflitar e tampouco apropriarem-se daquelas atribuições típicas de servidores efetivos, nem aos cargos de chefia já existentes.

No que se refere ao padrão remuneratório dos cargos públicos, consoante o disposto no art. 39, §1º, da Constituição, devem ser ponderados os requisitos constitucionais para a fixação da sistemática remuneratória, como a natureza, o grau de responsabilidade, a complexidade do emprego, os requisitos de investidura e as peculiaridades do cargo.

Constata-se que, nos termos do art. 22, II, da Lei Municipal nº 2.048/2006, o Conselho de Administração, órgão deliberativo da Autarquia, aprovou as alterações da estrutura técnico-administrativa, consoante atas em anexo.

Desse modo, a organização do quadro de cargos públicos é matéria de conveniência e oportunidade do Poder Executivo Municipal, nos termos do art. 52, inc. XI, e 119, inciso I, da Lei Orgânica Municipal, nesse caso após deliberação do Conselho de Administração da Autarquia, competindo ao soberano Plenário, no presente caso, decidir pela aprovação, ou não, da criação dos cargos em questão.

Quanto à alteração na sistemática de pagamentos das funções gratificadas, esta vai ao encontro da orientação do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul no Ofício Circular nº 025/2019, encaminhado a todos os jurisdicionados em 24/06/2019, oriundo do julgamento pelo Pleno do TCERS do Processo nº 1720-02.00/15-6[2]:

“... decide manter o procedimento atualmente adotado por esta Corte, que após expressa determinação, passou a desconsiderar da base de cálculo para o cálculo de acréscimos ulteriores toda e qualquer vantagem que o servidor faça jus, inclusive a Função Gratificada. Decide, ainda, também nos termos do voto de desempate proferido pelo Conselheiro Marco Peixoto, na condição de Presidente, que anuiu ao voto do Conselheiro Cezar Miola, o qual foi também acompanhado pelos Conselheiros Estilac Xavier e Iradir Pietroski, aplicar o posicionamento ora esposado como orientação desta Casa na Seara afeta ao controle externo por ela exercido”.

A propositura em apreço com efeito alcançará os efeitos pretendidos pelo Conselho Fiscal, para que não haja o indevido “efeito cascata”. Ressaltamos que foi esta a solução do Município de Porto Alegre efetivada pela Lei Complementar nº 768, de 2015[3], adequando as normas relativas à composição remuneratória dos funcionários e ajustando-se aos ditames da norma constitucional que veda o “efeito repicão” ou “efeito cascata”, assim como resguardando a irredutibilidade remuneratória dos servidores. A mesma adequação foi promovida ainda pelo PREVIMPA pela Lei nº 11.922/2015. A Prefeitura Municipal de Porto Alegre elaborou inclusive um Guia esclarecendo as alterações promovidas naquele ente: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sma/usu_doc/guia-efeito_cascata.pdf.

Em suma, o PLE nº 068/2022 também promove a adequação na base de cálculo na percepção dos regimes especiais de trabalho, em observância ao entendimento dos tribunais de que a alteração empreendida pela E.C. nº 19/98 ao ART. 37, XIV, da Constituição Federal teve o escopo de instituir, de forma clara, a regra de que, na remuneração dos servidores públicos, há de prevalecer a transparência e a moralidade, ficando vedado que, por efeito da incidência em repicão, as vantagens pessoais e as gratificações de função incidam sobre outra base de cálculo que não a do vencimento básico do cargo -  Exegese do Supremo Tribunal Federal adotada, em repercussão geral, no RE nº 563.708, julgado em 06/02/2013.

 2.3. Do cumprimento das exigências orçamentário-financeiras

 

Além do atendimento da competência e da iniciativa, o projeto para a criação de cargos ou funções públicas deve demonstrar o cumprimento de requisitos de natureza orçamentária, previstos no artigo 169, § 1º, da CF/88 e dos artigos 17, 20 e 22 da LRF.

Prevê o artigo 169, caput e § 1º, da CF/88:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: (Renumerado do parágrafo único, pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Verificou-se na proposição a devida estimativa de impacto orçamentário e financeiro comprovando que há recursos suficientes para o atendimento da despesa. Assim, a ausência da estimativa do impacto orçamentário e financeiro permite que esteja contemplada a previsão da classificação orçamentária por onde correrá a despesa, bem como a declaração de que há previsão da despesa no orçamento e na programação financeira e a demonstração do impacto no exercício corrente e nos dois posteriores, indicação dos percentuais de despesa e declaração de compatibilidade com as metas fiscais. Na Lei de Responsabilidade Fiscal, preceituam os artigos 15 e 16, inc. I e II:

Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.

Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:

I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes;

II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

Preceitua, também, o artigo 17 da LC nº 101/00:

Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.

§ 1º Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.

§ 2º Para efeito do atendimento do § 1º, o ato será acompanhado de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no § 1º do art. 4º, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa.

§ 3º Para efeito do § 2º, considera-se aumento permanente de receita o proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 4º A comprovação referida no § 2º, apresentada pelo proponente, conterá as premissas e metodologia de cálculo utilizadas, sem prejuízo do exame de compatibilidade da despesa com as demais normas do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias.

§ 5º A despesa de que trata este artigo não será executada antes da implementação das medidas referidas no § 2º, as quais integrarão o instrumento que a criar ou aumentar.

§ 6º O disposto no § 1º não se aplica às despesas destinadas ao serviço da dívida nem ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da Constituição.

§ 7º Considera-se aumento de despesa a prorrogação daquela criada por prazo determinado.

Assim, constata-se que foi apresentada a estimativa de impacto orçamentário e financeiro com a demonstração da origem dos recursos para o seu custeio. Ainda, o documento permite demonstrar a compatibilidade com as metas de resultados fiscais.

No sentido da necessidade de demonstração das premissas e da metodologia de cálculo utilizada, veja-se o acórdão nº 883/2005 do TCU:

Quando houver criação, expansão, aperfeiçoamento de ações governamentais (estaduais ou municipais) que resultem no aumento de despesa, estas só podem ser instituídas se atendidos os seguintes requisitos:

[...]

4) parâmetros (premissas) e metodologia de cálculo utilizada para estimativas de gastos com cada criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental. Este documento deve ser claro, motivado e explicativo, de modo a evidenciar de forma realista as previsões de custo e seja confiável, ficando sujeito à avaliação dos resultados pelo controle interno e externo. Esses elementos devem acompanhar a proposta de criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação de governo quando for necessária a aprovação legislativa. As regras se aplicam a todos os poderes e órgãos constitucionais. Sem o atendimento a essas exigências sequer poderá ser iniciado o processo licitatório (§ 4º do art. 16) para contratação de obras, serviços e fornecimentos relacionados ao implemento da ação governamental.

Portanto, tem-se por cumpridas as exigências de caráter financeiro para a aprovação do Projeto de Lei do Executivo nº 068/2022.

Orienta-se ainda, nos termos do parecer do IGAM, pela exclusão do termo “cargos operacionais” disposto na ementa e no art. 1º do PL.

[1] Ver, p. ex., o Processo CONTAS DE GESTÃO Número 001271-02.00/13-0 Exercício 2013 Anexos 000000-00.00/00-0 Data 08/10/2015 Publicação 23/10/2015 Boletim 1452/2015 Órgão Julg. SEGUNDA CÂMARA Relator CONS. ALEXANDRE MARIOTTI Gabinete ESTILAC XAVIER Origem EXECUTIVO MUNICIPAL DE COLINAS

[2] https://atosoficiais.com.br/tcers/oficio-circular-da-dcf-n-25-2019-decisao-n-ad-0005-2019-processo-de-pedido-de-orientacao-tecnica-n-1720-0200-15-6

[3] https://www.camarapoa.rs.gov.br/noticias/projeto-do-executivo-trata-do-efeito-cascata-em-salario-dos-municiparios

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, desde que atendidas as recomendações constantes deste parecer, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 068/2022, de autoria do Poder Executivo Municipal.

 É o parecer.

 

Guaíba, 16 de novembro de 2022.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral da Câmara Municipal de Guaíba

OAB/RS nº 107.136

 

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17/11/2022 11:14:30
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