PARECER JURÍDICO |
|||||||||||||||
"Dispõe sobre a inclusão do Dia 1º de Maio, Dia do Trabalhador, no Calendário Oficial de Eventos do Município, e dá outras providências" 1. Relatório:O Vereador João Caldas apresentou o Projeto de Lei nº 146/2022 à Câmara Municipal, que dispõe sobre a inclusão do Dia 1º de Maio, Dia do Trabalhador, no calendário oficial de eventos do Município de Guaíba. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno. 2. Mérito:De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). O artigo 18 da CF/88, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política” congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A ação que se pretende instituir no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local e na competência municipal, visto que o Projeto de Lei do Legislativo nº 146/2022 busca inserir o Dia do Trabalhador no calendário oficial de eventos, incentivando a realização de atividades e eventos em alusão à data neste Município. No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que limitam o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:
Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:
A iniciativa para a deflagração do processo legislativo está inadequada, porquanto, além de incluir a data no calendário oficial de eventos (projeto de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo), a proposição “autoriza” o Poder Público a realizar comemorações, eventos e atividades alusivas ao Dia do Trabalhador, o que é manifestamente inconstitucional por configurar-se como “lei autorizativa”, cuja invalidade é reconhecida de plano pelos tribunais. Ou seja, em relação ao registro da data comemorativa no calendário oficial de eventos, ocorre violação à reserva de iniciativa do Chefe do Executivo para deflagrar o processo legislativo. Isso porque o calendário oficial de eventos municipais é instituído por lei municipal de iniciativa do Prefeito, por se tratar de matéria atinente à organização administrativa, nos exatos termos do artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, aplicável por simetria aos Estados e Municípios, devido à sua natureza de norma constitucional de reprodução obrigatória:
Já quanto ao art. 2º, institui-se uma autorização para que o Poder Executivo realize atividades de comemoração e conscientização no Dia do Trabalhador, o que é inconstitucional por caracterizar-se como lei autorizativa. As disposições de natureza meramente autorizativa têm por finalidade contornar a limitação constitucional da iniciativa para evitar a configuração de inconstitucionalidade, o que, contudo, não tem esse efeito. No âmbito da CCJ da Câmara dos Deputados, é corrente o entendimento de que projetos de lei com disposições autorizativas são inconstitucionais, tendo sido editada, em 1994, a Súmula de Jurisprudência nº 1: “Projeto de lei, de autoria de Deputado ou Senador, que autoriza o Poder Executivo a tomar determinada providência, que é de sua competência exclusiva, é inconstitucional.” Além do mais, é preciso destacar a falta de juridicidade nos projetos de lei simplesmente autorizativos. Para melhor esclarecer essa questão, registra-se a lição de Miguel Reale (Lições Preliminares de Direito, 27. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 163):
Ou seja, a lei é, necessariamente, um instrumento de constituição de direitos ou de obrigações, sendo incompatível com a sua natureza a positivação de meras faculdades ou possibilidades, que acabam não tendo qualquer juridicidade. A lei, enquanto norma genérica, abstrata, imperativa e coercitiva, não admite simples concessões. Assim, os arts. 1º e 2º são formalmente inconstitucionais por violação à regra de iniciativa da proposição, que, nos termos do art. 61, § 1º, II, “b”, da CF/88 e do art. 60, II, “d”, da CE/RS, é privativa do Chefe do Poder Executivo. 3. Conclusão:Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposta em epígrafe (PLL nº 146/2022), pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, II, “b”, da CF/88; art. 60, II, “d”; e art. 82, VII, ambos da CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º, CF/88; art. 5º, CE/RS), bem como afronta ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 09 de novembro de 2022.
GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:GUSTAVO DOBLER:02914216017 09/11/2022 14:19:58 |
|||||||||||||||
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 09/11/2022 ás 14:19:41. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 8be6759f2d342f59a50812aac83a1d05.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 142944. |