PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a prevenção e conscientização dos riscos e consequências relacionados ao aborto." 1. Relatório:A Vereadora Carla Vargas apresentou o Projeto de Lei nº 134/2022 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a prevenção e conscientização dos riscos e consequências relacionados ao aborto. A proposta foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno. A proposição foi devolvida pelo Presidente da Câmara, ante a sua inconstitucionalidade. A proponente apresentou substitutivo, que retornou à Procuradoria para análise. 2. Mérito:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na CF/88 para os Municípios, é tratada no art. 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A política que se pretende instituir no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque a matéria veiculada na proposta é de responsabilidade comum de todos os entes federados, não sendo uma competência privativa da União (artigo 22 da CF/88), além do que as medidas propostas têm repercussão municipal, restringindo-se ao território do Município de Guaíba. Quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que a finalidade primordial do Projeto de Lei nº 134/2022 é conscientizar as mulheres acerca dos riscos e consequências do aborto, medida que encontra amparo na legislação, até mesmo porque, para além dos riscos, como regra geral, o aborto é crime no Brasil (arts. 124 a 126 do Código Penal), devendo ser estimulada a informação sobre as suas consequências. Conforme dispõe o art. 2º da Lei Maria da Penha, “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.” No que concerne à iniciativa para o processo legislativo, para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
À luz da interpretação das normas jurídicas, é clássica a lição de que as exceções devem ser interpretadas restritivamente. Ou seja, quando a norma jurídica excepciona uma regra geral, fixando requisitos que limitam o exercício de uma prerrogativa, não se pode adotar a técnica da interpretação ampliativa para atingir casos não previstos pela norma. O rol de iniciativas privativas do Chefe do Executivo, portanto, é estrito e não admite interpretação ampliativa; do contrário, ocorreria subversão do esquema organizatório funcional estabelecido na CF, base do princípio da conformidade funcional, que rege a interpretação constitucional. Em palavras simples, o intérprete não pode chegar a uma conclusão que altere “a repartição de funções constitucionalmente estabelecidas pelo constituinte originário, como é o caso da separação de poderes” (LENZA, 2011, p. 148). Inclusive, o Supremo Tribunal Federal fez história ao julgar o Recurso Extraordinário com Agravo nº 878.911/RJ, reconhecendo repercussão geral no tema nº 917: “Competência para iniciativa de lei municipal que preveja a obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em escolas públicas municipais e cercanias”. No acórdão, o STF registrou que as hipóteses de restrição previstas no artigo 61, § 1º, da CF – e, portanto, as correspondentes nas Constituições Estaduais – são taxativas, não admitindo interpretação extensiva por consistirem em normas de exceção ao poder de iniciativa:
O entendimento recente do Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pela guarda da Constituição (artigo 102, caput, CF), sem dúvidas ecoa por todos os tribunais brasileiros, especialmente porque manifestado em julgamento de recurso constitucional extraordinário, com o reconhecimento da repercussão geral (existência de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassa os interesses subjetivos do processo – artigo 1.035, § 1º, NCPC). Na situação, verifica-se que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador sobre a matéria tratada, uma vez que, com base nos fundamentos expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva. Portanto, da análise do substitutivo ao Projeto de Lei nº 134/2022 em cotejo com a justificativa apresentada, considerando a existência de interesse predominantemente local, entende-se inexistir óbice constitucional ou legal para a tramitação da proposta, sobretudo por envolver matéria de iniciativa concorrente, na forma da jurisprudência do STF. 3. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do substitutivo ao Projeto de Lei do Legislativo nº 134/2022, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário. Guaíba, 27 de outubro de 2022. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 27/10/2022 19:55:34 |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 27/10/2022 ás 19:55:20. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 31229cc466a54d0c73fd4bd2fbea7cd2.
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