Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 138/2022
PROPONENTE : Ver. Florindo Motorista
     
PARECER : Nº 366/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a isenção das taxas de concursos públicos para as doadoras de leite materno no Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Projeto de Lei n.º 138/2022, de autoria do Vereador Florindo Motorista (PP), que “Dispõe sobre a isenção das taxas de concursos públicos para as doadoras de leite materno no Município de Guaíba”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.

2. Mérito:

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, §1º) - parlamento em que o controle vem sendo exercido, e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A auto-organização dos Municípios está disciplinada, originariamente, no artigo 29, caput, da Constituição Federal, que prevê: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos”

O autogoverno se expressa na existência de representantes próprios dos Poderes Executivo e Legislativo em âmbito municipal – Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores –, que são eleitos diretamente pelo povo. A autoadministração e a autolegislação contemplam o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal.

A respeito da autoadministração e da autolegislação, transcreve-se o artigo 30 da Constituição Federal, que enumera as competências materiais e legislativas dos Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

(...)

Veja-se que, entre as competências legislativas dos Municípios, encontra-se o poder de legislar sobre assuntos de interesse local e de suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Tal função legiferante deve ser exercida nos termos e nos limites da Constituição Federal, visando a estabelecer normas específicas, de acordo com a conjuntura municipal, e a complementar a legislação já existente em âmbito federal e estadual para adequar a aplicação na esfera local.

Assim, não há dúvidas de que ao Município se conferem diversas possibilidades no que diz respeito à atividade legislativa, estando este legitimado a legislar sobre assuntos diversos de interesse local e a suplementar a legislação federal e estadual no que couber, desde que a matéria não adentre o rol de competências privativas da União (CF, artigo 22) e não esbarre nos casos de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.

No caso em tela, cabe referir que a Lei Orgânica do Município de Guaíba, no artigo 119, não faz reserva alguma de iniciativa ao Poder Executivo quanto à matéria aqui tratada, qual seja, a criação de isenção da taxa de inscrição em concursos públicos municipais para as pessoas doadoras regulares de sangue, presumindo-se, portanto, tratar-se de iniciativa comum, na forma do artigo 38, in verbis: “A iniciativa das Leis Municipais, salvo nos casos de competência exclusiva, cabe a qualquer Vereador, Comissão Permanente da Câmara, ao Prefeito ou ao eleitorado.”

Igualmente, quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, a matéria não se insere no rol taxativo das matérias vedadas pelo art. 61 § 1º da Constituição Federal ou pelo art. 60 da CERS:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

  Nessa lógica, é consagrada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de que o rol de matérias de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo é taxativo:

Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. (ADI 3.394, rel. min. Eros Grau, j. 2-4-2007, P, DJE de 15-8-2008.)

Ainda em relação à matéria correlata ao objeto da proposição, firmou a Suprema Corte, no julgamento da ADI 2.672/ES, o entendimento que a competência é concorrente para legislar sobre isenção do pagamento de taxa de inscrição de concurso:

O diploma normativo em causa, que estabelece isenção do pagamento de taxa de concurso público, não versa sobre matéria relativa a servidores públicos (§ 1º do art. 61 da CF/1988). Dispõe, isso sim, sobre condição para se chegar à investidura em cargo público, que é um momento anterior ao da caracterização do candidato como servidor público. Inconstitucionalidade formal não configurada. (...) (ADI 2.672, rel. p/ o ac. min. Ayres Britto, j. 22-6-2006, P, DJ de 10-11-2006.)

Entendimento no mesmo sentido foi proferido recentemente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da ADI Nº 2270886-79.2018.8.26.0000, em 05/06/2019. No referido acórdão, o Tribunal defendeu a constitucionalidade da Lei Municipal n. 13.053/18, que previu a concessão de isenção da taxa de inscrição em concursos públicos municipais aos doadores de sangue e medula óssea.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA PELO EXECUTIVO MUNICIPAL EM FACE DA LEI Nº 13.053 DE 30 DE NOVEMBRO DE 2018, DE INICIATIVA PARLAMENTAR, A QUAL DISPÕE “SOBRE A ISENÇÃO DE PAGAMENTO DE TAXAS DE INSCRIÇÃO DOS CONCURSOS PÚBLICOS MUNICIPAIS AOS DOADORES DE SANGUE E/OU MEDULA ÓSSEA”. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA COM FUNDAMENTO NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART.159 DACONSTITUIÇÃO BANDEIRANTE. DESCABIMENTO. “TAXA” PREVISTA NA LEI IMPUGNADA QUE DIFERE DE PREÇO PÚBLICO. MATÉRIA REFERENTE A RECEITA PÚBLICA INSERIDA NA EXPRESSÃO “OUTROS INGRESSOS” CONTIDA NO ART. 159 DA CONSTITUIÇÃO BANDEIRANTE. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 24 DA CONSTITUIÇÃO PAULISTA. VÍCIO DEINICIATIVA NÃO CONFIGURADO. (TJ-SP-ADI:2270886-79.2018.8.26.0000, Relator: Cristina Zucchi, Data de Julgamento: 05/06/2019, Órgão Especial, Data de Publicação: 06/06/2019.)

Portanto, no que diz respeito à competência e à iniciativa, inexiste qualquer vício ou mácula a impedir a regular tramitação do Projeto de Lei nº 138/2022. Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta, pois a prática de doação de leite materno é medida necessária para a adequada prestação dos serviços estatais de saúde, escorada nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e também da solidariedade. A isenção outorgada aos doadores de leite materno mostra-se, portanto, adequada e proporcional ao fim almejado.

Não obstante, é necessária a correção da cláusula de vigência para que esteja de acordo com a Lei Complementar nº 95/1998, nos seguintes termos:

“Art.3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

3. Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 138/2022, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, observada a correção do art. 3º.

É o parecer.

Guaíba, 27 de outubro de 2022.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

 

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27/10/2022 13:07:54
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