PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a proibição de homenagens a escravocratas, nazistas e/ou eugenistas e eventos históricos ligados ao período escravista que legitimaram a escravidão, nazismo e/ou a prática eugenista com a denominação de logradouros públicos, rodovias, prédios municipais e locais públicos em geral, no âmbito da Administração Municipal direta e indireta." 1. Relatório:O Vereador Manoel Eletricista (PSDB) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 112/2022, o qual “Dispõe sobre a proibição de homenagens a escravocratas, nazistas e/ou eugenistas e eventos históricos ligados ao período escravista que legitimaram a escravidão, nazismo e/ou a prática eugenista com a denominação de logradouros públicos, rodovias, prédios municipais e locais públicos em geral, no âmbito da Administração Municipal direta e indireta”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. O proponente apresentou substitutivo, encaminhado à Procuradoria para análise jurídica. 2. Mérito:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos: Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. A propositura legislativa em análise se insere, efetivamente, na definição de interesse local, na medida em que tratam de regras para a denominação de vias públicas do Município de Guaíba, o que diz respeito, especificamente, à realidade local, na forma do art. 30, inciso I, da CF/88. Portanto, quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.” Verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o Projeto, sem adentrar em matéria típica de organização administrativa do Poder Executivo, para o que a iniciativa é concorrente, na forma do artigo 61 da CF/88 e do artigo 59 da CE/RS, aplicáveis por simetria aos Municípios. Nesse sentido, consagra o art. 38 da Lei Orgânica Municipal: “A iniciativa das Leis Municipais, salvo nos casos de competência exclusiva, cabe a qualquer Vereador, Comissão Permanente na Câmara, ao Prefeito ou ao eleitorado.” O Plenário do E. Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 1151237/SP, referendou a constitucionalidade da iniciativa concorrente acerca da matéria, restando o Acórdão assim ementado: Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. COMPETÊNCIA PARA DENOMINAÇÃO DE PRÓPRIOS, VIAS E LOGRADOUROS PÚBLICOS E SUAS ALTERAÇÕES. COABITAÇÃO NORMATIVA ENTRE OS PODERES EXECUTIVO (DECRETO) E O LEGISLATIVO (LEI FORMAL), CADA QUAL NO ÂMBITO DE SUAS ATRIBUIÇÕES. ... Fixada a seguinte tese de Repercussão Geral: "É comum aos poderes Executivo (decreto) e Legislativo (lei formal) a competência destinada a denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações, cada qual no âmbito de suas atribuições". RE 1151237/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 3/10/2019 (Info 954) Em relação ao conteúdo, a proposta pretende estabelecer disposições no sentido de proibir denominações: 1) de defensores da ordem escravista, nazista e eugenista; e 2) de autores do racismo científico ou pensadores que defendem ou legitimaram a escravidão, o nazismo e movimento eugenista. Quanto ao art. 4º, §§ 1º e 2º do projeto original, as disposições que estabelecem a criação de comissão composta pelo Poder Legislativo e pela sociedade civil acabam por esbarrar na iniciativa privativa da Mesa Diretora para tratar sobre a matéria, com fundamento no que estabelece o art. 51 c/c o art. 63, inciso II, da Constituição Federal – CF: Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados: [...] IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; [...] Art. 63. Não será admitido aumento da despesa prevista: [...] II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público. De acordo com o artigo 112, caput, do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Guaíba, “Projeto de Resolução é a proposição referente a assuntos de economia interna da Câmara Municipal.” O parágrafo único, por sua vez, refere que é objeto de resolução “a organização dos serviços administrativos da Câmara Municipal.” Ocorre que, quanto às previsões do projeto original, a Mesa Diretora como o órgão diretivo do Legislativo Municipal é responsável pela organização administrativa e, inclusive, pela ordenação das despesas de interesse interno, cabendo-lhe a iniciativa para deflagrar o processo legislativo que disponha sobre essa matéria, consoante as regras do processo legislativo – norma de matriz constitucional. Considerando que o artigo 59 da CF/88 traz, no inc. VII, a resolução como uma das espécies legislativas, e diante do entendimento do STF acima transcrito, importante trazer, como referência de simetria, o previsto no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (artigo 15, inc. XVII): Art. 15. À Mesa compete, dentre outras atribuições estabelecidas em lei, neste Regimento ou por resolução da Câmara, ou delas implicitamente resultantes: [...] XVII - propor, privativamente, à Câmara projeto de resolução dispondo sobre sua organização, funcionamento, polícia, regime jurídico do pessoal, criação, transformação ou extinção de cargos, empregos e funções e fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; Compreende-se, diante deste contexto jurídico-normativo, que em âmbito federal compete à Mesa Diretora a proposição de projeto envolvendo questões essencialmente administrativas (“organização e funcionamento”), o que, por simetria, é aplicável ao caso, diante da mesma natureza das funções exercidas pela Câmara Municipal. Portanto, correta a apresentação de Substitutivo pelo proponente, visto que os §§ 1º e 2º do art. 4º do PLL nº 112/2022 invadiam a iniciativa privativa da Mesa Diretora, tendo sido corretamente suprimidos. Quanto à matéria de fundo, a Constituição Federal prevê ser objetivo fundamental do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; e, até em suas relações internacionais, terá a pauta axiológica do repúdio ao terrorismo e ao racismo. Nota-se que o racismo, a tortura e a constituição de grupos armados são tratados como imprescritíveis pela norma constitucional: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...) VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; (...) Art. 5º ................................ (...) XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; Diante desses postulados constitucionais, a propositura legislativa em análise é materialmente constitucional, havendo compatibilidade com os Princípios, Direitos e Garantias Previstos no art. 5º da Constituição Federal. 3. Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Substitutivo ao Projeto de Lei do Legislativo nº 112/2022, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário. É o parecer. Guaíba, 27 de outubro de 2022.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS 107.136 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 27/10/2022 12:36:21 |
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Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 27/10/2022 ás 12:35:33. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 836b2866d5bec29f3077efdaff48b065.
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