Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 062/2022
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 319/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui a Escola Municipal de Gestão Pública e dá outras providências."

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 062/2022 à Câmara Municipal, proposição a qual “Institui a Escola Municipal de Gestão Pública e dá outras providências”. O projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico, nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. mérito:

Primeiramente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da criação de órgão da administração pública e da organização administrativa e serviços públicos e envolve ainda o aumento de gastos com pessoal, os quais competem ao Chefe do Poder Executivo, nos termos do artigo 61, § 1º, inc. II, alínea “a”, da CF/88, do artigo 60, inc. II, alínea “a”, da CE/RS e do artigo 119, inc. II, da Lei Orgânica Municipal:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Desse modo, tais matérias são de conveniência e oportunidade do Poder Executivo Municipal, nos termos do art. 52, e 119, ambos da Lei Orgânica Municipal, competindo ao soberano Plenário, no presente caso, decidir pela aprovação da instituição da gratificação em questão.

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, II, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

Com efeito, a Constituição Federal traz em seu artigo 39, § 2º, traz mandamento constitucional para que a administração pública mantenha escolas de governo para o aperfeiçoamento e a formação dos servidores públicos:

 

Art. 39...

2º A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados.

Nesse sentido, a Nova Lei de Licitações e Contratos - Lei nº 14.133/2021, prevê que os agentes públicos que desempenhe funções relacionadas às contratações públicas tenham qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público:

 

Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos: I - sejam, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública;

II - tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público;

Apenas a título de reflexão, recomenda-se nova análise do teor do art. 3º, § 3º, tendo em vista que poderá haver cursos com vagas destinadas especificamente ao público externo e não voltados aos servidores.

Quanto á gratificação proposta, gratificações podem ser definidas “como sendo vantagens de ordem financeira, precária, atribuídas ao servidor público que presta serviços comuns da função em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade ou são concedidas em face de certos encargos pessoais. Essas gratificações não são liberalidade da Administração Pública, mas sim são atribuições dada aos servidores por interesses recíprocos: primeiro da administração em ter os serviços extras do servidor e este em receber pelos serviços prestados. São vantagens pecuniárias transitórias que não se incorporam automaticamente no vencimento do servidor e nem estabelece direito subjetivo à sua percepção contínua, mas em razão somente das circunstâncias peculiares impostas pelos interesses mútuos.”[1].

Por sua vez, o TCE-MT estabelece que “é possível à Administração Pública instituir gratificações especiais para recompensar os seus servidores efetivos que exerçam atribuições excepcionais, eventuais e transitórias, passíveis de serem acumuladas com aquelas ordinárias e inerentes aos cargos públicos que ocupam”.

Quanto às gratificações, observe-se a lição de Hely Lopes Meirelles:

(…) são vantagens pecuniárias atribuídas precariamente aos servidores que estão prestando serviços comuns da função em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço), ou concedida como ajuda aos servidores que reúnam as condições pessoais que a lei especifica (gratificações especiais). As gratificações – de serviços ou pessoais – não são liberalidades puras da Administração; são vantagens pecuniárias concedidas por recíproco interesse do serviço e do servidor, mas sempre vantagens transitórias, que não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem geram direito subjetivo à continuidade de sua percepção.(...) Gratificação de serviço (propter laborem) é aquela que a Administração institui para recompensar riscos ou ônus decorrentes de trabalho normais executados em condições anormais de perigo ou de encargos para o servidor, tais como os serviços realizados com risco a vida e saúde ou prestados fora do expediente, da sede ou das atribuições ordinárias do cargo. O que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor. Nessa categoria de gratificações entram, dentre outras, as que a Administração paga pelos trabalhos realizados com risco de vida e saúde; pelos serviços extraordinários; pelo exercício do Magistério; pela representação de gabinete; pelo exercício em determinadas zonas ou locais; pela execução de trabalho técnico ou científico não decorrente do cargo; pela participação em banca examinadora ou comissão de estudo ou de concurso; pela transferência de sede (ajuda de custo); pela prestação de serviços fora da sede (diárias). Essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro lobore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento. Daí por que não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem são auferidas na disponibilidade e na aposentadoria (…).

Essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias ‘pro labore faciendo’ e ‘propter laborem’. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justifiquem, extingue-se a razão de seu pagamento. Daí porque não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem são auferidas na disponibilidade e na aposentadoria...’ (Direito Administrativo Brasileiro, 18ª edição, Malheiros Editores, pág. 411).

Segue a doutrina de Hely Lopes Meirelles quanto ao tema:

 “O que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é ser aquele uma recompensa ao tempo de serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor...”.

Com efeito, as gratificações mantêm relação com a especificidade da situação fática do exercício da função, o que se observa da análise da matéria proposta pelo Projeto de Lei do Executivo nº 062/2022, já que é possível identificar a situação fática efetiva ou os motivos especiais que justifiquem a pretendida gratificação, inclusive dentro das hipóteses elencadas pelo doutrinador Hely Lopes Meireles.

A doutrina é clara no sentido de que as vantagens pecuniárias sempre implicam a ocorrência de um “suporte fático específico para gerar o direito a sua percepção”. (Carvalho Filho, 2016), tendo a proposta elencado os requisitos para a percepção da gratificação.

Além do atendimento da competência e da iniciativa, o projeto que verse sobre a concessão de vantagens deve demonstrar o cumprimento de requisitos de ordem orçamentária, previstos no artigo 169, § 1º, da CF/88, e dos artigos 15, 16, 17, 20 e 22 da Lei de Responsabilidade Fiscal - Lei Complementar Federal nº 101/00.

Prevê o artigo 169, caput e § 1º, da CF/88:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: (Renumerado do parágrafo único, pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Na Lei de Responsabilidade Fiscal, preceituam os artigos 15 e 16, inc. I e II:

Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.

Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:

I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;

II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

    

Tais regras estão atendidas, visto que foi apresentada estimativa de impacto orçamentário-financeiro no projeto de lei, que contempla as informações necessárias. Ainda, dispõe o art. 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00):

Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.        (Vide ADI 6357)

§ 1º Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio. (Vide Lei Complementar nº 176, de 2020)

§ 2º Para efeito do atendimento do § 1o, o ato será acompanhado de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no § 1o do art. 4o, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa. (Vide Lei Complementar nº 176, de 2020)

§ 3º Para efeito do § 2o, considera-se aumento permanente de receita o proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. (Vide Lei Complementar nº 176, de 2020)

§ 4º A comprovação referida no § 2o, apresentada pelo proponente, conterá as premissas e metodologia de cálculo utilizadas, sem prejuízo do exame de compatibilidade da despesa com as demais normas do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias. (Vide Lei Complementar nº 176, de 2020)

§ 5º A despesa de que trata este artigo não será executada antes da implementação das medidas referidas no § 2o, as quais integrarão o instrumento que a criar ou aumentar. (Vide Lei Complementar nº 176, de 2020)

§ 6º O disposto no § 1o não se aplica às despesas destinadas ao serviço da dívida nem ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da Constituição.

§ 7º Considera-se aumento de despesa a prorrogação daquela criada por prazo determinado.

No sentido da necessidade de demonstração das premissas e da metodologia de cálculo utilizada, veja-se o acórdão nº 883/2005 do TCU:

Quando houver criação, expansão, aperfeiçoamento de ações governamentais (estaduais ou municipais) que resultem no aumento de despesa, estas só podem ser instituídas se atendidos os seguintes requisitos:

[...]

4) parâmetros (premissas) e metodologia de cálculo utilizada para estimativas de gastos com cada criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental. Este documento deve ser claro, motivado e explicativo, de modo a evidenciar de forma realista as previsões de custo e seja confiável, ficando sujeito à avaliação dos resultados pelo controle interno e externo. Esses elementos devem acompanhar a proposta de criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação de governo quando for necessária a aprovação legislativa. As regras se aplicam a todos os poderes e órgãos constitucionais. Sem o atendimento a essas exigências sequer poderá ser iniciado o processo licitatório (§ 4º do art. 16) para contratação de obras, serviços e fornecimentos relacionados ao implemento da ação governamental.

[1] Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, p. 523/524.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 062/2022, de autoria do Poder Executivo Municipal, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Recomenda-se que seja previsto no Projeto de Lei o número de membros da Comissão Gestora.

Faz-se necessária revisão do ponto de vista de técnica legislativa, renumerando o art. 17 para “art. 16”.

Apenas a título de reflexão, recomenda-se nova análise do teor do art. 3º, § 3º, tendo em vista que poderá haver cursos com vagas destinadas especificamente ao público externo e não voltados aos servidores.

                        É o parecer.

 

Guaíba, 21 de setembro de 2022.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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21/09/2022 18:02:43
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