Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 124/2022
PROPONENTE : Ver. Florindo Motorista
     
PARECER : Nº 311/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dá denominação para a Praça situada no Bairro Alvorada, na Rua Marcílio Dias"

1. Relatório:

O Vereador Florindo Motorista (PP) apresentou o Projeto de Lei nº 124/2022 à Câmara Municipal, o qual “Dá denominação para a Praça situada no Bairro Alvorada, na Rua Marcílio Dias”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

O Projeto de Lei do Legislativo nº 124/2022 se insere, efetivamente, na definição de interesse local, na medida em que apenas concede denominação a uma praça localizada no Bairro Alvorada. Quanto à matéria de fundo, percebe-se que a proposta não pretende promover autoridades ou servidores públicos (vedação do art. 37, § 1º, da CF/88), objetivando tão somente homenagear pessoa já falecida que teve relevância no Município de Guaíba, o que não caracteriza qualquer ilegalidade.

A Lei Orgânica de Guaíba prevê, no artigo 52, XVIII, competência privativa do Prefeito para oficializar as vias e logradouros públicos, respeitadas as normas urbanísticas aplicáveis, sendo que o sentido de “oficializar” é de dar sanção, tornar oficial. Ou seja, em momento algum a legislação municipal restringe a iniciativa dos membros do Legislativo para conceder denominação definitiva aos próprios públicos, aplicando-se, portanto, a iniciativa concorrente prevista no artigo 38 da Lei Orgânica Municipal.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que tanto o Prefeito quanto a Câmara Municipal têm competência normativa para a denominação de vias, logradouros e prédios públicos. Por maioria, ao declarar a constitucionalidade de dispositivo da Lei Orgânica do Município de Sorocaba/SP, foi assentada a existência de uma coabitação normativa entre os Poderes Executivos (por meio de decreto) e os Legislativos (por meio de lei) para o exercício dessa competência, cada qual no âmbito de suas atribuições. A decisão foi tomada no Recurso Extraordinário nº 1.151.237, que teve repercussão geral reconhecida na sessão de julgamento. Veja-se a ementa da decisão do Supremo Tribunal Federal, aplicável aos casos análogos devido à repercussão geral:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. COMPETÊNCIA PARA DENOMINAÇÃO DE PRÓPRIOS, VIAS E LOGRADOUROS PÚBLICOS E SUAS ALTERAÇÕES. COABITAÇÃO NORMATIVA ENTRE OS PODERES EXECUTIVO (DECRETO) E O LEGISLATIVO (LEI FORMAL), CADA QUAL NO ÂMBITO DE SUAS ATRIBUIÇÕES. 5. As competências legislativas do município caracterizam-se pelo princípio da predominância do interesse local, que, apesar de difícil conceituação, refere-se àqueles interesses que disserem respeito mais diretamente às suas necessidades imediatas. 6. A atividade legislativa municipal submete-se à Lei Orgânica dos municípios, à qual cabe o importante papel de definir, mesmo que exemplificativamente, as matérias de competência legislativa da Câmara, uma vez que a Constituição Federal (artigos 30 e 31) não as exaure, pois usa a expressão interesse local como catalisador dos assuntos de competência municipal. Essa função legislativa é exercida pela Câmara dos Vereadores, que é o órgão legislativo do município, em colaboração com o prefeito, a quem cabe também o poder de iniciativa das leis, assim como o poder de sancioná-las e promulgá-las, nos termos propostos como modelo, pelo processo legislativo federal. 7. A Lei Orgânica do Município de Sorocaba, ao estabelecer, em seu artigo 33, inciso XII, como matéria de interesse local, e, consequentemente, de competência legislativa municipal, a disciplina de denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações, representa legítimo exercício da competência legislativa municipal. Não há dúvida de que se trata de assunto predominantemente de interesse local (CF, art. 30, I). 8. Por outro lado, a norma em exame não incidiu em qualquer desrespeito à Separação de Poderes, pois a matéria referente à “denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações” não pode ser limitada tão somente à questão de “atos de gestão do Executivo”, pois, no exercício dessa competência, o Poder Legislativo local poderá realizar homenagens cívicas, bem como colaborar na concretização da memorização da história e da proteção do patrimônio cultural imaterial do Município. 9. Em nenhum momento, a Lei Orgânica Municipal afastou expressamente a iniciativa concorrente para propositura do projeto de lei sobre a matéria. Portanto, deve ser interpretada no sentido de não excluir a competência administrativa do Prefeito Municipal para a prática de atos de gestão referentes a matéria; mas, também, por estabelecer ao Poder Legislativo, no exercício de competência legislativa, baseada no princípio da predominância do interesse, a possibilidade de edição de leis para definir denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações. 10. Recurso Extraordinário provido, para declarar a constitucionalidade do art. 33, XII, da Lei Orgânica do Município de Sorocaba, concedendo-lhe interpretação conforme à Constituição Federal, no sentido da existência de uma coabitação normativa entre os Poderes Executivo (decreto) e o Legislativo (lei formal), para o exercício da competência destinada a “denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações”, cada qual no âmbito de suas atribuições. 11. Fixada a seguinte tese de Repercussão Geral: "É comum aos poderes Executivo (decreto) e Legislativo (lei formal) a competência destinada a denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações, cada qual no âmbito de suas atribuições".

Portanto, da análise do Projeto de Lei do Legislativo nº 124/2022 em cotejo com a justificativa apresentada, considerando a existência de coabitação normativa entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo para a denominação de bens públicos, entende-se inexistir óbice constitucional ou legal para a tramitação da proposta, sobretudo por envolver matéria de iniciativa concorrente, na forma da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 124/2022, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Não obstante, importante destacar que a proposta não atende ao determinado na Lei Municipal nº 1.036, de 23 de abril de 1991, que exige a apresentação de documento assinado por moradores do local concordando com a denominação.

É o parecer.

Guaíba, 15 de setembro de 2022.

 

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

    OAB/RS 107.136  



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