Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 096/2022
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 259/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a concessão do direito a um dia de folga anual, às servidoras públicas municipais estatutárias, comissionadas e empregadas celetistas para a realização de exames de controle de câncer"

1. Relatório

O Vereador Alex Medeiros apresentou o Projeto de Lei nº 096/22 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a concessão do direito a um dia de folga anual às servidoras públicas municipais estatutárias, comissionadas e empregadas celetistas para a realização de exames de controle de câncer. A proposta foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

O Projeto de Lei nº 096/2022 se insere, em parte, na definição de interesse local, uma vez que, ao dispor sobre a concessão do direito ao afastamento, uma vez ao ano, para empregadas celetistas realizarem exames de câncer, a proposta adentra em matéria de Direito do Trabalho, cuja competência legislativa é privativa da União (art. 22, I, da CF/88).

Em relação às servidoras estatutárias, sejam efetivas, sejam comissionadas, embora não haja violação da competência legislativa, dado que se trata de matéria de interesse local (art. 30, I, da CF/88), verifica-se afronta à reserva de iniciativa estabelecida no art. 60, II, “b”, e no art. 82, VII, ambos da CE/RS, de modo que a proposição possui vício de inconstitucionalidade formal por violação das regras de iniciativa reservada:

Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Art. 82 – Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul):

A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental. (em "Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 1993, págs. 438/439).

O PL nº 096/2022 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à LOM de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Executivo nos projetos de lei que tratem do regime jurídico dos servidores públicos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Assim, embora sejam admiráveis a justificativa e os termos da proposta, o Projeto de Lei nº 096/2022 afronta competência legislativa da União e contém vício de iniciativa, por dispor sobre matéria cuja iniciativa é reservada ao Chefe do Executivo, na forma do art. 22, I, da CF/88, dos arts. 60, II, “b”, e 82, VII, da CE/RS e art. 119, III, da LOM.

3. Conclusão

Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposta em epígrafe (PL nº 096/2022), pela caracterização de inconstitucionalidade formal orgânica e por vício de iniciativa (art. 22, I, da CF/88; arts. 60, II, “b”, e 82, VII, da CE/RS), bem como por afronta ao art. 119, III, da Lei Orgânica Municipal.

Como o direito ao afastamento para realizar exames preventivos de câncer já é um direito previsto na CLT para empregados e empregadas (art. 473, XII – “até 3 (três) dias, em cada 12 (doze) meses de trabalho, em caso de realização de exames preventivos de câncer devidamente comprovada”), sugere-se a elaboração de requerimentos questionando a aplicação da lei.

Em relação aos servidores/servidoras estatutárias (efetivos e comissionados), sugere-se a remessa de indicação ao Prefeito para que acrescente, preferencialmente no art. 48 do Estatuto dos Servidores Públicos, o mesmo direito previsto na CLT.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 4 de agosto de 2022.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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04/08/2022 11:38:37
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