Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 086/2022
PROPONENTE : Bancada do PP
     
PARECER : Nº 222/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a preferência de vagas para irmãos no mesmo estabelecimento de ensino público no Município de Guaíba"

1. Relatório

A Bancada do PP apresentou o Projeto de Lei nº 086/2022 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a preferência de vagas para irmãos no mesmo estabelecimento de ensino público no Município de Guaíba. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores.

2. MÉRITO

A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios.

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (art. 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (art. 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (art. 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (arts. 24, § 2º, e 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo quanto às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (art. 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências não vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (art. 32, § 1º): ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

Em relação à matéria de educação e ensino, a CF/88 estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Ocorre que o art. 30, incisos I e II, da CF/88 é claro ao assegurar aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, bem como para suplementar, no que couber, a legislação federal e a estadual.

Nesses termos, a interpretação adequada das regras constitucionais de distribuição de competências é a que proíbe aos Municípios a atividade legislativa tão somente sobre matérias que esbarrem na competência privativa do art. 22 da CF/88, atribuída rigorosamente à União, nada impedindo, por outro lado, que legislem com base no interesse local sobre matérias de competência concorrente. Tanto é que, do contrário, não seria possível a formação dos códigos sanitários municipais (“proteção e defesa da saúde” – art. 24, XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – art. 24, VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – art. 24, I).

Veja-se que, na jurisprudência, é acolhido o entendimento da competência legislativa “suplementar complementar” dos Municípios para legislarem sobre matérias versadas no art. 24 da CF/88, desde que no sentido de detalhar regras presentes na legislação federal e estadual, conferindo-lhes maior efetividade:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI 10.432/12 DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE - PROIBIÇÃO DE VENDA DE CIGARROS AVULSOS - MATÉRIA DE INTERESSE LOCAL - COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR DO MUNICÍPIO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. - Embora a competência para legislar sobre produção e consumo seja concorrente entre a União e os Estados, assegura-se ao Município competência para suplementar a legislação federal e estadual no que couber e legislar sobre assuntos de interesse local, nos termos do artigo 30, da CF e artigos 10 e 169, da Constituição Estadual.- Inexiste inconstitucionalidade na Lei 10.432/12, do Município de Belo Horizonte, ao dispor sobre a proibição da venda de cigarros avulsos, por se tratar de questão afeta a direito do consumidor, de nítido interesse local, e por não haver conflito com a legislação federal. - Improcedência da representação. V.V. (TJ-MG - Ação Direta Inconst: 10000120699962000 MG, Relator: Heloisa Combat, Data de Julgamento: 10/04/2013, Órgão Especial / ÓRGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 17/05/2013)

DIREITO CONSTITUCIONAL. REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 5.555/13 DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR MUNICIPAL. ALCANCE. [...] 1. Decorre da competência legislativa municipal suplementar (CRFB, art. 30, II, e CERJ, art. 358, II) Município editar lei que suplemente, no que couber, atos legislativos da competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, logo, daquela e do Estado do Rio de Janeiro, sobre responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e sobre previdência social, proteção e defesa da saúde (incisos VIII e XII dos arts. 24 e 74, respectivamente das Constituições da República e fluminense); precedentes do STF. 2. Basta interesse também local, não uma especificidade municipal, para que Município possa exercer competência legislativa suplementar; o descabimento só se configura quando a lei municipal dispõe mais do que a ordem normativa a ser por ela suplementada ou quando a lei do Município entra em conflito com o ordenamento constitucional e/ou infraconstitucional federal e/ou estadual. [...] 6. Representação que se julga improcedente. (TJ-RJ - ADI: 00527701420138190000 RJ 0052770-14.2013.8.19.0000, Relator: DES. FERNANDO FOCH DE LEMOS ARIGONY DA SILVA, Data de Julgamento: 05/05/2014, OE - SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ÓRGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 10/06/2014)

Portanto, consoante fundamentam as decisões acima transcritas, em que pese a matéria de educação e ensino esteja presente no art. 24 da CF/88 como competência legislativa concorrente da União, do Distrito Federal e dos Estados, os Municípios, no estrito interesse local, podem legislar sobre o tema, suplementando as disciplinas federais e estaduais, atentando para não extrapolar o âmbito local e para não entrar em conflito com normas constitucionais ou infraconstitucionais.

No presente caso, a suplementação ocorre sobre o art. 53, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que garante o direito à vaga no mesmo estabelecimento aos irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica. Isto é, tratando-se de suplementação de norma federal condizente com o direito à educação, na forma do art. 30, I e II, da CF/88, é preciso delimitar-se ao alcance da norma federal para que não ocorra inconstitucionalidade devido à lógica de distribuição de competências legislativas. Portanto, não se verifica inconstitucionalidade flagrante relativa ao exercício da competência legislativa municipal.

No que diz respeito à iniciativa legislativa para deflagrar o processo legislativo, a jurisprudência já se manifestou no sentido de que projetos similares não possuem vício de iniciativa, por se tratar de matéria de iniciativa concorrente:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DA LEI MUNICIPAL 4.084/2019, DA ESTÂNCIA HIDROMINERAL DE POÁ, DE AUTORIA PARLAMENTAR, QUE "ASSEGURA À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE CUJOS PAIS OU RESPONSÁVEIS SEJAM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA OU COM SESSENTA ANOS DE IDADE, OU MAIS, A PRIORIDADE DE VAGA EM UNIDADE DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO MAIS PRÓXIMA DE SUA RESIDÊNCIA.". VÍCIO DE INICIATIVA. INOCORRÊNCIA. NORMA QUE EM ATENDIMENTO AO INTERESSE LOCAL, DISPÕE SOBRE A PROTEÇÃO AO DEFICIENTE E ACESSO À EDUCAÇÃO. AUSÊNCIA DA DETERMINAÇÃO DE FONTE DE CUSTEIO QUE NÃO É BASTANTE PARA A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, SENDO A NORMA EXEQUIVEL NO EXERCÍCIO SUBSEQUENTE À SUA PROMULGAÇÃO. PRECEDENTES. AÇÃO IMPROCEDENTE. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2181951-92.2020.8.26.0000; Relator (a): Xavier de Aquino; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo; Data do Julgamento: 28/04/2021; Data de Registro: 03/05/2021)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei Municipal n. 5.366, de 30 de novembro de 2.017, de iniciativa parlamentar, que dispõe e assegura ao aluno deficiente prioridade na matrícula em escola municipal mais próxima de sua residência – Alegada violação aos artigos 5º, 47, II, XIV e XIX cumulados com o art. 144, todos da Constituição Estadual – Não ocorrência – Legislação impugnada que não aborda matéria inserida no rol taxativo do art. 24, parágrafo 2º, da Constituição Estadual – Ausência de invasão da competência legislativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo – Ação improcedente. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2084952-48.2018.8.26.0000; Relator (a): Salles Rossi; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo; Data do Julgamento: 31/10/2018; Data de Registro: 06/11/2018)

Portanto, pode-se considerar, em tese, constitucional a lei que venha a suplementar, em âmbito local, a priorização de vagas para irmãos no mesmo estabelecimento de ensino público, haja vista as decisões acima referenciadas, que evidenciam a ausência de vício de iniciativa em propostas dessa natureza.

3. Conclusão

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela constitucionalidade do Projeto de Lei nº 086/2022, por inexistirem, até o momento, vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário. Recomenda-se, contudo, a revisão gramatical do projeto, considerando estar com inúmeras palavras unidas indevidamente. Por fim, já que se trata de projeto de lei da Bancada do PP, necessária a assinatura conjunta do Vereador Florindo Motorista, da qual também faz parte.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 14 de julho de 2022.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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14/07/2022 09:41:32
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