Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 088/2022
PROPONENTE : Ver. Florindo Motorista
     
PARECER : Nº 088/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o “Dia Municipal do Doador Voluntário de Sangue" e a “Semana Municipal de Incentivo à Doação de Sangue”, e dá outras providências"

1. Relatório

O Vereador Florindo Motorista apresentou o Projeto de Lei nº 088/2022 à Câmara Municipal, objetivando instituir, no Município de Guaíba, o “Dia Municipal do Doador Voluntário de Sangue” e a “Semana Municipal de Incentivo à Doação de Sangue”. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria, no sentido de alertar para eventuais inconformidades presentes. Conforme Hely L. Meirelles em Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base na Lei Municipal nº 3.687/18 – que trata da organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível que os agentes políticos formem suas convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se faz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão (art. 105, parágrafo único).

Inicialmente, verifica-se estar adequada em parte a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, pois o projeto propõe a instituição do “Dia Municipal do Doador Voluntário de Sangue” e da “Semana Municipal de Incentivo à Doação de Sangue”, a ocorrer, anualmente, no dia 25 de novembro e na respectiva semana. Não há limitação constitucional à propositura de projeto de lei por Vereador versando sobre a matéria tratada, desde que não sejam previstos deveres, obrigações ou “permissões” ao Executivo quanto à logística e à operacionalização, o que macularia a proposta de vício de iniciativa. A propósito, destaca-se o posicionamento da jurisprudência:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 4.751/2014 que inclui no calendário oficial de eventos do Município a "Corrida Ciclística". Norma guerreada que não versou simplesmente sobre a instituição de data comemorativa no calendário oficial do Município, mas, ao revés, instituiu evento esportivo com criação de obrigações ao Executivo e despesas ao erário, sem previsão orçamentária e indicação da fonte e custeio. Afronta aos arts. 5º, 47, II e XIV, 25 e 144 da Carta Bandeirante, aplicáveis ao município por força do principio da simetria constitucional. [...] (TJ-SP - ADI: 21628784720148260000 SP 2162878-47.2014.8.26.0000, Relator: Xavier de Aquino, Julgamento: 11/03/2015, Publicação: 16/03/2015).

Quanto à matéria de fundo, não há óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

O Projeto de Lei nº 088/2022 se insere, efetivamente, na definição de interesse local, na medida em que somente cria, no Município de Guaíba, o “Dia Municipal do Doador Voluntário de Sangue” e a “Semana Municipal de Incentivo à Doação de Sangue”. A fixação de datas e eventos comemorativos em âmbito municipal atende ao interesse local porque busca homenagear ou impulsionar setores, grupos e atividades relevantes para a comunidade, incentivando o debate e a elaboração de novas políticas públicas.

No entanto, em relação ao registro da campanha no calendário oficial de eventos, ocorre violação à reserva de iniciativa do Chefe do Executivo para deflagrar o processo legislativo. Isso porque o calendário oficial de eventos municipais é instituído por meio de lei municipal de iniciativa do Chefe do Executivo, por se tratar de matéria atinente à organização administrativa, nos exatos termos do artigo 61, § 1º, II, “b”, da Constituição Federal, aplicável por simetria aos Estados e Municípios, em virtude de sua natureza de norma constitucional de reprodução obrigatória. No mesmo sentido, o artigo 52, VI, da Lei Orgânica Municipal refere competir privativamente ao Prefeito “dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei.” Portanto, tratando-se de matéria relativa à organização administrativa do Município de Guaíba, que despende recursos, pessoal e força de trabalho para a realização dos eventos, convém esclarecer que a iniciativa de projeto de lei para incluir eventos no calendário oficial é do Chefe do Executivo.

Nesse sentido, destaca-se o posicionamento da jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO LIMINAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 6.019/2013, QUE INCLUI NO CALENDÁRIO OFICIAL DE EVENTOS DO MUNICÍPIO DE PELOTAS AS FESTAS DE IEMANJÁ E NOSSA SENHORA DOS NAVEGANTES E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. VÍCIO DE ORIGEM. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO PREFEITO. AUMENTO DE DESPESA. VÍCIO MATERIAL. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. CONCESSÃO DA LIMINAR PARA SUSPENDER OS EFEITOS DA LEI IMPUGNADA. POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO AGRAVO REGIMENTAL. (Agravo Regimental Nº 70057704108, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 26/05/2014).

Quanto ao art. 3º, ele institui uma permissão para que o Poder Executivo organize calendário de atividades a serem desenvolvidas durante a semana municipal. As disposições de natureza meramente autorizativa têm por finalidade contornar a limitação constitucional da iniciativa para evitar a configuração de inconstitucionalidade, o que, contudo, não tem esse efeito.

No âmbito da CCJ da Câmara dos Deputados, é corrente o entendimento de que projetos de lei com disposições autorizativas são inconstitucionais, tendo sido editada, em 1994, a Súmula de Jurisprudência nº 1: “Projeto de lei, de autoria de Deputado ou Senador, que autoriza o Poder Executivo a tomar determinada providência, que é de sua competência exclusiva, é inconstitucional.

Além do mais, é preciso destacar a falta de juridicidade nos projetos de lei simplesmente autorizativos. Para melhor esclarecer essa questão, registra-se a lição de Miguel Reale (Lições Preliminares de Direito, 27. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 163):

Lei, no sentido técnico desta palavra, só existe quando a norma escrita é constitutiva de direito, ou, esclarecendo melhor, quando ela introduz algo de novo com caráter obrigatório no sistema jurídico em vigor, disciplinando comportamentos individuais ou atividades públicas. (...) Nesse quadro, somente a lei, em seu sentido próprio, é capaz de inovar no Direito já existente, isto é, de conferir, de maneira originária, pelo simples fato de sua publicação e vigência, direitos e deveres a que todos devemos respeito.

Ou seja, a lei é, necessariamente, um instrumento de constituição de direitos ou de obrigações, sendo incompatível com a sua natureza a positivação de meras faculdades ou possibilidades, que acabam não tendo qualquer juridicidade. A lei, enquanto norma genérica, abstrata, imperativa e coercitiva, não admite simples concessões.

Assim, o art. 3º incorre em inconstitucionalidade formal por configurar “lei autorizativa”, que é considerada um meio inválido e ilegítimo de legislar por não possuir aptidão para constituir, com força de lei, direitos ou deveres.

4. Conclusão

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 088/2022, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que sejam retirados os arts. 3º e 4º.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 11 de julho de 2022.

 

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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