Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 042/2022
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 190/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 4079, de 06 de dezembro de 2021, que dispõe sobre o repasse de verbas para a manutenção das escolas públicas municipais e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 042/2011 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal nº 4079, de 06 de dezembro de 2021, que dispõe sobre o repasse de verbas para a manutenção das escolas públicas municipais e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. MÉRITO:

Constata-se, preliminarmente, quanto à competência legislativa dos entes federados, que a matéria constante do Projeto de Lei n.º 042/2021, de autoria do Poder Executivo Municipal, encontra-se inserida no âmbito de matérias de interesse local, tendo a CF/88 instituído para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber.

Efetivamente, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

  • auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;
  • auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;
  • faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;
  • auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

Alexandre de Moraes traz lição lapidar quanto à competência municipal, considerando a primordial e essencial competência legislativa do município a possibilidade de auto-organizar-se através da edição de sua Lei Orgânica. As competências legislativas dos Municípios se evidenciam, ademais, pelo princípio da predominância do interesse local, o qual tem que ver com as peculiaridades e premências do ente em questão, configurando interesses específicos mais pontualmente atrelados às precisões particulares de cada município. O E. Min. Gilmar Ferreira Mendes trata do tema com particular ilustração:

As competências implícitas decorrem da cláusula do art. 30, I, da CF, que atribui aos Municípios ‘legislar sobre assuntos de interesse local’, significando interesse predominantemente municipal, já que não há fato local que não repercuta, de alguma forma, igualmente, sobre as demais esferas da Federação. Consideram-se de interesse local as atividades, e a respectiva regulação legislativa, pertinentes a transportes coletivos municipais, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, entre outras.

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, porque diz respeito à manutenção da educação municipal.

A iniciativa para a deflagração do processo legislativo, por sua vez, está adequada, já que o projeto de lei apresentado trata da instituição de Plano Municipal a fim de regulamentar a prestação de serviços a serem realizados pelo Poder Executivo, o que envolve as matérias de organização administrativa, planejamento e execução de serviços públicos. Nesse ponto, é importante salientar que, de acordo com o artigo 61, § 1º, inc. II, alínea “b”, da CF/88, são de iniciativa privativa do Chefe do Executivo as propostas que versem sobre organização administrativa, o que é reforçado, em âmbito municipal, pelo disposto no artigo 52, inc. VI e X, da Lei Orgânica Municipal:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

(...)

X – planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais;

Com efeito, a Lei 9194/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional determina, em seu artigo 15, que “Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público”.

Cabe ressaltar que tal transferência de recursos financeiros do Poder Executivo Municipal para as Escolas Municipais consiste na aplicação do Regime de Adiantamento de Numerário (suprimento de fundos), e não uma simples transferência voluntária, o que levará o Poder Executivo a observar o art. 68 da Lei Federal nº 4.320, de 1964, sendo aplicado somente para despesas previstas em lei que não possam subordinar-se ao processo normal de aplicação.

Portanto, em sede de análise perfunctória, por se tratar de matéria relacionada à organização administrativa do Município de Guaíba, estando atendidos os pressupostos constitucionais, nada impede a sua regular tramitação.

Quanto à matéria de fundo, o TCE-SC orientou a seus jurisdicionados o repasse de recursos para ampliar autogestão de escolas municipais. Nos termos da decisão dessa Corte, ao responder consulta formulada pelo prefeito de Florianópolis, Gean Marques Loureiro, o Município que optar por instituir programa de descentralização financeira, nos moldes do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) do Governo Federal, deverá criar lei específica, definindo responsáveis, forma de prestação de contas, possibilidades e vedações das aquisições de bens e serviços por meio do programa.

Sabrina Iocken, na fundamentação do seu voto, registrou que não há impedimento à implementação, pelos municípios, de um programa nos moldes do PDDE, voltado a ampliar a autonomia administrativa e financeira da escola, com a participação da sociedade. Para ela, a utilização de Associações de Pais e Professores (APPs), como Unidades Executoras Próprias (UEx), é uma opção disponível aos gestores e legisladores, na criação e aprovação deste tipo de política pública, desde que respeitados os princípios e as regras constitucionais e legais.

No mesmo sentido é o entendimento do TCE-BA e do MP de Contas do Estado do Mato Grosso:

PROCESSO Nº 79353-14 PARECER Nº 00967-14 (AP Nº 065/14) EMENTA: CONSULTA. Lei municipal instituindo o “Programa para a Autonomia financeira da Escola - PROAFE”.  Competência municipal assegurada constitucionalmente para “legislar sobre assuntos de interesse local”.  Similitude dos objetivos e procedimentos do PROAFE com aqueles previstos no PDDE - Programa Dinheiro Direto na Escola, executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE. Legalidade.

PARECER Nº 4.327/2019. EMENTA: REPRESENTAÇÃO DE NATUREZA INTERNA. PREFEITURA MUNICIPAL DE COLÍDER. CRIAÇÃO DO PROGRAMA DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA MUNICIPAL (LEI Nº 3.014/2018). PRELIMINAR DE INCIDENTE DE REEXAME DE TESE PREJULGADA. RESOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 12/2013-TP DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MATO GROSSO. MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL PELO CONHECIMENTO E IMPROCEDÊNCIA. ARQUIVAMENTO DOS AUTOS. Sendo assim, este órgão de contas entende que a Resolução de Consulta nº 12/2013 deste Tribunal de Contas merece um reexame para que possa se moldar aos novos entendimentos acerca do assunto, possibilitando que os municípios optem por criar programas semelhantes ao PDDE federal, ampliando a autonomia administrativa e financeira da escola, com a participação da sociedade, desde que respeitados os princípios e as regras constitucionais e legais. O dinheiro do PDDE pode ser aplicado na aquisição de materiais permanentes e de itens de uso diário, na realização de pequenos reparos na infraestrutura física do prédio e na contratação de mão de obra para esses serviços, nos materiais necessários para a implementação do Projeto Político Pedagógico, em instrumentos que permitam avaliar a aprendizagem e no desenvolvimento de atividades educacionais.

            O MP de Contas do Mato Grosso entende pela possibilidade de que o dinheiro do PDDE pode ser aplicado na aquisição de materiais permanentes e de itens de uso diário, na realização de pequenos reparos na infraestrutura física do prédio e na contratação de mão de obra para esses serviços, nos materiais necessários para a implementação do Projeto Político Pedagógico, em instrumentos que permitam avaliar a aprendizagem e no desenvolvimento de atividades educacionais.

            O objetivo específico da propositura legislativa é a alteração da lei do repasse às escolas para os limites de dispensa de licitação previstos no art. 75, I e II, da Lei Federal nº 14.133/2021 – Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

            A propositura estabelece, ademais, de forma correta, regras complementares acerca das despesas a serem realizadas no bojo da lei, entre as quais acompanhamento e aprovação de eventuais obras e projetos por equipe técnica (§§ 2º e 3º), inclusão dos bens no sistema de controle patrimonial do Município (§ 4º).

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 042/2022, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação pelas Comissões Permanente e pelo Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 07 de junho de 2022.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS nº 107.136

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07/06/2022 13:49:09
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