Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 032/2022
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 186/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o pagamento de "jeton de presença" aos membros da comissão de avaliação e fiscalização - CAF saúde e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 032/2022 à Câmara Municipal, o qual “Institui o pagamento de "jeton de presença" aos membros da comissão de avaliação e fiscalização - CAF saúde e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal. Em 06/06/2022 foi apresentado Substitutivo pelo proponente, retornando a proposta para análise desta Procuradoria Jurídica.

2. MÉRITO:

 

2.1 Da competência legislativa e da iniciativa do processo legislativo

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o art. 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o art. 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

Verifica-se, também, estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o Substitutivo ao Projeto de lei apresentado trata da criação de gratificação/jeton no âmbito do Poder Executivo, medida de iniciativa privativa do Prefeito, nos termos do art. 60, II, “a”, da Constituição Estadual e, simetricamente, do art. 119, I, da Lei Orgânica Municipal:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

2.2 Dos aspectos materiais da proposição

A doutrina é clara no sentido de que as vantagens pecuniárias sempre implicam a ocorrência de um “suporte fático específico para gerar o direito a sua percepção”. (Carvalho Filho, 2016). Segue a doutrina de Hely Lopes Meirelles quanto ao tema:

O que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é ser aquele uma recompensa ao tempo de serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor...

Para fins de se conceituar a expressão “jeton”, pode ser utilizado por analogia o conceito expresso no art. 122 da Lei Estadual nº 10.098/94, que dispõe sobre o estatuto e o regime jurídico único dos servidores públicos civis do Estado do Rio Grande do Sul: “o servidor, no desempenho do encargo de membro de órgão de deliberação coletiva legalmente instituído, receberá jeton, a título de representação na forma da lei”.

Como dito, as gratificações especiais só são criadas por lei formal, já que têm natureza jurídica de remuneração pecuniária, ao que incide o art. 37, inc. X, da CF/88, cujo texto determina que a remuneração dos servidores públicos e o subsídio dos agentes políticos somente serão fixados ou alterados mediante lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurando-se revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices inflacionários.

Veja-se, nessa linha, resposta de consulta feita ao Conselho Nacional de Justiça:

 CONSULTA. GRATIFICAÇÃO. PREGOEIROS E EQUIPE DE APOIO E MEMBROS DA COMISSÃO PERMANENTE DE LICITAÇÃO. INSTITUIÇÃO DA VANTAGEM ATRAVÉS DE RESOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. I – As vantagens pecuniárias que podem ser agregadas ao vencimento devem ser fixadas em lei. Assim, quaisquer vantagens acrescidas à remuneração dos servidores públicos alagoanos, sejam indenizações, gratificações ou adicionais, devem observar o processo legislativo competente para que sejam levadas a efeito. II – A criação de vantagem por outro meio que não seja através de lei, fere a normativa vigente sobre a matéria. III – Consulta respondida no sentido de não possível a instituição de gratificação de participação em Comissões de Licitação, de Pregoeiro e Equipe de Apoio através de instrumento normativo interno do próprio tribunal. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0006030-95.2011.2.00.0000 - Rel. SÍLVIO ROCHA - 141ª Sessão - j. 14/02/2012).

Quanto a isso, o Substitutivo ao Projeto de Lei do Executivo nº 032/2022 bem estabeleceu que o recebimento da gratificação por representação depende do comparecimento às reuniões do CAF, sendo calculada proporcionalmente, com o limite de duas reuniões ordinárias por semana – percebe-se que houve a supressão do previsto na redação original que permitia também a remuneração por até duas reuniões extraordinárias mensais.

No caso específico da propositura legislativa em análise, trata-se de instituição de jeton, um instituto típico de ressarcimento para cobrir dispêndios relativos ao comparecimento de conselheiro a órgão deliberativo e aos demais deslocamentos necessários em razão da atividade.

Tal instituto é aplicável aos membros de órgão deliberativo para o ressarcimento de despesas advindas do exercício da atividade. Parte-se do pressuposto de que a função pública de conselheiro, por não ser remunerada, impõe o ressarcimento de despesas decorrentes do encargo, já que não se pode cobrar do membro o desempenho da atividade e, cumulativamente, o custeio de gastos, o que é verificável da análise detida da matéria proposta pelo Substitutivo ao Projeto de Lei do Executivo nº 032/2022.

 

Ademais, o caráter indenizatório do jeton somente estará caracterizado na medida em que as reuniões da CAF se dêem fora do horário de expediente dos servidores. O Tribunal de Contas do Estado do RS já assentou que a atividade desempenhada durante o horário de expediente não justifica o pagamento de parcela de caráter indenizatório:

 

[...] Pagamento de jeton e, posteriormente, gratificação a servidores, pela participação em reuniões das Comissões de Licitações, de Sindicâncias e/ou Processos Administrativos, de Avaliações Imobiliárias, Junta Médica e Central de Controle Interno da Auditada, em horário de expediente, cumulativamente à remuneração dos respectivos cargos públicos. Entendimento desta Corte em decisão prolatada no Processo n° 4950/99-0, Recurso de Reconsideração - METROPLAN, foi no sentido de julgar irregular o pagamento de jeton a membro de Conselho ou de qualquer outro Órgão Deliberativo da Administração Pública, por participação em reunião realizada no horário de expediente, quando o integrante for titular de outro cargo público e, portanto, já receber remuneração suportada pelo Erário. (Processo: 001833-0200/04-9, Relator(a): Iradir Pietroski, PRIMEIRA CÂMARA, Julgado em 12/07/2016, Publicado em 15/09/2016, Boletim 1308/2016)

Assim, entende-se não haver óbice à criação do mencionado jeton, destacando-se, por outro lado, que o Estatuto do Servidor Público do Município de Guaíba (Lei Municipal nº 2.586/2010) trata das chamadas gratificações por encargo (arts. 114, VII, e 129 – vide art. 1º, caput da proposta), assim disciplinadas, que se diferem do instituto jurídico do jeton:

Art. 114. Constituem gratificações e adicionais dos servidores municipais:

[...]

VII – gratificação por encargo;

Art. 129. A gratificação por encargo será devida ao servidor que for designado para atuar em comissões técnicas, comissões operacionais e/ou outro encargo adicional à competência de seu cargo, conforme seus conhecimentos, suas habilidades e suas atitudes.

§ 1º O valor da gratificação será definido em lei e será devido enquanto permanecer a designação do encargo, não gerando, em qualquer hipótese, incorporação ao vencimento.

§ 2º É vedado o pagamento em duplicidade da gratificação de que trata este artigo, mesmo que, excepcionalmente, o servidor seja designado para compor duas comissões simultaneamente.

Aliás, cabe trazer à lume o disposto na análise do Parecer n. 15.245, da PGE/RS, que relacionou que (...) “Cumpre, primeiramente, ter presente que a designação de servidores ou de pessoas estranhas ao serviço público para integrar conselhos, comissões e assemelhados, não configura relação de emprego, assim como a eventual retribuição é feita usualmente sob a modalidade de 'jeton' de presença, passível de percepção no lapso de duração do mandato”.

Como se percebe, a natureza jurídica da gratificação a ser criada é de gratificação por representação - JETON, tendo o valor definido em lei (art. 2º – R$ 200,00 por reunião) e sendo vedada a sua incorporação aos vencimentos do servidor, além de não constituir base de cálculo de outras vantagens (proibição do efeito cascata – art. 37, XIV, da CF/88).

2.3 Do cumprimento das exigências orçamentário-financeiras

Além do atendimento da competência e da iniciativa, o projeto que verse sobre a concessão de vantagens deve demonstrar o cumprimento de requisitos de ordem orçamentária, previstos no artigo 169, § 1º, da CF/88, e na Lei Complementar Federal nº 101/00 – Lei de Responsabilidade Fiscal.

Prevê o artigo 169, caput e § 1º, da CF/88:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: (Renumerado do parágrafo único, pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Na Lei de Responsabilidade Fiscal, preceituam os artigos 15 e 16, inc. I e II:

Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.

Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:

I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;

II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

Ainda, dispõe o art. 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00):

Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.

§ 1º Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.

§ 2º Para efeito do atendimento do § 1º, o ato será acompanhado de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no § 1º do art. 4º, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa.

§ 3º Para efeito do § 2º, considera-se aumento permanente de receita o proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 4º A comprovação referida no § 2º, apresentada pelo proponente, conterá as premissas e metodologia de cálculo utilizadas, sem prejuízo do exame de compatibilidade da despesa com as demais normas do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias.

§ 5º A despesa de que trata este artigo não será executada antes da implementação das medidas referidas no § 2º, as quais integrarão o instrumento que a criar ou aumentar.

§ 6º O disposto no § 1º não se aplica às despesas destinadas ao serviço da dívida nem ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da Constituição.

§ 7º Considera-se aumento de despesa a prorrogação daquela criada por prazo determinado.

Por fim, estabelecem os artigos 19 e 20 da LC nº 101/00:

Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:

I - União: 50% (cinqüenta por cento);

II - Estados: 60% (sessenta por cento);

III - Municípios: 60% (sessenta por cento).

Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais:

[...]

III - na esfera municipal:

b) 54% (cinquenta e quatro) para o Executivo.

Logo, foi devidamente demonstrada a viabilidade orçamentário-financeira do Substitutivo ao Projeto de Lei do Executivo nº 032/2022 visto que houve a apresentação, pelo proponente, de impacto orçamentário-financeiro contendo todas as informações acima descritas, inclusive apontando o respectivo percentual da despesa total com pessoal, que vislumbra-se que pelo percentual informado (50,66%) não irá atingir o limite previsto no parágrafo único do art. 22 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, a Procuradoria opina pela viabilidade jurídica do Substitutivo ao Projeto de Lei do Executivo nº 032/2022, tendo havido demonstração do cumprimento dos requisitos previstos no art. 169, § 1º, da CF/88 e nos arts. 15, 16, 17, 19, 20 e 22, parágrafo único, da Lei Complementar Federal nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), através de estimativa de impacto orçamentário-financeiro e das declarações de adequação orçamentária.

É o parecer.

Guaíba, 07 de junho de 2022.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136

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07/06/2022 11:07:37
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