Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 058/2022
PROPONENTE : Ver. Cristiano Eleu
     
PARECER : Nº 177/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Estabelece normas para transação e dação em pagamento de débitos tributários mediante entrega de bens, execução de serviços e de obras de utilidade pública, no âmbito do Município de Guaíba."

1. Relatório

O Vereador Cristiano Eleu apresentou o Projeto de Lei nº 058/22 à Câmara Municipal, estabelecendo normas para transação e dação em pagamento de débitos tributários mediante entrega de bens, execução de serviços e de obras de utilidade pública no Município de Guaíba. A proposição foi encaminhada à Procuradoria da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A auto-organização dos Municípios está disciplinada, originariamente, no artigo 29, caput, da Constituição Federal, que prevê: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos”.

O autogoverno se expressa na existência de representantes próprios dos Poderes Executivo e Legislativo em âmbito municipal – Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores –, que são eleitos diretamente pelo povo. A autoadministração e a autolegislação contemplam o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na CF/88. A respeito da autoadministração e da autolegislação, transcreve-se o artigo 30 da Constituição Federal, que enumera as competências materiais e legislativas dos Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Veja-se que, entre as competências legislativas municipais, encontra-se o poder de legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Tal função deve ser exercida nos termos e nos limites da CF/88, visando a estabelecer normas específicas, de acordo com a conjuntura municipal, e a complementar a legislação já existente em âmbito federal e estadual para adequar a aplicação na esfera local.

Assim, não há dúvidas de que ao Município se conferem diversas possibilidades no que diz respeito à atividade legislativa, estando este legitimado a legislar sobre assuntos diversos de interesse local e a suplementar a legislação federal e estadual no que couber, desde que a matéria não adentre o rol de competências privativas da União (art. 22 da CF).

Nesse ponto, há divergências sobre a possibilidade de os municípios instituírem dação em pagamento de débitos tributários mediante a entrega de bens móveis, serviços ou obras de utilidade pública.

Para uma corrente da jurisprudência, não há possibilidade de criação dessa modalidade de extinção de créditos tributários, visto que a CF/88, em seu art. 24, inc. I, ao instituir a matéria tributária como uma hipótese de competência legislativa concorrente, proíbe que os municípios excedam a mera suplementação das regras instituídas. Em outros termos, se à União compete estabelecer as normas gerais sobre direito tributário, como o fez com a edição do Código Tributário Nacional, definindo como limite da dação em pagamento a natureza imóvel dos bens transacionáveis (art. 156, inc. XI), não pode o ente municipal inovar e possibilitar a dação em bens móveis, serviços e obras. Além disso, tal corrente jurisprudencial entende que haveria violação ao princípio da licitação, insculpido no art. 37, XXI, da CF/88, de observância obrigatória por todos os entes federados. Vejam-se as decisões:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 13.255/2003, ART. 2", INCISOS II E III DO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS, QUE PERMITEM A EXTINÇÃO DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS DA DÍVIDA ATIVA MEDIANTE DAÇÃO EM PAGAMENTO DE BENS MÓVEIS E SERVIÇOS. OFENSA AOS ARTS. 111 E 117 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. AÇÃO PROCEDENTE. (TJ-SP - ADI: 1995032220118260000 SP 0199503-22.2011.8.26.0000, Relator: Campos Mello, Julgamento: 18/01/2012, Órgão Especial, Data de Publicação: 01/02/2012)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUICIONALIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LICITAÇÃO (CF, ART. 37, XXI). I - Lei ordinária distrital - pagamento de débitos tributários por meio de dação em pagamento. II - Hipótese de criação de nova causa de extinção do crédito tributário. III - Ofensa ao princípio da licitação na aquisição de materiais pela administração pública. IV - Confirmação do julgamento cautelar em que se declarou a inconstitucionalidade da lei ordinária distrital 1.624/1997. (ADI 1917, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2007, DJe-087 DIVULG 23-08-2007 PUBLIC 24-08-2007 DJ 24-08-2007 PP-00022 EMENT VOL-02286-01 PP-00059 RDDT n. 146, 2007, p. 234-235 LEXSTF v. 29, n. 345, 2007, p. 53-63 RT v. 96, n. 866, 2007, p. 106-111)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE OBJETIVANDO A EXCLUSÃO DE EXPRESSÕES, ESPECIFICADAS, NO § 1º DO ARTIGO 268, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO DO MUNICÍPIO DE ASSIS (LEI N. 1.961, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1977), COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI COMPLEMENTAR N. 1, DE 20 DE SETEMBRO DE 2002. DISPOSITIVO QUE POSSIBILITA A CONTRATAÇÃO, SEM PRÉVIA LICITAÇÃO, COM OS CONTRIBUINTES MUNICIPAIS QUE ESTEJAM INSCRITOS NA DÍVIDA ATIVA, MEDIANTE DAÇÃO EM PAGAMENTO DE SERVIÇOS, EQUIPAMENTOS, BENS MÓVEIS, ETC. – INCOMPATIBILIDADE COM O DIREITO TRIBUTÁRIO. Com efeito, as contratações efetivadas pelas entidades da Administração Pública Direta e Indireta devem ser submetidas a prévio certame licitatório, em que se assegure a igualdade de condições entre todos os interessados em contratar com o Poder Público e a satisfação do interesse da coletividade, excetuadas as hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação previstas na legislação, qual a Lei 8.666, de 1993, conhecida por Estatuto das Licitações. Segue-se, pois, que, diante do ordenamento jurídico, incompatível com o Direito Tributário a extinção da dívida ativa através da dação em pagamento, salvo se se tratar de bens imóveis, nunca, porém, de bens móveis, equipamentos, serviços, etc. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) e para dispor sobre Direito do Trabalho e inspeção do trabalho (CF, arts. 21, XXIV e 22, I). [...] 6. Ademais, destaco do Parecer do Ministério Público Federal, o qual acolho: “O pleito não merece acolhida. Com efeito, a nova Ordem Constitucional outorgou aos municípios competência para legislar sobre assuntos de interesse local em caráter exclusivo e sobre matéria “suplementar” a legislação federal e estadual, no que couber (art. 30, I e II, da CF), respeitando, todavia, os princípios das Constituições Federal e Estadual. Neste sentido, são claras as normas insertas no Texto Maior que atribuem à União competência privativa para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, sendo os argumentos recursais, insuficientes para infirmar as razões elencadas no acórdão, pois houve de fato, afronta à regra da Constituição Estadual, que repete preceito contido no texto da Lei Maior. Assim é evidente que a vedação contida na Carta Magna não poderia ser entendida como “assunto de interesse local” a justificar a elaboração de regra que, ao possibilitar a extinção da dívida ativa, por meio da dação em pagamento e bens móveis, equipamentos ou serviços extrapolou os lindes da competência Municipal.” (fls. 247-248). (RE 438490, Relatora: Min. ELLEN GRACIE, julgado em 22/12/2009, publicado em DJe-019 DIVULG 01/02/2010 PUBLIC 02/02/2010)

Leia-se, ainda, o entendimento do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE/ES), pela impossibilidade de instituição dessa hipótese de extinção:

CONSULTA – PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA EXTINÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO POR COMPENSAÇÃO, DAÇÃO EM PAGAMENTO OU TRANSAÇÃO MEDIANTE A ENTREGA DE BENS MÓVEIS OU O FORNECIMENTO DE SERVIÇOS À MUNICIPALIDADE, AINDA QUE HAJA LEI AUTORIZATIVA, POR OFENSA À OBRIGATORIEDADE DE LICITAÇÃO IMPOSTA PELO ARTIGO 37, XXI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – VIABILIDADE JURÍDICA DA EXTINÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO POR DAÇÃO EM PAGAMENTO DE BENS IMÓVEIS, DESDE QUE AUTORIZADA POR LEI ESPECÍFICA E OBSERVADOS OS LIMITES DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL E AS NORMAS CONSTITUCIONAIS PERTINENTES.

Por outro lado, em decisão mais recente (ADI nº 2.405), o STF considerou constitucional a Lei Estadual nº 11.475/2000, do Rio Grande do Sul, no ponto em que dispõe sobre a possibilidade de instituição de novas modalidades de extinção de créditos tributários:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO TRIBUTÁRIO. LEI DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL 11.475/2000. [...] PREVISÃO DE MODALIDADES DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO EM LEI ESTADUAL. POSSIBILIDADE. [...] 2. Não há reserva de Lei Complementar Federal para tratar de novas hipóteses de suspensão e extinção de créditos tributários. Possibilidade de o Estado-Membro estabelecer regras específicas de quitação de seus próprios créditos tributários. [...] 9. Inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos legais: o art. 117; a expressão “da Comissão de Dação em Pagamento” contida no parágrafo único do art. 122; o caput do art. 123, as alíneas “a”, “b”, “c”, “d”, “e”, “f”, e “g”, e parágrafo único; os §§ 2º e 3º do art. 124; a expressão “por órgão da Secretaria da Administração e dos Recursos Humanos, podendo esta, para efetivação da avaliação, requisitar servidores especializados de outros órgãos públicos da Administração Direta e Indireta”, conforme o caput do art. 125; o § 2º do art. 125; a expressão “salvo se forem área de preservação ecológica e/ou ambiental”, conforme o caput do art. 127; os §§ 1º e 4º do art. 127; o parágrafo único do art. 128; a expressão “sendo competente para transigir o Procurador-Geral do Estado” do art. 130; todos da Lei Estadual 6.537/1973, com a redação dada pelo art. 1º, III, da Lei 11.475/2000 do Estado do Rio Grande do Sul; e ainda o art. 98 da Lei 6.537/1973, na redação dada pelo inciso IV do art. 1º da Lei 11.475/2000 do Estado do Rio Grande do Sul; a expressão “por meio da Comissão de Dação em Pagamento, prevista no art. 123 da Lei nº 6.537, de 27 de fevereiro de 1973, e alterações, com a redação dada por esta lei”, veiculada pelo § 2º do art. 4º da Lei 11.475/2000; o § 3º do art. 4º; o art. 6º; o caput do art. 7º e parágrafo único; e o art. 8º, todos da Lei 11.475/2000 do Estado do Rio Grande do Sul. 10. Conhecimento parcial da ação. Medida cautelar confirmada em menor extensão. Procedência em parte da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Colaciona-se o voto do Min. Relator da ADI nº 2.405, Alexandre de Moraes:

(...) Veja que a controvérsia referente à matéria posta nos autos merece atenção em relação a duas situações. Na primeira, deve-se verificar a possibilidade de os Estados-membros estabelecerem, por lei ordinária, novas modalidades de extinção e suspensão de créditos tributários; na segunda, é preciso analisar se é admitida a utilização de dação em pagamento de bens móveis para a quitação de créditos tributários. (...) Como bem lembrado pelo Min. MOREIRA ALVES, entendo também aplicável ao presente caso a teoria dos poderes implícitos, segundo a qual ‘quem pode o mais, pode o menos’. Dessa forma, se o Estado pode até remir um valor que teria direito, com maior razão pode estabelecer a forma de recebimento do crédito tributário devido pelo contribuinte. A partir dessa ideia, e considerando também que as modalidades de extinção de crédito tributário, estabelecidas pelo CTN (art. 156), não formam um rol exaustivo, tem-se a possibilidade de previsão em lei estadual de extinção de crédito por dação em pagamento de bens móveis. (...)

Veja-se, ademais, que o Município de Porto Alegre, pela Lei Municipal nº 13.051, de 29/03/2022, definiu normas para transação e dação em pagamento de débitos tributários mediante entrega de bens, execução de serviços e obras de utilidade pública, diploma este batizado de “Lei de Quitação Legal”, de autoria do Vereador Ramiro Rosário (PSDB).[1]

Portanto, no que se refere à competência legislativa, diante da divergência jurisprudencial, é de se concluir pela ausência de inconstitucionalidade manifesta, viabilizando-se a tramitação do projeto de lei, com o alerta de que já houve decisões no sentido da inconstitucionalidade de proposições similares.

Quanto à iniciativa legislativa, cumpre salientar que, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, cabe ao Município a responsabilidade pela consecução de sua legislação tributária, pertencendo ao Executivo, ao Legislativo e, ainda, à população, através de iniciativa popular, a deflagração dos referidos projetos, por não haver restrição expressa à iniciativa para matéria tributária:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA PERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I. A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II. A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III. Agravo Regimental improvido. (STF - RE: 590697 MG, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-171 DIVULG 05-09-2011 PUBLIC 06-09-2011 EMENT VOL-02581-01 PP- 00169).

As matérias de iniciativa reservada são rol taxativo na CF/88 e nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, lecionando HELY LOPES MEIRELLES que:

Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores, são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, §1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de lei que disponham sobre criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e á Câmara, na forma regimental. (grifo nosso)

As leis que dispõem sobre matéria tributária não se inserem dentre as de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, afirmando os tribunais que a iniciativa para deflagrar o processo legislativo acerca da matéria é concorrente:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. INICIATIVA LEGISLATIVA. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. CONCORRÊNCIA ENTRE PODER LEGISLATIVO E PODER EXECUTIVO. LEI QUE CONCEDE ISENÇÃO. POSSIBILIDADE AINDA QUE O TEMA VENHA A REPERCUTIR NO ORÇAMENTO MUNICIPAL. RECURSO QUE NÃO SE INSURGIU CONTRA A DECISÃO AGRAVADA. DECISÃO QUE SE MANTÊM POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. [...] 2. A iniciativa para início do processo legislativo em matéria tributária pertence concorrentemente ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, b, da CF). [...] (STF - AI: 809719 MG, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 09/04/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 25-04-2013 PUBLIC 26-04-2013)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA. IMPROCEDÊNCIA. 1. Lei Complementar, de iniciativa parlamentar, que possibilita o parcelamento do ITBI e que não padece de vício de iniciativa e que não acarreta redução de receita passível de afrontar disposições constitucionais. 2. De fato, a iniciativa para início do processo legislativo em matéria tributária pertence concorrentemente ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, b, da CF). Precedentes: ADI 724-MC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 15.05.92; RE 590.697-ED, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 06.09.2011; RE 362.573-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, Dje de 17.08.2007; AI 809719 AgR, Rel. Min. Luis Fux, Primeira Turma, j. em 09/04/2013. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70059239814, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 01/12/2015)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE LENÇÓIS PAULISTA. LEI MUNICIPAL Nº 4.539/2013. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO FISCAL. INICIATIVA DE LEI EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. COMPETÊNCIA COMUM OU CONCORRENTE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (RE 858.644-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 2/6/2015)

ADI - LEI Nº 7.999/85, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, COM A REDAÇÃO QUE LHE DEU A LEI Nº 9.535/92 - BENEFÍCIO TRIBUTÁRIO - MATÉRIA DE INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE - REPERCUSSÃO NO ORÇAMENTO ESTADUAL - ALEGADA USURPAÇÃO DA CLÁUSULA DE INICIATIVA RESERVADA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO - AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA - MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA. - A Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na instauração do processo legislativo em tema de direito tributário. - A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que - por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo - deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. - O ato de legislar sobre direito tributário, ainda que para conceder benefícios jurídicos de ordem fiscal, não se equipara - especialmente para os fins de instauração do respectivo processo legislativo - ao ato de legislar sobre o orçamento do Estado.

A matéria proposta também não trata de lei orçamentária, mas de matéria tributária, possuindo viabilidade quanto à iniciativa:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA REPERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I – A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II – A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III – Agravo Regimental improvido (STF, ED-RE 590.697-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23-08-2011, v.u., DJe 06-09-2011).

Quanto à matéria de fundo, não se verificam inconstitucionalidades, visto que a proposição trata de instrumento de extinção dos créditos tributários no estrito âmbito local, o que se alinha ao conteúdo material da CF/88. No aspecto da técnica legislativa, sugere-se apenas a inclusão de um “CAPÍTULO I – DAS DISPOSIÇÕES GERAIS” anteriormente ao art. 1º.

[1] https://www.camarapoa.rs.gov.br/noticias/porto-alegre-adota-novo-modelo-de-pagamento-de-dividas-por-permuta

3. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, a Procuradoria Jurídica opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 058/2022, ressaltando-se a existência de divergência jurisprudencial sobre a matéria, conforme precedentes apresentados na fundamentação. No aspecto da técnica legislativa, sugere-se a inclusão de um “CAPÍTULO I – DAS DISPOSIÇÕES GERAIS” anteriormente ao art. 1º.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 31 de maio de 2022.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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