Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 056/2022
PROPONENTE : Ver.ª Carla Vargas
     
PARECER : Nº 169/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a afixação de placa informativa nos prédios alugados pela prefeitura"

1. Relatório

A Vereadora Carla Vargas apresentou o Projeto de Lei nº 056/2022 à Câmara Municipal, para dispor sobre a afixação de placa informativa nos prédios alugados pela Prefeitura de Guaíba. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida pretendida por meio do Projeto de Lei nº 056/2022 se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município, não atrelada às competências legislativas privativas da União (artigo 22 da CF/88), a proposta define um novo instrumento de garantia dos direitos à publicidade e à transparência da gestão pública, diretrizes que possuem amparo constitucional nos princípios da administração pública (artigo 37, caput, da CF/88).

A proposta é materialmente compatível com a disciplina constitucional dos princípios da administração pública, os quais estão previstos genericamente no artigo 37, caput, da CF/88: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”. Ou seja, desde a promulgação da CF/88, o princípio da publicidade é aplicado no âmbito da Administração Pública, pautando toda a atividade pública.

Na Constituição Estadual Gaúcha, por sua vez, o princípio da publicidade é consagrado no artigo 19, caput, nos seguintes termos: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes do Estado e dos municípios, visando à promoção do bem público e à prestação de serviços à comunidade e aos indivíduos que a compõe, observará os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade, da legitimidade, da participação, da razoabilidade, da economicidade, da motivação e o seguinte”.

Por fim, impossível deixar de recordar o previsto no artigo 5º, inciso XXXIII, da CF/88, que prevê o direito fundamental ao acesso à informação: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Desse modo, não há dúvidas de que todas as medidas políticas que, de algum modo, impliquem a obrigação de assegurar publicidade à atividade pública possuem respaldo constitucional. Além disso, a determinação que se pretende instituir também encontra amparo na legislação federal. A Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, regula o direito ao acesso a informações previsto no artigo 5º, inciso XXXIII, da CF/88, disciplinando os procedimentos a serem observados pela União, Estados, DF e Municípios para a garantia dessa prerrogativa pública. Importante, nesse caso, transcrever o artigo 3º, que institui as diretrizes da publicidade das informações de interesse coletivo ou geral:

Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes:

I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção;

II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações;

III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação;

IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública;

V - desenvolvimento do controle social da administração pública.

Assim, sob os aspectos da competência e da conformidade material da proposta com a Constituição Federal de 1988 e com a Constituição Estadual Gaúcha, não se vê a ocorrência de obstáculos à tramitação.

Cabe, neste momento, enfrentar a questão da iniciativa para a propositura do projeto de lei. Para externar o entendimento deste procurador sobre a matéria, foi utilizado, como base, o artigo “Limites da iniciativa parlamentar sobre políticas públicas: uma proposta de releitura do art. 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal”, de autoria de João Trindade Cavalcante Filho, representando o Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal[1]. O referido trabalho propõe uma visão atual sobre os limites à iniciativa parlamentar previstos na CF especialmente no que concerne à formulação de políticas públicas, com base em algumas decisões proferidas pelo STF em controle de constitucionalidade.

A República Federativa do Brasil, tendo adotado o sistema constitucional de tripartição dos Poderes, dividiu as funções de legislar, administrar e julgar aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, todos independentes e harmônicos, na forma do artigo 2º da CF. No campo do Poder Legislativo, duas são, essencialmente, as funções típicas: a legislativa e a fiscalizadora, esta de natureza contábil, financeira, orçamentária e patrimonial sobre os atos do Poder Executivo. As funções executiva e jurisdicional, como a criação de normas de organização interna, provimento de cargos, realização de licitações, julgamento do Presidente da República nos crimes de responsabilidade pelo Senado Federal – no âmbito da União –, são exercidas de forma atípica pelo Poder Legislativo, com fundamento no sistema de freios e contrapesos (“checks and balances”), que equilibra o exercício das tarefas públicas entre os Poderes de Estado.

A Constituição Federal de 1988, com base na tripartição dos Poderes, disciplina a iniciativa parlamentar a partir do seu artigo 61, o qual prevê: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” Assim, embora a função legislativa tenha sido entregue ao Poder Legislativo, a Constituição Brasileira conferiu o poder de iniciativa a autoridades do Executivo, do Judiciário, do MP e, inclusive, aos cidadãos diretamente.

Por ser uma norma genérica que atribui, indistintamente, o poder de iniciativa para a deflagração do processo legislativo a várias autoridades, a doutrina a nomeia de “iniciativa comum” ou “iniciativa concorrente”, constituindo-se como regra a ser observada em todos os âmbitos da Federação, com base no princípio da simetria. O § 1º do artigo 61, por sua vez, apresenta os casos em que o poder de iniciativa é privativo do Chefe do Executivo, para que se mantenha a harmonia e a independência entre os Poderes. Ou seja, o objetivo real da restrição imposta no § 1º é a segurança do sistema de tripartição dos poderes constitucionais, de modo a que não haja interferências indevidas de um Poder sobre o outro. Dispõe o mencionado artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Dessas afirmações é possível extrair o seguinte entendimento: a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, em regra, é comum. A iniciativa privativa, por ser uma norma de natureza restritiva, é exceção, sendo “válida, nesse ponto, a lição da hermenêutica clássica, segundo a qual as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva.” (CAVALCANTE FILHO, 2013, p. 12).

Assim, as hipóteses de iniciativa reservada são apenas e tão somente aquelas previstas no texto constitucional: artigos 93, caput; 96, I e II; 127, § 2º; 51, IV; 52, XIII; 73, caput c/c 96; 61, § 1º; 165, I a III. Inclusive, o STF já decidiu não ser possível interpretação ampliativa quanto às regras de iniciativa parlamentar:

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – LEI MUNICIPAL – INICIATIVA – SEPARAÇÃO DOS PODERES – PRECEDENTES DO PLENÁRIO – PROVIMENTO. [...] 2. Assiste razão ao recorrente. Os pronunciamentos do Supremo são reiterados no sentido de que a interpretação das regras alusivas à reserva de iniciativa para processo legislativo submetem-se a critérios de direito estrito, sem margem para ampliação das situações constitucionalmente previstas – medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 724/RS, relator o ministro Celso de Mello, acórdão publicado no Diário da Justiça em 27 de abril de 2001, ação direta de inconstitucionalidade nº 2.464/AP, relatora a ministra Ellen Gracie, acórdão publicado no Diário da Justiça em 25 de maio de 2007, e ação direta de inconstitucionalidade nº 3.394/AM, relator o ministro Eros Grau, acórdão publicado no Diário da Justiça em 24 de agosto de 2007. Confiram a ementa do acórdão formalizado pelo Colegiado Maior nesse último processo: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 1º, 2º E 3º DA LEI N. 50, DE 25 DE MAIO DE 2.004, DO ESTADO DO AMAZONAS. TESTE DE MATERNIDADE E PATERNIDADE. REALIZAÇÃO GRATUITA. EFETIVAÇÃO DO DIREITO À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR QUE CRIA DESPESA PARA O ESTADO-MEMBRO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO ACOLHIDA. CONCESSÃO DEFINITIVA DO BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICÁRIA GRATUITA. QUESTÃO DE ÍNDOLE PROCESSUAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO I DO ARTIGO 2º. SUCUMBÊNCIA NA AÇÃO INVESTIGATÓRIA. PERDA DO BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO III DO ARTIGO 2º. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL QUE DETERMINAR O RESSARCIMENTO DAS DESPESAS REALIZADAS PELO ESTADO-MEMBRO. INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO IV DO ARTIGO 2º. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 61, § 1º, INCISO II, ALÍNEA "E", E NO ARTIGO 5º, INCISO LXXIV, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL . 1. Ao contrário do afirmado pelo requerente, a lei atacada não cria ou estrutura qualquer órgão da Administração Pública local. Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. […] 7. Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar inconstitucionais os incisos I, III e IV, do artigo 2º, bem como a expressão "no prazo de sessenta dias a contar da sua publicação", constante do caput do artigo 3º da Lei n. 50/04 do Estado do Amazonas. A reserva de iniciativa material é exceção e surge apenas quando presente a necessidade de se preservar o ideal de independência entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Incumbe ao município complementar a legislação relativa à proteção do meio ambiente, pelo qual respondem indistintamente as instâncias políticas representativas dos interesses locais. Verificada a ausência de proposição normativa tendente a suprimir ou limitar as atribuições essenciais do Chefe do Executivo no desempenho da função de gestor superior da Administração, descabe cogitar de vício formal de lei resultante de iniciativa parlamentar. 3. Ante os precedentes, provejo o extraordinário para assentar a constitucionalidade da Lei nº 3.338/2009, do Município de Cubatão/SP. 4. Publiquem. (RE 729729, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 13/12/2016, publicado em DJe-017 DIVULG 31/01/2017 PUBLIC 01/02/2017).

O rol de iniciativas privativas do Chefe do Executivo, portanto, é estrito e não admite interpretação ampliativa; do contrário, ocorreria subversão e/ou perturbação do esquema organizatório funcional estabelecido na CF/88, base do princípio da conformidade funcional, que rege a interpretação dos dispositivos constitucionais. Em palavras mais simples, o intérprete da Constituição não pode chegar a uma conclusão que altere “a repartição de funções constitucionalmente estabelecidas pelo constituinte originário, como é o caso da separação de poderes” (LENZA, 2011, p. 148).

O artigo 61, § 1º, da CF/88, assim como o artigo 60, II, “d”, da CE/RS não preveem restrição expressa à deflagração de projeto de lei, por parlamentar, estabelecendo a obrigação de o Poder Público dar publicidade a informações de interesse público, a exemplo daquelas referentes aos edifícios locados para a prestação dos serviços públicos.

A propósito, matéria correlata já foi levada a julgamento em diversas ações diretas de inconstitucionalidade, cujo questionamento versou sobre a existência de vício formal de origem na instituição da obrigação de dar publicidade às obras em andamento, por meio de placas instaladas nos locais:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 3.966/2012 DO MUNICÍPIO DE GUARUJÁ. COLOCAÇÃO DE PLACAS INFORMATIVAS EM OBRAS PÚBLICAS. INICIATIVA LEGISLATIVA DE VEREADOR. NÃO CONFIGURADA VIOLAÇÃO A INICIATIVA RESERVADA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. HIPÓTESES TAXATIVAS. SUPLEMENTAÇÃO DE LEGISLAÇÃO FEDERAL E ESTADUAL CONSTITUCIONALMENTE AUTORIZADA. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE E DIREITO À INFORMAÇÃO NA EXECUÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DOS PODERES. DEFINIÇÃO DE DIMENSÕES MÍNIMAS DA PLACA CONFIGURA ATO DE ADMINISTRAÇÃO. ATRIBUIÇÃO DO PREFEITO. PRAZO DE ADAPTAÇÃO DAS OBRAS EM ANDAMENTO IRRAZOÁVEL E DESPROPORCIONAL. PRECEDENTES DO STF. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 7.945/2012 DO MUNICÍPIO DE JUNDIAÍ. COLOCAÇÃO DE PLACAS INFORMATIVAS EM OBRAS PÚBLICAS, INICIATIVA LEGISLATIVA DE VEREADOR. NÃO CONFIGURADA VIOLAÇÃO À INICIATIVA RESERVADA AO CHEFE DO EXECUTIVO. HIPÓTESES TAXATIVAS. SUPLEMENTAÇÃO DE LEGISLAÇÃO FEDERAL E ESTADUAL CONSTITUCIONALMENTE AUTORIZADA. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE E DIREITO À INFORMAÇÃO NA EXECUÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DOS PODERES. DISPOSITIVO ESPECÍFIO PREVÊ SANÇÃO ADMINISTRATIVA A SERVIDOR PÚBLICO QUE DESCUMPRE A NORMA. MATÉRIA RELATIVA AO REGIME JURÍDICO DE SERVIDOR PÚBLICO. INCIATIVA LEGISLATIVA, ESSA SIM, EXCLUSIVA DO PREFEITO MUNICIPAL. PRECEDENTE DO STF. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. (TJSP, ADI 0081889-25.2013.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Márcio Bártoli, v.u., 11-09-2013)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 2240871-35.2015.8.26.0000. AUTOR: PREFEITO DO MUNICÍPIO DE JACAREÍ. RÉU: PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE JACAREÍ. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei n° 5.965/15, do Município de Jacareí, que dispõe sobre a colocação de placas indicativas de obras públicas. Legislação que não interfere na gestão administrativa do Município. Poder de suplementar a legislação federal e estadual, dando cumprimento ao princípio da publicidade e ao dever de transparência na Administração Pública. Inexistência de vício de iniciativa. [...] Ação julgada parcialmente procedente.

Conforme defendeu o Tribunal de Justiça de SP, leis aprovadas nesse sentido não regulam a forma ou o conteúdo da prestação de serviços públicos, nem dispõem sobre as atribuições dos órgãos públicos, apenas garantindo a efetividade do direito fundamental ao acesso à informação e à transparência da atividade administrativa, razão por que inexiste violação às hipóteses de iniciativa reservada previstas constitucionalmente.

O mero fato de a norma se destinar ao Poder Executivo não contamina a proposta de vício formal de inconstitucionalidade, uma vez que, como foi observado, as hipóteses de reserva de iniciativa previstas na CF/88 e na CE/RS não admitem interpretação ampliativa, por consistirem em exceções à regra geral da iniciativa concorrente. Caso se admitisse interpretação tão rígida, o Poder Legislativo ficaria, basicamente, de mãos amarradas, impedido de exercer uma de suas funções típicas. Obviamente, não é esse o interesse da Constituição, que apenas limita os casos de iniciativa nas hipóteses em que evidentemente houver usurpação da independência e da harmonia dos demais poderes.

Por outro lado, vale destacar que, em precedentes dos anos de 2012 e 2014, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul declarou a inconstitucionalidade de leis similares:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. MUNICÍPIO DE IGREJINHA. MATÉRIA QUE VERSA SOBRE ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO. INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. Padece de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, a Lei Municipal que torna obrigatória a colocação de placas informativas nas obras públicas de infraestrutura realizadas no Município, por se tratar de matéria cuja competência privativa para legislar é da Administração. Competência exclusiva do Chefe do Executivo. Violação ao disposto nos artigos 8º, 10, 60, inciso II, e 82, inciso VII, todos da Constituição Estadual. Precedente. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70057499055, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 07/04/2014)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 1.615, DE 01 DE NOVEMBRO DE 2010, DO MUNICÍPIO DE ESTÂNCIA VELHA, QUE DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DA COLOCAÇÃO DE PLACAS DE IDENTIFICAÇÃO EM OBRAS PÚBLICAS DO MUNICÍPIO DE ESTÂNCIA VELHA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. VÍCIO DE ORIGEM. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO PREFEITO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. OFENSA AOS ARTS. 5º, 8º, 10, 60, II, "D", 82, VII, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. A Lei nº 1.615, do Município de Estância Velha, ao dispor sobre a obrigatoriedade da colocação de placas de identificação em obras públicas do Município, imiscuiu-se na organização e funcionamento da Administração. O que inquina de inconstitucionalidade a norma é exatamente o vício de iniciativa, considerando que a competência legislativa para regular tal matéria é do Chefe do Executivo. Há, pois, ingerência do Poder Legislativo em matéria de competência exclusiva do Poder Executivo Municipal, violando o princípio constitucional da independência e harmonia dos Poderes, em ofensa ao disposto nos artigos 5º, 8º, 10, 60, II, "d", e 82, VII, da Constituição Estadual. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70043214055, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 23/01/2012)

[1] Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td-122-limites-da-iniciativa-parlamentar-sobre-politicas-publicas-uma-proposta-de-releitura-do-art.-61-ss-1o-ii-e-da-constituicao-federal>.

3. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, a Procuradoria Jurídica opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 056/2022, ressaltando-se a existência de divergência jurisprudencial sobre a matéria, conforme precedentes apresentados na fundamentação.

Recomenda-se a correção do projeto, no sentido de estabelecer se só a Prefeitura de Guaíba estará obrigada ao dever de publicidade (diante da redação da ementa) ou se, como fixa o art. 1º, toda a Administração Pública direta e indireta também terá de cumprir o dever, a exemplo do Poder Legislativo, autarquias e fundações públicas municipais.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 20 de maio de 2022.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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20/05/2022 11:38:52
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