Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 036/2022
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 153/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza a abertura de Crédito Adicional Especial por Redução Orçamentária."

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 036/2022 à Câmara Municipal, o qual “Autoriza a abertura de Crédito Adicional Especial por redução orçamentária”. O projeto, incluído na pauta com autorização do Plenário, foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico, com fundamento no art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO:

Constata-se, preliminarmente, quanto à competência legislativa dos entes federados, que a matéria constante do Projeto de Lei nº 036/2022, de autoria do Poder Executivo Municipal, encontra-se inserida no âmbito de matérias de interesse local, tendo a CF/88 instituído para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber, sendo algumas matérias não nitidamente explicitadas no texto constitucional, mas sempre necessária estrita observância à simetria com os ditames do texto constitucional e respeitado o princípio da separação de poderes (art. 2º da CF/88).

Efetivamente, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

  • Auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;
  • Autogoverno, através da eleição de prefeito e vereadores;
  • Faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;
  • Autoadministração ou autodeterminação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

Alexandre de Moraes traz lição lapidar quanto à competência municipal, considerando a primordial e essencial competência legislativa do município a possibilidade de auto-organizar-se através da edição de sua Lei Orgânica. As competências legislativas dos Municípios se evidenciam, ademais, pelo princípio da predominância do interesse local, o qual tem que ver com as peculiaridades e premências do ente em questão, configurando interesses específicos mais pontualmente atrelados às precisões particulares de cada município. O E. Min. Gilmar Ferreira Mendes trata do tema com particular ilustração:

As competências implícitas decorrem da cláusula do art. 30, I, da CF, que atribui aos Municípios ‘legislar sobre assuntos de interesse local’, significando interesse predominantemente municipal, já que não há fato local que não repercuta, de alguma forma, igualmente, sobre as demais esferas da Federação. Consideram-se de interesse local as atividades, e a respectiva regulação legislativa, pertinentes a transportes coletivos municipais, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, entre outras.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, a Constituição Federal de 1988 estabelece, no artigo 165, III, ser do Poder Executivo a iniciativa para iniciar projetos de lei sobre orçamentos anuais. Tal normativa foi devidamente respeitada no caso, por ter sido o projeto apresentado pelo Poder Executivo Municipal:

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

No que diz respeito à matéria de fundo, a Lei Federal nº 4.320/64, no seu Título V, disciplina a abertura de créditos adicionais. Segundo o artigo 40, créditos adicionais são “as autorizações de despesa não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento.” Conforme estipula o artigo 41 da Lei Federal nº 4.320/64, eles podem ser classificados em três modalidades:

  • suplementares, que são destinados a reforço de dotação orçamentária;
  • especiais, que são destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica;
  • extraordinários, que são destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública (artigo 41).

Na proposição em análise, pretende-se autorização legislativa para a abertura de crédito adicional de modalidade especial. No que diz respeito a tal modalidade, o art. 42 da Lei Federal nº 4.320/64 prevê que “Os créditos suplementares e especiais serão autorizados por lei e abertos por decreto executivo.” Tal exigência foi devidamente respeitada, porquanto o pedido foi apresentado na forma de projeto de lei.

Da mesma forma, o art. 167, V, da Constituição Federal (norma reproduzida pelo artigo 109 da Lei Orgânica Municipal) exige a autorização legislativa para abertura de crédito especial ou suplementar na lei orçamentária. Dessa forma, está correta a submissão da matéria ao crivo do Poder Legislativo.

            Art. 167. São vedados:

(...)

V - a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;

Além disso, faz-se necessária para a abertura de créditos adicionais a existência de recursos disponíveis para processar a despesa, devendo ser apresentada exposição justificada, na forma do artigo 43 da Lei nº 4.320/64.

Esses recursos podem ser: a) o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior; b) os provenientes de excesso de arrecadação; c) os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais, autorizados em Lei; d) o produto de operações de credito autorizadas, em forma que juridicamente possibilite ao Poder Executivo realizá-las.

Tal exigência de indicação dos recursos disponíveis deve ser devidamente demonstrada nesse caso pela compensação que será feita com a redução de dotações orçamentárias[1], conforme indicado no Projeto de Lei do Executivo nº 036/2022, (art. 2º da proposta).

Já há o detalhamento da Suplementação Orçamentária de dotações e o detalhamento da respectiva Redução Orçamentária de dotações no corpo do texto da proposta, nos termos do art. 43, § 1º, III, da Lei nº 4.320/64.

Dispõe ainda a Lei de Diretrizes Orçamentárias - Lei nº 3.924, de 20 de novembro de 2020, em seu art. 26, o que foi devidamente observado, para além dos critérios de ordem contábil, os quais refogem às atribuições desta Procuradoria:

Art. 26. Os projetos de lei relativos a créditos adicionais serão apresentados com a classificação da estrutura programática da mesma forma que apresentado na lei orçamentária anual, observado o art. 12 da Lei Complementar nº 101, de 2000.

(...)

§ 2º Acompanharão os projetos de lei relativos a créditos adicionais:

I - as exposições dos motivos que os justifiquem;

Está corretamente prevista no art. 3º da proposta a necessária alteração da ação orçamentária no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias, a fim de ser possível alocar recursos com a compatibilização de seus efeitos no PPA e na LDO.

Não é demasiado enfatizar novamente que refoge a esta Procuradoria Jurídica a análise técnico-contábil da proposição ora em análise. Porém, cabe ressaltar que as alterações devem observar o instrumento contábil adequado para as adequações decorrentes de reforma administrativa, devendo-se verificar o cabimento do remanejamento, da transposição ou da transferência, nos termos do art. 27 da LDO[2] e do art. 167, VI, da CF, ou mesmo de crédito adicional suplementar, pois, por exemplo, nas transferências as atividades envolvidas continuam em franca execução, enquanto nos créditos adicionais especiais ocorre a implantação de uma atividade nova.[3]

De acordo com José Ribamar Furtado, “A realidade é que, desde a edição do Código de Contabilidade Pública, em 8 de novembro de 1922, os créditos adicionais – suplementares, especiais e extraordinários – são tidos e havidos como as únicas formas de alteração do orçamento no decorrer do exercício financeiro, estando ainda em desuso as técnicas previstas no art. 167, VI, da Constituição Federal. No entanto, enfatiza-se que “A não-efetividade dessa norma constitucional, e até mesmo o desconhecimento do seu significado, é impulsionada pela facilidade que se tem na abertura de crédito adicional, cuja autorização pode estar prevista na lei orçamentária, o que não ocorre com os procedimentos de estorno de verba, que devem sempre ser autorizados por leis específicas”.

Por exercerem, democraticamente, o controle social sobre as dotações orçamentárias de cada pasta, os Conselhos Municipais, quando tiverem caráter deliberativo, devem ser necessariamente consultados se as eventuais modificações que se buscam implementar na lei orçamentária anual importem em modificação quantitativa ou qualitativa de recursos nas dotações orçamentárias das áreas da saúde, da assistência social e da educação. Para as áreas da saúde, da assistência social e da educação, essa obrigação deriva de diplomas específicos: art. 33 da Lei Federal nº 8.080/90 (saúde), art. 84 da Resolução nº 33, de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Assistência Social e art. 30, IV e art. 33, II, da Lei Federal nº 14.113/2020 (Educação). 

Além disso, importante salientar que, para as alterações em orçamentos da saúde, o artigo 33 da Lei Federal nº 8.080/90 prevê que “Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) serão depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob a fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde.” A proposta veiculada no Projeto de Lei nº 036/2022 não foi devidamente aprovada pelo Conselho Municipal de Saúde de Guaíba e nem pelo Conselho Municipal de Educação.

[1]Por exercerem, democraticamente, o controle social sobre as dotações orçamentárias de cada pasta, os Conselhos Municipais, quando tiverem caráter deliberativo, devem ser necessariamente consultados se as eventuais modificações que se buscam implementar na lei orçamentária anual importem em modificação quantitativa ou qualitativa de recursos nas dotações orçamentárias das áreas da saúde, da assistência social e da educação. Para as áreas da saúde, da assistência social e da educação, essa obrigação deriva de diplomas específicos: art. 33 da Lei Federal nº 8.080/90 (saúde), art. 84 da Resolução nº 33, de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Assistência Social e art. 24, § 9º, da Lei Federal nº 11.494/07 (educação). 

[2]Art. 27. Fica o Poder Executivo, mediante decreto, autorizado a efetuar transposição, remanejamento e transferências de dotações orçamentárias.

(...)

II - Remanejamento - deslocamento de créditos e dotações relativos à extinção, desdobramento ou incorporação de unidades orçamentárias à nova unidade ou, ainda, de créditos ou valores de dotações relativas a servidores que haja alteração de lotação durante o exercício;

[3]José de Ribamar Caldas Furtado, Créditos adicionais versus transposição, remanejamento ou transferência de recursos, REVISTA DO TCU 106, out/dez 2005.

3. Conclusão:

Diante do exposto, verificadas as observações quanto aos instrumentos contábeis adequados para realizar as adequações orçamentárias, a Procuradoria opina, no aspecto estritamente jurídico, pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 036/2022, de iniciativa do Poder Executivo Municipal, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, havendo o detalhamento da Suplementação Orçamentária de dotações e o detalhamento da respectiva Redução Orçamentária de dotações no corpo do texto da proposta, nos termos do art. 43, § 1º, III, da Lei nº 4.320/64.

É necessária a correção dos valores do artigo 1º, para que conste “R$ 252.000,00” e não “R$ 20.000,00” como constou na redação original.

 

É necessário que o Poder Executivo Municipal acoste aos autos a devida aprovação da alteração pelo COMUSA, nos termos do artigo 33 da Lei Federal nº 8.080/90 e do Conselho Municipal da Educação, nos termos do art. 30, IV, e art. 33, II, da Lei Federal nº 14.113/2020.

É o parecer.

Guaíba, 10 de maio de 2022.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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17/05/2022 13:54:53
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