Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 037/2022
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 147/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 2.586 de 20 de abril de 2010, que dispõe sobre o Estatuto do Servidor Público do Município de Guaíba"

1. Relatório

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 037/2022 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal nº 2.586 de 20 de abril de 2010, que dispõe sobre o Estatuto do Servidor Público do Município de Guaíba”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO

No que diz respeito à competência, não há qualquer óbice à propositura legislativa em apreço. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”. Luís Roberto Barroso destaca a autonomia municipal para se auto-organizar:

Ressalte-se, por oportuno, que a capacidade de auto-organização é, do ponto de vista formal, a mais relevante manifestação da autonomia às Unidades federadas e o poder de se estruturarem tal qual um Estado, gozando de titularidade de funções da mesma natureza daquelas que compõem o Estado federal.[1]

A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o Projeto de Lei do Executivo apresentado propõe alterações no Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Guaíba, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito, consoante a pacífica jurisprudência do E. STF:

Ao provocar alteração no regime jurídico dos servidores civis do Estado do Rio Grande do Sul e impor limitações ao exercício da autotutela nas relações estatutárias estabelecidas entre a administração e seus servidores, a LC estadual 11.370/1999, de iniciativa parlamentar, padece de vício formal e material de incompatibilidade com a CF. [ADI 2.300, rel. min. Teori Zavascki, j. 21-8-2014, P, DJE de 17-9-2014.]

(...) a norma prevista em Constituição estadual vedando a estipulação de limite de idade para o ingresso no serviço público traz em si requisito referente ao provimento de cargos e ao regime jurídico de servidor público, matéria cuja regulamentação reclama a edição de legislação ordinária, de iniciativa do chefe do Poder Executivo. [ADI 2.873, rel. min. Ellen Gracie, j. 20-9-2007, P, DJ de 9-11-2007.] = ADI 2.856, rel. min. Gilmar Mendes, j. 10-2-2011, P, DJE de 1º-3-2011

Para os fins do direito municipal, relevante é ainda a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, já que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Portanto, foram respeitadas a iniciativa e a competência para a propositura do Projeto de Lei do Executivo nº 037/2022, já  que apresentado pelo Chefe do Poder Executivo Municipal, enquanto responsável pelo regime jurídico dos servidores públicos municipais.

A respeito do teor do Projeto de Lei do Executivo nº 037/2022, tem-se que o seu objetivo é alterar o inc. VI do art. 106 do Estatuto do Servidor Público do Município de Guaíba, a fim de aumentar a margem de empréstimos consignados para 35%, em consideração ao pedido apresentado pelo Sindicato dos Professores do Município de Guaíba.

A exposição de motivos justifica a apresentação do projeto com o argumento de facilitar o acesso ao crédito consignado aos servidores e suas famílias, que foram atingidos pelos impactos advindos do contexto pandêmico, o que irá auxiliá-los no reequilíbrio financeiro e proporcionar condições mais favoráveis de reaquecimento da economia municipal.

Em exame da legislação municipal, observa-se que as averbações das consignações em folha de pagamento estão previstas no art. 106 da Lei nº 2.586/2010, estabelecendo em 30% o limite da margem para consignação facultativa de operações de crédito:

Art. 106. É permitida a consignação sobre o vencimento e as parcelas permanentes da remuneração do servidor, desde que expressamente autorizada, visando à garantia de:

I - quantia devida à Fazenda Pública;

II - cota para o cônjuge ou dependente, em cumprimento de decisão judicial;

III - contribuição para aquisição de casa própria;

IV - contribuição dos sistemas de saúde e assistência social;

V - contribuições para mensalidade de sindicatos e associações de servidores.

VI - Acesso a concessão de crédito ao servidor por instituição financeira interessada, que não ultrapasse a 30% (trinta por cento) de sua remuneração líquida. (Redação acrescida pela Lei nº 3199/2014)

Por efeito da Lei Municipal nº 4.020/2021, foi acrescentado o parágrafo único ao art. 106 a fim de autorizar o acréscimo de 5% de margem consignável até 31 de dezembro de 2021, tratando-se, portanto, de norma com vigência esgotada. Logo, a proposição apresentada se justifica na medida em que busca aumentar definitivamente a margem consignável para 35%, em atenção ao pedido apresentado pelo sindicato.

Para elucidar a natureza jurídica e os parâmetros acerca das consignações em folha de pagamento dos servidores, a título de conhecimento, cabe elencar posicionamento paradigmático do STJ, no sentido de que a fixação de percentual máximo para os descontos consignáveis possui o objetivo de evitar a privação de recursos indispensáveis à sobrevivência do servidor, com base no princípio da dignidade da pessoa humana:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. LIMITAÇÃO A 30% DOS VENCIMENTOS. ENTENDIMENTO FIRMADO NO STJ. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DEMONSTRADO. RECURSO ORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA FUNDAMENTADA EM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Trata-se, em suma, da limitação dos descontos efetuados mediante consignações em folha de pagamento, fixados em 40% dos vencimentos dos servidores públicos do Estado do Mato Grosso do Sul. 2. A jurisprudência pacífica desta Corte Superior está firmada no sentido de que "ante a natureza alimentar do salário e do princípio da razoabilidade, os empréstimos com desconto em folha de pagamento (consignação facultativa/voluntária) devem limitar-se a 30% (trinta por cento) dos vencimentos do trabalhador" (REsp 1.186.965/RS, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJe 03.02.2011). Outros precedentes do STJ. 3. Em suma, a fixação de percentual máximo para os descontos consignáveis visa a evitar a privação de recursos indispensáveis à sua sobrevivência e a de sua família, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, e se configura como meio para facilitar o pagamento de dívida, não como garantia de pagamento.

Por fim, como o Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Guaíba é uma Lei Complementar (art. 46, inciso VI, da LOM), só pode ser alterado por outra lei da mesma natureza, aprovada por maioria absoluta, razão pela qual devem ser garantidas à proposição a ampla divulgação e a realização de consulta pública para o recebimento de sugestões, na forma do § 1º do art. 46 da Lei Orgânica Municipal:

Art. 46 São leis complementares que dependem da aprovação da maioria absoluta dos membros da Câmara:

I - código de obras;

II - código de posturas;

III - código tributário;

IV - plano diretor;

V - código do meio ambiente;

VI - estatuto do servidor público;

VII - planos de carreira dos servidores;

VIII - lei que trata da elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

§ 1º Observado o Regimento Interno da Câmara Municipal, é assegurada a ampla divulgação e a realização de consulta pública aos projetos de leis complementares referidos no caput para recebimento de sugestões.

Quanto ao disposto no § 1º do art. 46 da LOM, o Regimento Interno estabelece a obrigatoriedade de divulgação de projetos de lei complementar com a maior amplitude possível com prazo de 15 dias para apresentação de sugestões:

Regimento Interno:

Art. 135. São objeto de Lei Complementar, entre outros:

I - código de obras;

II - código administrativo;

III - código tributário e fiscal;

IV - lei do plano diretor;

V - estatuto dos funcionários públicos;

VI - código de posturas;

VII - aquelas determinadas pela Lei Orgânica.

§ 1º Os Projetos de Lei Complementar serão examinados pelas Comissões Permanentes.

§ 2º Dos projetos de códigos e respectivas exposições de motivos, antes de submetidos à discussão, será dada divulgação com maior amplitude possível.

§ 3º Dentro de 15 (quinze) dias, contados da data da divulgação de tais projetos, qualquer cidadão ou entidade poderá apresentar sugestões ao Presidente da Câmara, que as encaminhará às Comissões Permanentes.

[1] Barroso, Luís Roberto, Direito Constitucional Brasileiro: O Problema da Federação, Rio de Janeiro, p. 22.

3. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do PLE nº 037/2022, observada a necessidade de ampla divulgação nos termos do art. 46 da LOM para o recebimento de sugestões e aprovação por maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal, por tratar-se de projeto de lei complementar.

Guaíba, 6 de maio de 2022.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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06/05/2022 15:31:44
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