Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 031/2022
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 114/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre o pagamento de complemento no vencimento básico do Nível I da carreira dos profissionais da educação básica do magistério público municipal, na forma que especifica, em observância ao disposto no artigo 212-A,inciso XII, da Constituição Federal"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 031/2022 à Câmara Municipal, o qual “Dispõe sobre o pagamento de complemento no vencimento básico do Nível I da carreira dos profissionais da educação básica do magistério público municipal, na forma que especifica, em observância ao disposto no artigo 212-A, inciso XII, da Constituição Federal”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno.

2. funções da procuradoria jurídica

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO:

3.1 Da competência legislativa e da iniciativa do processo legislativo

 

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

No mesmo sentido, o artigo 6º, inciso I, da Lei Orgânica Municipal (LOM) refere: “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

A pretendida instituição de complemento salarial no vencimento básico do Nível I para os profissionais do Magistério Público Municipal é matéria que se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular tema de competência legislativa não privativa da União (art. 22 da CF/88), o Projeto de Lei nº 031/2022 busca, no estrito âmbito local, ajustar por meio de completivo o valor da tabela do inciso I do art. 61 da Lei Municipal nº 2.734, de 10 de maio de 2011, referente ao nível I dos cargos efetivos do magistério municipal, ao piso nacional do magistério.

No que diz respeito à iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto objetiva alterar a remuneração do nível I dos cargos efetivos do magistério municipal, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual quanto à iniciativa para o processo legislativo, já que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS).

Nesse caso, refere o art. 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o art. 119 da LOM reproduz as hipóteses de iniciativa legislativa privativa do Prefeito, nos seguintes termos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Portanto, a proposta está adequada sob os aspectos da competência legislativa e da iniciativa, estando também apropriada a espécie normativa adotada para veicular a matéria, considerando que o art. 37, inciso X, da CF/88 exige lei específica para alterar a remuneração de servidores públicos e já existe disposição dessa natureza a tratar do tema (Lei Municipal nº 2.734/2011).

 

3.2 Dos aspectos materiais da proposição legislativa

 

De acordo com a exposição de motivos, a proposta foi apresentada tendo em vista que:

- “Atualmente, alguns profissionais efetivos do magistério público municipal, pertencentes ao Nível I da carreira, que pelo resultado do cálculo entre o Valor Referencial e o Fator de Multiplicação, constantes dos arts. 61 e 62 da Lei no 2.734/2011 – Plano de Carreira do Magistério Público Municipal, acabam por possuir vencimento básico abaixo do valor definido como piso salarial profissional nacional do magistério. São, desta forma, tão somente estes que são alcançados por este Projeto de Lei, para o fim de receberem este pagamento por intermédio de completivo, como já vem acontecendo, porém, agora, ratificado pela regulamentação desta norma., a fim de que nenhum membro tenha vencimento inferior ao piso nacional profissional da categoria”;

- “Outrossim, cumpre informar que em ação judicial movida pela categoria, por ocasião de decisão em sede do agravo de instrumento interposto pelo Executivo Municipal, restou reconhecido o direito do pagamento do piso, porém, tão somente para aqueles servidores do Nível I, os quais percebem vencimento básico abaixo do piso nacional do Magistério, decisão que ratificou conduta que já vinha acontecendo, através de ato administrativo do pagamento por completivo.”;

- “... foram realizados estudos orçamentários que concluíram pela inviabilidade orçamentária de implementar o valor do piso nacional no valor referencial previsto no plano de carreira, eis que, atualmente, o atendimento desta reivindicação faria o município ultrapassar substancialmente o limite de gastos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o que traria consequências drásticas ao município, inviabilizando a gestão”.

O piso salarial nacional dos profissionais do magistério público da educação básica é uma conquista obtida com o advento da Emenda Constitucional nº 53/2006, a qual introduziu, no inciso VIII do art. 206 da CF/88, o direito a que todo profissional dessas carreiras tenha o seu vencimento inicial fixado em valor igual ou superior a um parâmetro estipulado em lei, medida inspirada no princípio constitucional da valorização dos profissionais da educação escolar, também positivado pela Emenda Constitucional nº 53/2006 no art. 206, inciso V. A referida emenda constitucional ainda criou uma regra transitória, disposta no ADCT da CF/88, no sentido de que a lei deve dispor sobre prazo para a fixação, em lei específica federal, do piso salarial nacional dos profissionais do magistério público da educação básica (art. 60, inciso III, alínea “e”).

De tal cenário surgiu a Lei Federal nº 11.738, de 16 de julho de 2008, que veio a regulamentar a alínea “e” do inciso III do art. 60 do ADCT, estabelecendo regras sobre o piso salarial nacional da categoria. Dispõe o seu art. 2º, § 1º, que “O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais.” Ou seja, o piso salarial profissional nacional é o valor mínimo de vencimento inicial dos cargos da categoria, abaixo do qual os entes federados não poderão estabelecer para os seus servidores, a fim de que seja respeitado o mandamento constitucional da valorização dos profissionais da educação.

Dispõe o § 2º do art. 2º que “Por profissionais do magistério público da educação básica entendem-se aqueles que desempenham as atividades de docência ou as de suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no âmbito das unidades escolares de educação básica, em suas diversas etapas e modalidades, com a formação mínima determinada pela legislação federal de diretrizes e bases da educação nacional.” Também prevê o § 3º do art. 3º que “Os vencimentos iniciais referentes às demais jornadas de trabalho serão, no mínimo, proporcionais ao valor mencionado no caput deste artigo.” Isto é, para os entes federados que adotem jornadas de trabalho inferiores a 40 (quarenta) horas, é obrigatório que, no mínimo, seja garantida a proporcionalidade do valor fixado como piso salarial na Lei Federal nº 11.738/2008.

O valor fixado inicialmente pela Lei nº 11.738/2008 foi de R$ 950,00 mensais, para a formação em nível médio na modalidade normal (art. 2º, caput). Tal valor, segundo a lei, deve ser atualizado anualmente, no mês de janeiro, utilizando-se para tanto uma forma própria de cálculo, que deve seguir o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei Federal nº 11.494/2007 (art. 5º, caput e parágrafo único).

A forma de cálculo adotada pelo Município de Guaíba para definir o vencimento básico dos cargos é o resultado da classe e do nível a que o servidor pertence. As classes são divididas em A, B, C, D, E, F e G, constituindo a linha de promoção dos membros do magistério (art. 8º da Lei Municipal nº 2.734/2011). Os níveis, por sua vez, são a linha de habilitação dos membros do magistério, dividindo-se em I (ensino médio – habilitação normal), II (ensino superior – licenciatura plena), III (pós-graduação – lato sensu), IV (mestrado) e V (doutorado), conforme prevê o art. 20 da mesma lei.

Todo cargo se inicia na classe A (art. 9º da Lei Municipal nº 2.734/11). Os níveis, por outro lado, são calculados com base no valor referencial (P.R.), sendo que o menor deles é equivalente a “1,0 x P.R.” (nível I), isto é, corresponde exatamente ao valor referencial. Os demais níveis têm fórmulas que agregam valores maiores, sendo “1,5 x P.R.” para o nível II, “1,7 x P.R.” para o nível III, “1,8 x P.R.” para o nível IV e “2,0 x P.R.” para o nível V.

O piso salarial profissional nacional, como prevê o § 2º do art. 2º da Lei Federal nº 11.738/2008, “é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais.”, sendo, em 2022, para 40 horas, o valor de R$ 3.845,63 mensais para formação em nível médio, na modalidade normal - Portaria nº 67, de 04 de fevereiro de 2022, do Ministro de Estado da Educação, confirmando essa diretriz, já indicada em nota do Ministério da Educação – MEC publicada em 27 de janeiro de 2022.

A proposição, nesse sentido, vem exatamente com o propósito de garantir que o piso salarial profissional nacional continue sendo respeitado no Município de Guaíba, se não houvesse alguma modificação, seja pelo acréscimo de percentual no nível I, seja pela atualização do próprio valor referencial.

O detalhe é que o Município de Guaíba tem por prática a atualização do próprio valor referencial que serve de base de cálculo dos níveis com o percentual de atualização do piso salarial nacional. Ou seja, a atualização do valor referencial com base no percentual de atualização do piso salarial acabava por repercutir financeiramente nos servidores dos demais níveis, por ser alterada a própria base de cálculo sobre a qual incidem os fatores de multiplicação “1,0”, “1,5”, “1,7”, “1,8” e “2,0”.

Na proposta em análise, utiliza-se sistemática diferente para garantir o cumprimento do piso salarial: em vez de atualizar o valor referencial (“P.R.”) com o mesmo percentual de atualização do piso (33,23%), optou-se por adotar a implementação de completivo.

Nesses termos, importa lembrar que o piso salarial nacional representa apenas o valor abaixo do qual é vedado os entes federados estabelecerem os vencimentos dos cargos da educação básica (art. 2º, § 1º, da Lei Federal nº 11.738/2008), ou seja, é o valor mínimo de vencimento dos profissionais da educação, sendo que os percentuais de atualização fixados anualmente para o piso não geram impacto sobre as classes e os níveis mais elevados na carreira, pois já estão acima do mínimo.

Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.426.210-RS, afetado para julgamento de recursos repetitivos, sendo definida a seguinte tese, aplicável a todos os casos semelhantes: “A Lei n. 11.738/2008, em seu art. 2º, § 1º, ordena que o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica deve corresponder ao piso salarial profissional nacional, sendo vedada a fixação do vencimento básico em valor inferior, não havendo determinação de incidência automática em toda a carreira e reflexo imediato sobre as demais vantagens e gratificações, o que somente ocorrerá se estas determinações estiverem previstas nas legislações locais”.

Portanto, tem-se que o método utilizado pelo proponente para fazer com que o vencimento inicial do menor nível (“I”) e classe (“A”) dos cargos efetivos do magistério público fique acima do piso salarial nacional não afronta as normas constitucionais nem a Lei Federal nº 11.738/2008, uma vez que, segundo decidiu o STJ, em julgamento de recurso especial repetitivo, a Lei nº 11.738/2008 determina apenas o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica, não havendo determinação de incidência automática das atualizações do piso nacional em toda a carreira e reflexo imediato sobre as demais vantagens e gratificações:

 

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5061403-74.2020.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Reajustes de Remuneração, Proventos ou Pensão

RELATOR: DESEMBARGADOR ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA

AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE GUAÍBA

AGRAVADO: SINDICATO DOS PROFESSORES DO MUNICIPIO DE GUAIBA

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. AÇÃO COLETIVA. MUNICÍPIO DE GUAÍBA. PISO NACIONAL DO MAGISTÉRIO. REAJUSTE PREVISTO NA LEI MUNICIPAL N. 3.885/2020 QUE NÃO ALCANÇA O VALOR DO PISO NACIONAL SOMENTE EM RELAÇÃO AOS PROFESSORES DO NÍVEL 01, EM RAZÃO DA FORMA DE CÁLCULO DO VENCIMENTO BÁSICO PREVISTA NO ART. 61 DA LM 2.734/2011. LIMITAÇÃO DA EXTENSÃO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.

DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, a fim de limitar a concessão da tutela de urgência aos professores ocupantes do Nível I, com escopo de que seus vencimentos básicos alcancem, para o ano de 2020, o valor de R$1.443,12 para uma jornada de trabalho de 20h semanais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 31 de janeiro de 2022.

 

Cabe colacionar precedentes que tecem importantes considerações acerca da matéria, especificamente quanto ao entendimento de tal parcela complementar não possuir o condão de preencher o disposto na Lei Federal nº 11.738/2008, mormente se não forem utilizadas como base de cálculo das vantagens que normalmente incidem sobre o vencimento básico (previsão do art. 2º, parágrafo único do PLE nº 031/2022):

 

APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE CAÇAPAVA DO SUL. INATIVO. NÌVEL ESPECIAL. IMPLEMENTAÇÃO E PAGAMENTO DO PISO SALARIAL INSTITUÍDO PELA LEI FEDERAL Nº 11.738/08. O piso salarial tem assento constitucional, em decorrência do próprio valor dado pela Carta Magna à educação, elevada à condição de direito social (art. 6º), cujo ensino deverá ser ministrado com base em princípios, destacando-se a valorização do profissional da educação escolar pública e a fixação do piso salarial (art. 206, inc. VIII). A Lei Federal nº 11.738/2008 regulamentou o piso salarial nacional dos profissionais do magistério público da educação básica, referido pela alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do ADCT. A questão da implantação do piso salarial foi levada à discussão no Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI 4167, proposta por Governadores de alguns Estados Brasileiros. No julgamento da ação, o STF, em voto da relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, declarou a constitucionalidade dos dispositivos atacados, em especial de que o piso é o vencimento, assim entendido como o valor básico pago ao professor, sem o acréscimo das demais vantagens do cargo. Além disso, o voto deixou claro que a fixação do piso salarial nacional não violou a reserva de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo local (art. 61, § 1º, II, da CF) ou mesmo o pacto federativo (artigos 1º, caput, 25, caput e § 1º, e 60, § 4º, I). Inexistência, igualmente, de afronta a leis orçamentárias e preceitos da Lei Complementar nº 101/2000. Valor do vencimento básico que, para fins do piso, é o padrão inicial da carreira. Para fins de alcance da aludida legislação aos aposentados, não se pode perder de vista aquilo que está disposto no artigo 2º, § 5º, da Lei nº 11.738/08, bem como o decidido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 590260/SP, com repercussão geral reconhecida, no sentido de que os “servidores que ingressaram no serviço público antes da EC 41/2003, mas que se aposentaram após a referida emenda, possuem direito à paridade remuneratória e à integralidade no cálculo de seus proventos, desde que observadas as regras de transição especificadas nos arts. 2º e 3º da EC 47/2005”. O Município de Caçapava do Sul não vinha cumprindo com o Piso Nacional do Magistério em relação aos professores enquadrados no Nível Especial, como é possível verificar do art. 44, incisos I e II, da Lei nº 2.550/10, com as alterações efetuadas pelas leis subsequentes, nºs 2.972/12 e 3.509/15, das quais se extrai que mesmo na classe mais alta do Nível Especial, a “E”, o patamar vencimental é inferior ao padrão de referência da carreira do magistério municipal, correspondente ao Nível 1, Classe A, pelo menos até o ano o final do ano de 2014. Os níveis em extinção, embora não sirvam como parâmetro para a fixação dos demais níveis da carreira do magistério municipal, não podem servir de escusa para a Administração Municipal entregar valores inferiores ao piso nacional do magistério aos seus ocupantes, por força da previsão expressa do art. 2º da Lei nº 11.738/08, ao dispor que o valor do piso aplica-se também para a formação em nível médio, na modalidade Normal, prevista no art. 62 da Lei no 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. O complemento salarial instituído pela Lei Municipal nº 2.972/12 aos vencimentos dos profissionais do magistério público municipal integrantes dos níveis especiais em extinção que não atingirem o piso salarial nacional previsto na Lei nº 11.738/08 não significa o cumprimento da Lei do Piso, pois não apenas a Lei nº 2.972/12 entrou em vigor apenas em 29/05/2012, como também não há qualquer indicação legal de que os completivos são utilizados como base de cálculo das vantagens que normalmente incidem sobre o vencimento básico, resultando em prejuízo para o servidor. APELOS DESPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO.(Apelação e Reexame Necessário, Nº 70069985513, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em: 26-04-2018)

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MUNICÍPIO DE PELOTAS. PISO NACIONAL DO MAGISTÉRIO. DIFERENÇAS DEVIDAS. COMPLETIVO PAGO. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. Ainda que o pagamento de parcelas de “completivo” não possuam o condão de atender o Piso Nacional do Magistério, é imperativa a compensação de tais parcelas na apuração devida, sob pena de enriquecimento sem causa. Precedente dessa Câmara. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.

Pois bem. Inicialmente, impera observar que o Município de Pelotas instituiu as Leis nº 5.548/2009 e nº 5.684/2010 com a expressa finalidade de equiparar a remuneração dos servidores do magistério ao piso nacional. Todavia, esta Câmara firmou posicionamento que o pagamento de tal parcela complementar não possui o condão de cumprir o disposto na Lei Federal nº 11.738/08.

(Agravo de Instrumento, Nº 70085377679, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em: 28-10-2021)

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PISO NACIONAL DO MAGISTÉRIO. MUNICÍPIO DE PELOTAS. COMPLETIVO DO PISO DO MAGISTÉRIO. VALOR QUE DEVE SER ABATIDO DAS DIFERENÇAS DEVIDAS, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO INDEVIDO. 1. Muito embora o completivo instituído pelo Município não tenha atingido a sua finalidade - assegurar ao servidor público a percepção do valor correspondente ao piso nacional do magistério, referida parcela completiva, no entanto, não pode ser desconsiderada quando da apuração das diferenças entre o valor percebido pelo servidor e o valor que deveria ter sido pago pelo Município a título de piso nacional. 2. As parcelas pagas a título de completivo, por fora do básico, portanto, para aproximar o padrão mensal ao valor do piso nacional do magistério, devem ser abatidas das diferenças apuradas em liquidação, sob pena de o servidor receber valores superiores às diferenças realmente determinadas no título judicial, em evidente prejuízo aos cofres públicos e de locupletamento indevido do servidor. 3. Impugnação ao cumprimento de sentença acolhida na origem. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 70084740976, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Uhlein, Julgado em: 12-02-2021)

 

3.3 Das exigências orçamentário-financeiras

 

Além do atendimento da competência e da iniciativa, o projeto para a concessão de aumentos de vencimentos ou remuneração deve demonstrar o cumprimento de requisitos de natureza orçamentária, previstos no artigo 169, § 1º, da CF/88 e nos artigos 17, 20 e 22 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Prevê o artigo 169, caput e § 1º, da CF/88:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: (Renumerado do parágrafo único, pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Na Lei de Responsabilidade Fiscal, preceituam os arts. 15, 16 e 17:

Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.

Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:

I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes;

II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.

§ 1º Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.

§ 2º Para efeito do atendimento do § 1º, o ato será acompanhado de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no § 1º do art. 4º, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa.

§ 3º Para efeito do § 2º, considera-se aumento permanente de receita o proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 4º A comprovação referida no § 2º, apresentada pelo proponente, conterá as premissas e metodologia de cálculo utilizadas, sem prejuízo do exame de compatibilidade da despesa com as demais normas do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias.

§ 5º A despesa de que trata este artigo não será executada antes da implementação das medidas referidas no § 2º, as quais integrarão o instrumento que a criar ou aumentar.

§ 6º O disposto no § 1º não se aplica às despesas destinadas ao serviço da dívida nem ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da Constituição.

§ 7º Considera-se aumento de despesa a prorrogação daquela criada por prazo determinado.

Como prevê o art. 15 da Lei de Responsabilidade Fiscal, são consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público as despesas que não observem às exigências dos arts. 16 e 17. Ambos os dispositivos exigem a estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que o ato deva entrar em vigor e nos dois subsequentes, com a diferença de que, no art. 17, tal ato só será obrigatório quando se tratar de despesa obrigatória de caráter continuado (aquela que fixe para o ente uma obrigação por período superior a dois anos).

Conforme material divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional, vinculada ao Ministério da Fazenda, a fase de proposição legislativa é regulada especificamente pelo art. 17 da LRF, enquanto a fase executiva do ato se subordina ao disposto no art. 16[1]:

A LRF determina que a geração de despesa deve atender aos artigos 16 e 17. Cada artigo, no entanto, trata de características específicas da geração de despesa ou assunção de obrigação como o rito de execução e o tipo de despesa.

O artigo 16 traz a exigência de que a criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental que acarrete aumento de despesa será acompanhada da estimativa de impacto orçamentário e é condição prévia para empenho e licitação. O controle, portanto, está centrado na fase de execução do orçamento.

Já o artigo 17 envolve proposição legislativa para criação de uma despesa obrigatória e a estimativa do impacto orçamentário é condição prévia para a proposição de lei, medida provisória ou ato administrativo, tratando-se, pois, da fase de aprovação do orçamento.

Ambos os artigos trazem como regra geral de criação de despesa a estimativa do impacto orçamentário financeiro. No entanto, devido às características peculiares dessas despesas, existem momentos distintos para apresentação da estimativa, quais sejam:

a) Art. 16: Inclusão do gasto na LOA e, em momento posterior, no processo inicial da licitação;

b) Art. 17: Proposição de lei, medida provisória ou ato administrativo de criação da despesa.

Consequentemente, como a proposição veicula uma despesa obrigatória de caráter continuado, por possuir período de execução superior a dois anos, existe a necessidade de apresentação de estimativa de impacto orçamentário-financeiro nesta fase de tramitação legislativa, para que as comissões permanentes possam apurar se a alteração proposta está em consonância com as peças orçamentárias (art. 169, § 1º, da CF/88) e com os limites de despesa com pessoal (arts. 19 e 20 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF):

Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:

I - União: 50% (cinquenta por cento);

II - Estados: 60% (sessenta por cento);

III - Municípios: 60% (sessenta por cento).

Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais:

[...]

III - na esfera municipal:

b) 54% (cinquenta e quatro) para o Executivo.

Assim, registra-se, desde já, que a viabilidade jurídica da proposta legislativa está condicionada à apresentação de estimativa de impacto orçamentário-financeiro (art. 17 da LRF) que comprove a sua compatibilidade com as peças orçamentárias e com os limites de despesa com pessoal.

3.3.1. A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL E O PISO NACIONAL DO MAGISTÉRIO - CONSIDERAÇÕES

A Lei de Responsabilidade Fiscal dispõe, em síntese, que, se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite por ela previsto, o Município fica proibido de conceder vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração, salvo os que derivarem de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual.

Quanto a esse aspecto, cabe registrar que há significativa divergência.

Alguns Tribunais de Contas consideram que a ultrapassagem do limite de despesas com pessoal não constitui óbice para o pagamento do piso nacional, ainda que isto implique aumento de gastos. Um dos fundamentos é que a própria Lei Complementar n.º 101/2000 excepciona no seu art. 22, parágrafo único, inciso I, que as determinações legais são exceção as proibições impostas aos gestores quando o município tiver superado o limite legal de pessoal.

O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), na consulta processo nº 1.098.501, esclareceu que “O pagamento do piso nacional do magistério e a sua atualização anual foram assegurados pela Lei nº 11.738/08 e, por isso, estão excepcionados da proibição de concessão de benefícios que impliquem aumento de despesa”:

Ressalta-se que tal vedação (do artigo 22 da LRF) não alcança a possibilidade de pagamento da atualização atual e anual do piso nacional do magistério, inclusive em respeito à consulta já deliberada por este Tribunal de Contas.

Ainda no âmbito do TCE-MG, o Acórdão nº 1294/19 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 30413-7/19) estabelece que a revisão geral anual é garantida pelo inciso X do artigo 37 da CF/88 e expressamente ressalvada pela LRF, mesmo na hipótese de extrapolação do limite de gastos com pessoal, sendo que esse mesmo acórdão, que tem força normativa, também expressa que a Lei do Piso fixou um valor mínimo a ser recebido pelo magistério; e é vedado ao ente público que tenha ultrapassado o limite prudencial de gastos com pessoal estender o aumento, decorrente do reajuste do piso nacional do magistério, de forma automática aos vencimentos que estejam fixados em patamar superior.

Na mesma linha, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná aduziu que “o Município deve promover o reajuste dos vencimentos iniciais do magistério público da educação básica para adequação ao piso salarial nacional, mesmo que esteja ultrapassando o limite de despesas com pessoal”. Ademais, o TCE-PR deliberou que a majoração deve abranger apenas os profissionais cujos vencimentos iniciais sejam inferiores ao piso. O Acórdão nº 3864/19 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 43475-4/18) complementou a resposta concedida por meio do Acórdão nº 1294/19 com a orientação de que, nos termos do inciso I do artigo 22 da LRF, o município que atingir o limite prudencial está autorizado a atualizar os vencimentos do magistério fixados em valor equivalente ao piso salarial nacional, em cumprimento à determinação contida na Lei Federal nº 11.738/2008.[2] No Processo nº: 441398/20 Acórdão nº 1011/21 - Tribunal Pleno, ficou esclarecida a questão:

No questionamento 2, indaga-se que, sendo possível a aplicação do reajuste em atendimento à Lei nº 11.738/08, qual seria o procedimento a ser adotado, haja vista que alguns professores já recebem o piso salarial nacional, enquanto outros não. Pelo aumento a ser aplicado, decorrente de imposição legal, deve-se assegurar que nenhum profissional do magistério receba vencimentos iniciais em patamar inferior ao piso nacional anualmente fixado. Não se trata, portanto, de espécie de reajuste geral anual para toda carreira do magistério público. Nesse viés, inexiste fundamento jurídico para que se estenda aos demais integrantes da carreira o índice de reajuste devido aos profissionais que, contrariamente à lei, percebem vencimentos abaixo do piso. Dúvida similar foi sanada por este Tribunal, por meio do Acórdão nº 1294/19-STP, já mencionado: 2 – O município que ultrapassou o limite de gastos com pessoal é obrigado a estender a toda a carreira do magistério aumento decorrente do piso nacional do magistério (Lei Federal 11.738/2008)? Segue a resposta ofertada: Não. A Lei Federal 11.738/2008 fixou um valor mínimo a ser recebido pelo magistério, sendo vedado ao ente público que tenha ultrapassado o limite prudencial de gastos com pessoal estender o aumento, decorrente do reajuste do piso nacional do magistério, de forma automática aos vencimentos que estejam fixados em patamar superior. Nessa toada, em resposta à questão 2, acompanho o opinativo do Órgão Ministerial no sentido de que, caso o Município tenha extrapolado o índice de despesas com pessoal, a concessão de reajuste para cumprimento às disposições da Lei nº 11.738/08 deve abranger apenas os profissionais do magistério que percebam vencimentos iniciais fixados em patamar inferior ao piso salarial nacional.

Tribunal Pleno, 12 de maio de 2021 – Sessão Ordinária (por Videoconferência) nº 12. IVAN LELIS BONILHA Conselheiro Relator FABIO DE SOUZA CAMARGO Presidente.

Importante ressaltar que o Ministério Público de Contas do Paraná adverte que caso o município tenha extrapolado o índice de despesas com pessoal, “a concessão de reajuste para o cumprimento das disposições da Lei nº 11.738/08 (Lei do Piso) deve abranger apenas os profissionais do magistério que recebam vencimentos iniciais fixados em valor inferior ao piso salarial nacional”.[3]

 

Por outro lado, o Tribunal de Contas do Mato Grosso decidiu que “o Poder Público deverá reajustar o salário dos professores da educação básica a fim de obedecer ao piso salarial previsto na Lei nº 11.738/2008, e, concomitante a esse aumento, para que a despesa com pessoal não exceda os 95% do limite previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal, deverá o gestor adotar as providências previstas nos artigos 22 e 23 da LRF e no artigo 169, da Constituição Federal, a fim de não exceder os limites estipulados pela LRF. Ademais, outras medidas poderão ser adotadas, visando o cumprimento das determinações da Lei nº 11.783/2008 e da LRF”.

EMENTA: PREFEITURA MUNICIPAL DE NOVA XAVANTINA. CONSULTA. EDUCAÇÃO. PESSOAL. PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO PÚBLICO DA EDUCAÇÃO BÁSICA. PISO SALARIAL PROFISSIONAL NACIONAL. NECESSIDADE DE REAJUSTE PARA ADEQUAÇÃO AO PISO. POSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DO PISO MEDIANTE A INSTITUIÇÃO DE PARCELA DE COMPLEMENTO SALARIAL INDIVIDUAL. ESTIMATIVA DO IMPACTO ORÇAMENTÁRIO E FINANCEIRO DECORRENTE DA IMPLANTAÇÃO DO PISO. OBSERVÂNCIA DO EQUILÍBRIO FISCAL DAS CONTAS PÚBLICAS. 1) À luz da jurisprudência do STF (ADI 4167) e deste Tribunal de Contas (RC 23/2012), é o valor do vencimento inicial da carreira do magistério público da educação básica com atividades de docência ou de suporte pedagógico à docência, e não a remuneração, que deve corresponder, no mínimo, ao piso salarial definido e atualizado de acordo com as disposições trazidas na Lei nº 11.738/2008. 2) O piso salarial nacional dos professores constitui um valor referencial que deve ser observado como limite mínimo para se definir o valor do vencimento inicial da carreira dos profissionais do magistério público da educação básica com atividades de docência ou de suporte pedagógico à docência, não podendo ser garantido mediante um complemento salarial individual a ser concedido ao servidor a fim de se compensar a diferença entre o seu vencimento e o valor do piso. 3) Ao Estado ou município não se faz necessário, por meio de lei específica, ratificar o valor do piso nacional dos profissionais do magistério estabelecido pelo Governo Federal, nem estabelecer em âmbito estadual ou municipal um piso diferenciado para esses profissionais, contudo, mediante lei, deve atender ao valor mínimo estabelecido pelo piso nacional por meio da implantação do PCCS, de sua reestruturação, ou por meio da concessão de reajustes aos vencimentos dos profissionais do magistério. 4) A concessão de reajuste linear aos profissionais do magistério, visando adequar o valor do vencimento inicial da carreira ao piso nacional, impacta toda a estrutura remuneratória desse pessoal, de forma que tal reajuste deve ser acompanhado de um estudo criterioso de seu impacto orçamentário e financeiro, nos termos dos arts. 15 a 17 da LRF. 5) Caso o impacto decorrente da concessão de reajuste linear venha a comprometer o limite da despesa com pessoal do respectivo ente, é possível que, para se garantir tanto o cumprimento do piso quanto o equilíbrio fiscal das contas públicas, a adequação do vencimento ao piso nacional seja promovida por meio da reestruturação da carreira dos profissionais do magistério, eliminando suas consequências fiscais.

Entretanto, não importa qual seja o entendimento adotado, o encaminhamento de eventual Projeto de Lei ao Legislativo, concedendo o complemento, necessita a realização da estimativa de impacto orçamentário e financeiro, nos termos do que estabelece o art. 17 e o art. 21 da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF). O IGAM possui o mesmo entendimento de se a concessão do piso do magistério extrapolar o limite prudencial disposto no art. 21 da LRF, não poderá ser feito o pagamento estendido a todos os níveis, salvo sentença judicial, nos termos do inciso I do parágrafo único do art. 22 da LRF.

3.5 Das exigências para a aprovação de projeto de lei complementar

Importante lembrar que, nos termos do art. 69 da CF/88 e do art. 46 da LOM, os projetos de lei complementar, para serem considerados aprovados, exigem o voto favorável da maioria absoluta dos membros do Legislativo, o que, na realidade do Município de Guaíba, compreende 9 vereadores (metade +1), independentemente do número presente na sessão ordinária ou extraordinária.

[1] Disponível em:

<http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/435710/CPU_Item_1_3_Definicoes_sobre_o_artigo_16_da_LRF.pdf/85cc847b-63bf-4aba-8487-d4df9e3e8583>.

[2] https://www1.tce.pr.gov.br/noticias/piso-do-magisterio-deve-ser-aplicado-mesmo-com-excesso-de-gastos-de-pessoal/9027/N

[3] https://www.mpc.pr.gov.br/index.php/piso-do-magisterio-deve-ser-aplicado-mesmo-com-excesso-de-gastos-de-pessoal/

4. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das Comissões Permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria, em conclusão, tece as seguintes considerações sobre o Projeto de Lei nº 031/2022:

 a) a competência legislativa e a iniciativa foram atendidas, visto que o assunto é de interesse local (art. 30, I, da CF/88), não extrapolando competências de outros entes, e a proposta foi apresentada pelo Prefeito, autoridade com iniciativa privativa para tratar de remuneração dos servidores do Executivo (art. 60, II, “a”, da CE/RS e art. 119, I, da LOM);

 b) não houve apresentação de estimativa de impacto orçamentário-financeiro da proposta, documento exigido pelo art. 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de modo a que fique comprovada a compatibilidade do projeto de lei com as peças orçamentárias (art. 169, § 1º, da CF/88) e com os limites de despesa com pessoal (arts. 19 e 20 da LRF);

 c) o método utilizado pelo proponente para fazer com que o vencimento inicial do menor nível (“I”) e classe (“A”) dos cargos efetivos do magistério fique acima do piso salarial nacional não afronta as normas constitucionais nem a Lei Federal nº 11.738/2008, uma vez que, segundo o STJ, em julgamento de recurso especial repetitivo, a Lei nº 11.738/2008 determina apenas o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica, não havendo, via de regra, determinação de incidência automática das atualizações do piso nacional em toda a carreira e reflexo imediato sobre as demais vantagens e gratificações – entretanto, alerta-se para o fixado pelo STF na ADI 41671, afirmando o entendimento de que o valor do piso nacional do magistério deve ser entendido como vencimento básico;

 d) tratando-se de projeto de lei complementar (art. 7º do PLE), há necessidade de aprovação pela maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal (metade +1, independentemente do número de vereadores presentes na sessão ordinária ou extraordinária), nos termos do art. 69 da CF/88 e do art. 46 da LOM.

 

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