Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 026/2022
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 111/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Reconhece como Atividade de Risco, a atividade dos caçadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs) no município de Guaíba, para os fins da Lei 10.826/2003"

1. Relatório:

O Vereador Alex Medeiros (PP) apresentou à Câmara Municipal o Projeto de Lei do Legislativo nº 026/2022, o qual “Reconhece como Atividade de Risco, a atividade dos caçadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs) no município de Guaíba, para os fins da Lei 10.826/2003”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. MÉRITO:

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, §1º) - parlamento em que o controle vem sendo exercido, e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Cabe, antecipadamente, analisar se a proposição encontra respaldo no que diz respeito à competência legislativa e à competência material propriamente dita do Município, contemplando ou não o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios.

Em se tratando de repartição de competências para legislar sobre normas , a CF/88 estabelece competência da União, nos termos do art. 22, inciso XXI, da Constituição da República (CR):

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

II - desapropriação;

III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra;

IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

(...)

XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares;

É esta inclusive a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto ao assunto, que considerou que a competência relacionada à legislação sobre material bélico alcança a matéria que diz respeito ao porte de armas:

Supremo Tribunal Federal sobre a matéria: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 18, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI MATO GROSSENSE N. 8.321/2005. AUTORIZAÇÃO DE PORTE DE ARMA PARA SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS (PROFISSIONAIS DA PERÍCIA OFICIAL E IDENTIFICAÇÃO TÉCNICA – POLITEC-MT). INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE MATERIAIS BÉLICOS, QUE ALCANÇA MATÉRIA AFETA AO PORTE DE ARMAS. SEGURANÇA PÚBLICA. INTERESSE GERAL. PRECEDENTES: ADIS 2.729, 3.058 E 3112. AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE AO PRINCÍPIO FEDERATIVO. O CAPUT E A PARTE REMANESCENTE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 18 DA LEI MATO-GROSSENSE N. 8.321/2005, QUE ASSEGURAM DIREITO À CARTEIRA FUNCIONAL DE IDENTIFICAÇÃO DOS SERVIDORES ESTADUAIS, ESTÃO EM HARMONIA COM A CONSTITUIÇÃO. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DAS EXPRESSÕES “LIVRE PORTE DE ARMA” E “LIVRE PORTE DE ARMA E” CONTIDAS NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 18 DA LEI MATO-GROSSENSE N. 8.321/2005. (ADI 5010, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-104 DIVULG 17-05-2019 PUBLIC 20-05-2019)

O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a constitucionalidade do Estatuto do Desarmamento, assentou que porte de arma de fogo é questão de segurança nacional e, com base no princípio da predominância do interesse, reconheceu competência privativa da União para legislar sobre a matéria, conforme se extrai de trecho do voto do relator, Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, acompanhado, por unanimidade, pela Corte:

 

Sustenta-se, no que concerne aos arts. 5º, §§ 1º e 3º, 10 e 29, que houve invasão da competência residual dos Estados para legislar sobre segurança pública e também ofensa ao princípio federativo, “principalmente em relação à emissão de autorização de porte de arma de fogo”. Contrapondo-se ao argumento, a douta Procuradoria-Geral da República defendeu a aplicação à espécie do princípio da predominância do interesse, ponderando que a “União não está invadindo o âmbito de normatividade de índole local, pois a matéria está além do interesse circunscrito de apenas uma unidade federada” (fl. 194). Considero correto o entendimento do Ministério Público, que se harmoniza com a lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA, para quem a Carta Magna vigente abandonou o conceito de “interesse local”, tradicionalmente abrigado nas constituições brasileiras, de difícil caracterização, substituindo-o pelo princípio da “predominância do interesse”, segundo o qual, na repartição de competências, “à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios conhecerem os assuntos de interesse local”. De fato, a competência atribuída aos Estados em matéria de segurança pública não pode antepor-se ao interesse mais amplo da União no tocante à formulação de uma política criminal de âmbito nacional, cujo pilar central constitui exatamente o estabelecimento de regras uniformes, em todo o País, para fabricação, comercialização, circulação e utilização de armas de fogo, competência que, ademais, lhe é assegurada pelo art. 21, XXI, da Constituição Federal. Parece-me evidente a preponderância do interesse da União nessa matéria, quando confrontado o eventual interesse do Estado-membro em regulamentar e expedir autorização para porte de arma de fogo, pois as normas em questão afetam a segurança das pessoas como um todo, independentemente do ente federado em que se encontrem.

 

Em outras decisões, a Suprema Corte afirmou a competência privativa da União para legislar sobre qualquer tema concernente a material bélico, com o fundamento de que a interpretação da expressão “material bélico”, nos arts. 21, VI, e 22, XXI, da Constituição da República, deve ser abrangente, de forma a englobar, nas palavras do Ministro JOAQUIM BARBOSA, “não só materiais de uso das Forças Armadas, mas também armas e munições cujo uso seja autorizado, nos termos da legislação aplicável, à população”. Vide STF. Plenário. ADI 3.528/RO. Rel.: Min. Joaquim Barbosa. 6/4/2005, DJ, ADI 2.729, redator do acórdão o ministro Gilmar Mendes; ADI 3.996; ministro Luiz Fux; ADI 4.962, ministro Alexandre de Moraes; ADI 4.991, ministro Edson Fachin; ADI 5.010, ministra Cármen Lúcia; e ADI 5.359, ministro Edson Fachin.

 

Diante desse contexto constitucional normativo, deve-se analisar a compatibilidade das proposições municipais a fim de considerar a possibilidade de que o Município institua norma sobre material bélico e matéria afeta ao porte de armas, como pretende a proposição, caracterizando desarmonia com o as regras constitucionais de competência, sendo as regras de distribuição de competências legislativas alicerces do federalismo.

 

Assim, verifica-se que a carta republicana, na repartição das competências aos entes federados não conferiu aos municípios a possibilidade de legislar sobre o assunto, que diz respeito à competência da União.

Sendo assim, a proposição local vai de encontro ao entendimento do E. Supremo Tribunal Federal, que vem assentando que só à União cabe a competência legislativa sobre a matéria.

3. Conclusão:

Diante dos fundamentos e da jurisprudência expostos, a Procuradoria opina pela possibilidade de o Presidente devolver ao autor o Projeto de Lei do Legislativo n.º 026/2022, por inconstitucionalidade formal manifesta (art. 105 RI), por invadir a competência legislativa da União, notadamente por consistir em norma que trata sobre material bélico e porte de armas de fogo, em desrespeito às regras de distribuição de competência conferidas à União pelo art. 22, XXI, da CF/88.

É o parecer.

Guaíba, 31 de março de 2022.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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