Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 031/2022
PROPONENTE : Ver. Cristiano Eleu
     
PARECER : Nº 110/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui, no âmbito municipal, o Programa Recomeço, destinado ao apoio na geração de emprego e renda às mulheres em situação de violência doméstica e familiar"

1. Relatório:

O Projeto de Lei do Legislativo n.º 031/2022, de autoria do Vereador Cristiano Eleu (REP), o qual “Institui, no âmbito municipal, o Programa Recomeço, destinado ao apoio na geração de emprego e renda às mulheres em situação de violência doméstica e familiar”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições. 

2. MÉRITO:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A própria doutrina jurídica prevê o instituto do controle de constitucionalidade político também chamado de controle preventivo, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora.

A devolução será efetivada mediante despacho fundamentado da Presidência, sempre indicando o artigo constitucional, da Lei Orgânica ou Regimental violado, garantido o direito do autor de recorrer dessa decisão ao Plenário, conforme o art. 105, parágrafo único do RI.

Constata-se que a matéria constante do Projeto de Lei do Legislativo n.º 031/2022, de fato insere-se no âmbito de matérias de interesse local, nos termos do artigo 30, I da Constituição Federal, portanto de competência legislativa do município, ao qual ainda cabe suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, por força do artigo 30, II da CF/88. Dispõe o artigo 30 da Constituição Federal, prevendo a faculdade normativa dos Municípios, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

 

Também não incorre em inconstitucionalidade formal, visto que ao não criar obrigações ou atribuições a órgãos públicos, não usurpa a esfera de competência do Poder Executivo Municipal prevista no art. 61 da Constituição Federal, tendo quanto a isso observado os requisitos formais do processo legislativo, além de não ultrapassar o disposto no art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul quanto à separação dos poderes.

As matérias de competência e iniciativa reservadas são rol taxativo na CF/88 e nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, lecionando HELY LOPES MEIRELLES que:

 “Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores, são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, §1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de lei que disponham sobre criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e á Câmara, na forma regimental. (grifo nosso)

Com base nesses fundamentos, vê-se que o alcance material da norma diz respeito ao direito fundamental à vida e aos deveres do poder público de combate ao crime, especialmente os crimes contra a mulher, prevendo dentre outras medidas a conscientização a respeito através de atividades de entidades privadas no âmbito do Município de Guaíba, não havendo a reserva de iniciativa, já que não se insere dentre o rol taxativo de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. O projeto prevê programa voltado à garantia de políticas e mecanismos institucionais além de mecanismos que fomentem oportunidades de trabalho às mulheres vítimas de violência.

Nessa perspectiva, quanto à inocorrência de invasão de competência do Poder Executivo da proposição, cabe trazer a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70076374750:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 3.080/2017. MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO. INSTITUI O PROGRAMA DE PARCERIA A UNIÃO FAZ A EDUCAÇÃO - ADOTE UMA ESCOLA. LEI DE INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO. VÍCIO DE INICIATIVA NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO NA ESTRUTURAÇÃO DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS E ATIVIDADES ADMINISTRATIVAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO E INDEPENDÊNCIA DOS PODERES NÃO CONFIGURADA. Não padece de inconstitucionalidade formal lei municipal de iniciativa do Poder Legislativo que institui o programa denominado A União faz a Educação - Adote uma Escola, possibilitando que as empresas privadas contribuam para a melhoria da qualidade do ensino na rede pública municipal, por meio de doações de materiais escolares, livros, uniformes, promoção de palestras, e patrocínio de obras de manutenção, reforma e ampliação de prédios escolares, com direito à publicidade. A lei impugnada não altera a estruturação dos órgãos públicos, nem as atividades administrativas, tampouco cria atribuições aos órgãos da Administração, matérias de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, previstas no art. 60, II, da Constituição Estadual. JULGARAM IMPROCEDENTE, POR MAIORIA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70076374750, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 21/05/2018)

Há precedentes do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a constitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar instituindo programas municipais, inclusive a serem desenvolvidos em logradouros públicos:

A criação, por lei de iniciativa parlamentar, de programa municipal a ser desenvolvido em logradouros públicos não invade esfera de competência exclusiva do chefe do Poder Executivo. [RE 290.549 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 28-2-2012, 1ª T, DJE de 29-32012.]

Verifica-se que os precedentes acima colacionados do STF e do TJRS amoldam-se ao projeto em análise, já que possui disposições normativas semelhantes.

 

Quando do julgamento do referido RE 290.549 AgR, em 2012, a Primeira Turma do STF entendeu que a criação, por lei de iniciativa parlamentar, de programa municipal a ser desenvolvido em logradouros públicos não invade esfera de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo.

Também o Tribunal de Justiça Carioca em seu acórdão - mantido naquele julgamento do STF - entendera por afastar a inconstitucionalidade dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei municipal nº 2.621/98 com base em uma interpretação sistemática desses dispositivos, sob o fundamento de que eles não se relacionam com a matéria de competência reservada ao Chefe do Poder Executivo. Afirmou ainda o TJRJ que o que ocorreu foi a previsão de um programa social, cuja execução depende de regulamentação a ser, ao seu tempo, implementada.

 

Naquela ocasião, o TJRS consignou que “A parceria implementada pela Lei 3.080/17 visa, tão-somente, a oportunizar que as empresas privadas contribuam para a melhoria da qualidade do ensino da rede pública, sabidamente, deficitária e sucateada” e que a “A iniciativa do Poder Legislativo é louvável e vem ao encontro do interesse público”. Além de tudo, assentou que:

 

“Não se pode simplesmente engessar ou esvaziar a competência do legislativo municipal, que, como bem salientou o eminente Des. Armínio José Abreu Lima da Rosa naquele julgamento da referida ADI, ficaria limitado a fazer voto de louvor, voto de pesar e dar nome em rua

(...)

Entendo que é hora de avançarmos, de valorizar a legislação municipal, como também ressaltou o eminente Des. Rui Portanova em sua manifestação na referida ADI, ainda mais quando a norma não cria qualquer despesa para o poder público e vem em total benefício dos cidadãos.”.

Vale a pena inda referir também a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na ADIN 2039942-15.2017.8.26.0000, que teve por objeto a Lei n.º 16.612, de 20 de fevereiro de 2017, do Município de São Paulo, que dispõe sobre o “Programa de Combate a Pichações no Município de São Paulo”, de autoria parlamentar:

TJSP – ÓRGÃO ESPECIAL - ADIN 2039942-15.2017.8.26.0000 - EMENTA - Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n.º 16.612/2017 do Município de São Paulo, que dispõe sobre “Programa de Combate a Pichações”. I Inexigibilidade da outorga de mandato com poderes especiais para propositura de ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 9.868/99. Procuração que, de todo modo, anunciou ter sido outorgada para aquela sorte de propositura. II Petição inicial que alude a dispositivos infraconstitucionais. Irrelevância, já que não servirão eles como parâmetro de julgamento. III Inocorrência de ofensa à competência constitucional do Município ou aos limites para a atuação do Legislativo quanto à matéria versada no diploma impugnado. Inconstitucionalidade reconhecida, porém, de dispositivos pontuais (artigos 8º e 9º) que proíbem a Administração de contratar infratores, obrigam-na a instituir cadastro interno e autorizam o Executivo a firmar termos de cooperação. Artigos 24 § 2º e 47 da Constituição paulista. Ação parcialmente procedente. (...) Realmente, zelar pela proteção do meio ambiente urbano e pelo controle da poluição, exercer o poder de polícia e conferir ao Executivo a incumbência de disciplinar o procedimento administrativo para apuração das infrações (artigo 4º) eram atividades que já se compreendiam na natural incumbência daqueles órgãos da Administração.

E ainda na ADIN n.º 2246723-06.2016.8.26.0000 do mesmo TJ-SP:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei municipal de origem parlamentar que institui campanha permanente de combate à pichação e atos de vandalismo no Município de Suzano. Inexistência de vício de iniciativa: o rol de iniciativas legislativas reservadas ao Chefe do Poder Executivo é matéria taxativamente disposta na Constituição Estadual. Ausente ofensa à regra de iniciativa, ademais, em razão da imposição de gastos à Administração. Precedentes do STF. Não ocorrência de infração ao princípio da harmonia e interdependência entre os poderes na parte principal do texto legal. Não configurada, nesse ponto, usurpação de quaisquer das atribuições administrativas reservadas ao Chefe do Poder Executivo, previstas no artigo 47 da Constituição do Estado de São Paulo. Lei que cuida de assunto local, relativo à proteção do meio ambiente e controle da poluição. Precedentes deste Órgão Especial. (...).” (Adin n.º 2246723-06.2016.8.26.0000, rel. Des. Márcio Bartoli, 5.4.2017).

Quanto ao aspecto material, em âmbito federal, existe vasta legislação que visa garantir a igualdade material da mulher, como exemplo, pode-se citar a Lei Federal n° 11.340, de 07 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher; a Lei Federal n° 13.104, de 09 de março de 2015, que altera o art. 121 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio.

Por outro lado, necessária, por afronta ao princípio da separação entre os poderes insculpido no art. 2º da Constituição Federal, a supressão dos termos “servidores públicos” do inciso II do art. 2º e do termo “pelos órgãos municipais” do inciso V do art. 3º da propositura, consoante jurisprudência consolidada pelo STF. Vide o acórdão a seguir ementado quanto ao tema:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VÍCIO DE INICIATIVA. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR QUE DISPÕE SOBRE ATRIBUIÇÕES E ESTABELECE OBRIGAÇÃO A ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Acórdão recorrido que se encontra em sintonia com a jurisprudência desta Corte no sentido de que padece de inconstitucionalidade formal a lei de iniciativa parlamentar que disponha sobre atribuições ou estabeleça obrigações a órgãos públicos, matéria da competência privativa do Chefe do Poder Executivo. 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (RE 653041 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 28/06/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-166 DIVULG. 08-08-2016 PUBLIC 09-08-2016).

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo n.º 031/2022, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É necessária a supressão dos termos “servidores públicos” do inciso II do art. 2º e do termo “pelos órgãos municipais” do inciso V do art. 3º da propositura, por afronta ao princípio da separação entre os poderes insculpido no art. 2º da Constituição Federal.

É o parecer.

Guaíba, 31 de março de 2022.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136

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31/03/2022 11:36:15
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