Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 024/2022
PROPONENTE : Ver. Cristiano Eleu
     
PARECER : Nº 088/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera o Artigo 35 da Lei 1759/2003, II, alínea "C""

1. Relatório:

O Vereador Cristiano Eleu (REP) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 024/2022 à Câmara Municipal, o qual “”. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO:

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende modificar regras de eleição dos membros do Conselho Tutelar, permitindo que cada eleitor possa votar em até cinco candidatos inscritos.

A matéria invade de modo indevido a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da Constituição Federal de 1988, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, ao dispor a respeito de órgão ligado à estrutura do Poder Executivo, o que cabe exclusivamente ao Prefeito definir, por meio de projeto de lei da sua iniciativa privativa.

O Projeto de Lei nº 024/2022, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, do mesmo diploma:

Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

 

Art. 82 – Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul):

A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental. ("Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 1993, p. 438/439).

A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, a qual constitui atribuição político-administrativa do Prefeito, caracterizando inconstitucionalidade material e formal.

Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer o regramento da eleição dos membros do Conselho Tutelar, por se tratar de matéria de competência privativa do Chefe do Executivo, na esfera de sua discricionariedade. Aliás, veja-se precedente da jurisprudência relacionado ao caso em análise:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL DE CERRITO. LEI QUE REGULAMENTA CONSELHO TUTELAR. VINCULAÇÃO AO PODER EXECUTIVO. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO CHEFE DO EXECUTIVO. VÍCIO FORMAL. ARTIGOS 8º, CAPUT, 10, 60, II, "B" E "D", E 82, III E VII, CE. - A condição de autonomia e independência do Conselho Tutelar especificada no Estatuto da Criança e do Adolescente significa que ele é um órgão não comprometido com quem quer que seja, especialmente, de ordem política, devendo estar apto a cumprir com independência sua função. Não significa que não está atrelado a quaisquer dos Poderes do Estado. O Conselho Tutelar, por certo, não é uma Pessoa Jurídica de Direito Público, tem criação prevista na Constituição Federal e regulamentação em lei local, cuja competência de atuação, portanto, segue os limites do Município. Não tem competência confundida com os demais órgãos da administração e, por certo, não pode estar atrelado ao Poder Legislativo ou mesmo ao Poder Judiciário, pois o Conselho Tutelar é próprio para executar as funções estabelecidas na Lei Federal nº 8.069/90 e lei subsidiária municipal que completa sua competência. Desta forma, não restam dúvidas de que ele se vincula ao Poder Executivo da esfera administrativa municipal. - Cabendo ao Poder Executivo Municipal sua organização e estrutura, a ele cabe também a iniciativa dos projetos de lei a respeito do tema, nos termos do que estabelece o art. 60, II, "b" e "d", e art. 82, III e VII, ambos da Constituição Estadual. - Verificada afronta direta aos artigos citados, bem como aos Princípios relativos à Independência e Separação dos Poderes, tal como discorrem os artigos 8º, caput, e 10, todos da CE/89, afigura-se inconstitucional, por vício formal, decorrente da usurpação de competência privativa do Chefe do Executivo Municipal, a lei de iniciativa de Vereador que regulamenta a função exercida pelos membros do Conselho Tutelar. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70071252803, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em: 20-02-2017)

O Projeto de Lei do Legislativo nº 024/2022 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa, inclusive quanto às atribuições dos órgãos públicos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no art. 114 do Regimento Interno, para que, pela via política, o Prefeito implemente a medida veiculada, apresentando o competente projeto de lei.

3. Conclusão:

Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe – PLL nº 024/2022, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, da CF/88; arts. 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88; art. 5º da CE/RS), bem como afronta ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal. Sugere-se a remessa de indicação ao Prefeito para que, pela via política, implemente a medida, apresentando o competente projeto de lei.

É o parecer.

Guaíba, 18 de março de 2022.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136

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18/03/2022 17:04:07
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