Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 016/2022
PROPONENTE : Ver. Marcos SJ
     
PARECER : Nº 077/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a gravação em áudio e vídeo do processo licitatório e sua transmissão ao vivo, por meio da internet, no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo do Município de Guaíba."

1. Relatório:

O Vereador Marcos SJ (DEM) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 016/2022 à Câmara de Vereadores, objetivando dispor sobre a transmissão ao vivo, por meio da internet, das sessões públicas das licitações presenciais realizadas pelo Executivo Municipal e Legislativo de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO:

A despeito do mérito do Projeto de Lei nº 016/2022, que busca trazer publicidade aos atos do Poder Público (artigo 37, caput, CF/88), a iniciativa é reservada à Mesa Diretora da Câmara, quanto à transmissão pelo Legislativo, e ao Prefeito, quanto à transmissão pelo Poder Executivo. Isso porque, de um modo geral, tais autoridades são as responsáveis pela organização administrativa e, inclusive, pela ordenação das despesas de interesse interno de cada Poder, cabendo-lhe a iniciativa para deflagrar o processo legislativo que disponha sobre essa matéria.

No que tange ao Legislativo, o art. 21 do Regimento Interno revela que “A Mesa é órgão diretivo dos trabalhos legislativos e administrativos da Câmara Municipal, eleita em votação nominal, a cada ano.” Portanto, sendo órgão diretivo da função administrativa da Câmara, tem-se que lhe compete, privativamente, iniciar as proposições que se refiram à regulamentação dos serviços internos; do contrário, os demais membros da Casa Legislativa estarão interferindo na organização administrativa do órgão.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que as normas relativas ao processo legislativo, previstas na CF/88, são de reprodução obrigatória pelos entes federados:

Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitucional. Representação de inconstitucionalidade de lei municipal em face de Constituição Estadual. Processo legislativo. Normas de reprodução obrigatória. Criação de órgãos públicos. Competência do Chefe do Poder Executivo. Iniciativa parlamentar. Inconstitucionalidade formal. Precedentes. 1. A orientação deste Tribunal é de que as normas que regem o processo legislativo previstas na Constituição Federal são de reprodução obrigatória pelas Constituições dos Estados-membros, que a elas devem obediência, sob pena de incorrerem em vício insanável de inconstitucionalidade. [...] (RE 505476 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 21/08/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 05-09-2012 PUBLIC 06-09-2012).

Importante trazer, como referência de simetria, o previsto no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (artigo 15, inc. XVII):

Art. 15. À Mesa compete, dentre outras atribuições estabelecidas em lei, neste Regimento ou por resolução da Câmara, ou delas implicitamente resultantes:

XVII - propor, privativamente, à Câmara projeto de resolução dispondo sobre sua organização, funcionamento, polícia, regime jurídico do pessoal, criação, transformação ou extinção de cargos, empregos e funções e fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;

Perceba-se, assim, que em âmbito federal compete à Mesa Diretora a proposição de projetos envolvendo questões essencialmente administrativas (“organização e funcionamento”), o que, por simetria, é aplicável ao caso apresentado, diante da mesma natureza das funções exercidas pela Câmara Municipal.

No que se refere ao Executivo, a proposta esbarra no princípio constitucional da separação dos poderes, disposto no art. 2º da CF/88. A matéria ofende a chamada reserva de administração, insculpida no artigo 61, § 1º, da Constituição Federal e decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes, ao dispor a respeito da organização e do funcionamento da Administração Municipal, sobre os quais cabe ao Executivo definir.

Além disso, para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Na mesma linha, dispõe, ainda, a Lei Orgânica do Município de Guaíba sobre as hipóteses de competência privativa do Prefeito:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

(...)

X – planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais;

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

(...)

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

Desse modo, apesar de ser honrosa sob o ponto de vista material, por concretizar o princípio constitucional da publicidade (art. 37, caput, CF/88), a proposta não poderia ter sido apresentada por membro do Poder Legislativo, uma vez que a iniciativa para projetos sobre organização dos serviços e funcionamento do Executivo e do Legislativo é reservada, respectivamente, ao Prefeito e à Mesa Diretora da Câmara, ficando maculada de inconstitucionalidade formal propriamente dita, de natureza subjetiva, por vício na fase de iniciativa (artigos 2º e 61, § 1º, CF/88; artigo 60, II, “d”, CE/RS; artigos 52, VI e X, e 119, II, LOM).

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul assentou esse entendimento pela inconstitucionalidade de matéria análoga por vício de iniciativa na ADI Processo nº 70080739378, com acórdão a seguir ementado:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 1º E 3º DA LEI Nº 763/2019, DO MUNICÍPIO DE PANTANO GRANDE. TRANSMISSÃO AO VIVO VIA INTERNERT DOS ATOS DA LICITAÇÃO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. Lei nº 763/2019, de origem parlamentar, que obriga a transmissão, ao vivo e via internet, das licitações dos Poderes Executivo e Legislativo. Efetiva ingerência do Poder Legislativo no desempenho das atribuições administrativas próprias do Poder Executivo no que concerne aos seus procedimentos licitatórios, acrescentando obrigações que não estão previstas na Lei Federal nº 8.666/1993. Matéria cuja iniciativa cabe ao Prefeito Municipal. Violação do princípio da independência e harmonia entre os Poderes Estruturais. A norma é constitucional apenas quando direcionada ao próprio Legislativo Municipal, que dispõe de autonomia para definir com o se dará a publicidade de seus atos. Necessidade de harmonizar os princípios da publicidade e da razoabilidade. A imposição legal aqui discutida destoa das possibilidades estruturais do Município, assim como da natureza do próprio ato, uma vez que os atos praticados na licitação já são realizados em sessões públicas. Declaração de inconstitucionalidade da expressão “Poder Executivo” constante dos arts. 1º e 3º da Lei nº 763/2019, do Município de Pantano Grande, ante a violação dos arts. 8º, 10, 19, 60, inciso II, alínea “d”, 82, incisos II, III e VII, todos da CE/89. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALDIADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70083579201, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em: 03-08-2020)

Digno ainda de referência é o recentíssimo parecer de 07 de março de 2022, do Ministério Público do Rio Grande do Sul, opinando pela inconstitucionalidade de lei com teor idêntico ao da proposta em análise nos autos da ADI PROCESSO N.º 70083579201 – TRIBUNAL PLENO, verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Parte dos artigos 1º e 3º da Lei Municipal n.º 763, de 13 de setembro de 2019, do Município de Pantano Grande, que ‘obriga a transmissão, ao vivo e via internet, das licitações do Poder Executivo e Poder Legislativo’. Lei oriunda do Poder Legislativo. Necessidade de publicização dos atos administrativos, em homenagem à transparência administrativa, que deve ser pautada pelo princípio constitucional da razoabilidade, inscrito no artigo 19 da Constituição Estadual. Exigência que se afigura excessiva. Afronta ao princípio da harmonia e independência entre os poderes. Violação aos artigos 5º, 10, 19, ‘caput’, aplicáveis aos Municípios por força do artigo 8º, ‘caput’, todos da Constituição Estadual. Precedentes jurisprudenciais. PARECER PELA PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

Porto Alegre, 7 de março de 2022. JACQUELINE FAGUNDES ROSENFELD, Procuradora-Geral de Justiça, em exercício.

Não obstante, a Nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133/2021 estabelece a gravação da sessão pública do processo de licitação, na hipótese excepcional em que motivadamente realizada de forma presencial seu artigo 17, § 2º:

Art. 17...

§ 2º As licitações serão realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica, admitida a utilização da forma presencial, desde que motivada, devendo a sessão pública ser registrada em ata e gravada em áudio e vídeo.

...

§5º Na hipótese excepcional de licitação sob a forma presencial a que refere o § 2º deste artigo, a sessão pública de apresentação de propostas deverá ser gravada em áudio e vídeo, e a gravação será juntada aos autos do processo licitatório depois de seu encerramento.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base nos artigos 2º e 61, § 1º, da CF/88, artigo 60, II, “d”, da CE/RS e artigos 52, VI e X, e 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

Guaíba, 07 de março de 2022.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136

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07/03/2022 17:16:20
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