Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 014/2022
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 068/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Acrescenta o artigo 2º-A a Lei Municipal 3899/2020 e dá outras providências"

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 014/2022 à Câmara Municipal, o qual “Acrescenta o artigo 2º-A a Lei Municipal 3899/2020 e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO:

2.1 Da competência legislativa e da iniciativa do processo legislativo

Quanto à competência legislativa, não há qualquer óbice à proposta. O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

(...)

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, uma vez que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba.

A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe gerar autorização legislativa para que o Município arque com os encargos tributários de transmissão do imóvel objeto de permuta autorizada pela Lei Municipal nº 3.899/2020, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito.

Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 59 da Constituição Estadual:

Art. 59.A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão técnica da Assembléia Legislativa, à Mesa, ao Governador, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça, às Câmaras Municipais e aos cidadãos, nos casos e na forma previstos nesta Constituição.

Parágrafo único. As leis complementares serão aprovadas pela maioria absoluta dos Deputados.

Na Lei Orgânica Municipal, constam regras sobre a competência privativa do Prefeito para administrar bens municipais e sobre a exigência específica de autorização legislativa para a aquisição de bens imóveis por permuta, do que se conclui que, além do necessário processo legislativo, há reserva de iniciativa ao Chefe do Executivo:

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos;

Art. 92 Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços.

Art. 97 A aquisição de bens imóveis, por permuta, dependerá de prévia avaliação e autorização legislativa.

 

Constata-se, com efeito, que o Protocolo de Intenções de Permuta de Imóveis, de 25/0/2020, estabelecia que “todos os encargos da permuta caberão à PM” e ainda que “TODAS AS DESPESAS SERÃO CUSTEADAS PELA P.M. DE GUAÍBA”.

Está correta, portanto, a autorização legislativa para que, sob o primado do princípio da legalidade, o Poder Executivo Municipal possa realizar tais despesas referentes a tributos, o que não ficou devidamente disposto na Lei Municipal nº 3.899/2020.

2.3 Da não incidência da conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997

O art. 73, § 10, da Lei das Eleições proscreve a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios no ano das eleições, excepcionando-se apenas os casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

Embora a questão seja controvertida, cabe registrar que o TRE/RS firmou posicionamento no sendo de que a vedação no art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97 independe da circunscrição do pleito[1], aplicando-se a todo agente público no período vedado, no bojo da Consulta nº 43534, a qual versou sobre a concessão de desconto em créditos tributários por meio de lei de iniciativa do Executivo Municipal.

É importante destacar as características básicas do contrato de permuta, desenvolvidas na doutrina por Carlos Roberto Gonçalves (Direito Civil Brasileiro, v. 3, 14. ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 345):

Como ocorre com a compra e venda, a troca é negócio jurídico bilateral e oneroso, tendo caráter apenas obrigacional: gera para os permutantes a obrigação de transferir, um para o outro, a propriedade de determinada coisa. É também consensual, e não real, porque se aperfeiçoa com o acordo de vontades, independente da tradição. É solene só por exceção, quando tem por objeto bens imóveis (CC, art. 108). Como as prestações são certas e permitem às partes antever as vantagens e desvantagens que dele podem advir, é também contrato comutativo.

Como se percebe, o contrato de permuta é oneroso, por consistir em um pacto no qual ambas as partes recebem uma vantagem e suportam um ônus. No caso, trata-se de uma troca onerosa de bens imóveis entre a Administração Pública e particulares, avaliados em R$ 370.670,00 (fl. 27) e em R$ 581.700,00 (fl. 51), este último a ser incorporado ao patrimônio do Município de Guaíba. Diante da natureza essencialmente onerosa do contrato de permuta, entende-se não incidir a vedação do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, a proibir somente a distribuição gratuita de bens pela Administração Pública no ano eleitoral:

Art. 73 (...)

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

Esse entendimento é baseado em doutrina, jurisprudência e em pareceres jurídicos que apontam para a limitação da conduta vedada aos atos de distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, envolvendo, por exemplo, doações, subvenções sociais, contribuições e cessões de uso de bens públicos, mas não a permuta. Leia-se a doutrina de João Gabriel Lemes Ferreira a respeito de doações (“A Nova Limitação aos Agentes Públicos em Ano Eleitoral: a Vedação à Distribuição Gratuita de Bens,Valores ou Benefícios (Art. 73, §10, da Lei nº 9.504/97)”. Boletim de Direito Municipal, maio/2008, p.352):

Nesse exemplo, a liberalidade que se pretende será feita de forma gratuita. O sentido contrário daquilo que é gratuito significa o que é pago. A mera imposição de encargo imposta ao donatário não parece suficiente para afastar o caráter de gratuidade da medida pretendida. Não há retribuição ou paga pela doação. Se houvesse estaria afastado o caráter de liberalidade.

Registra-se, ainda, o conteúdo da Cartilha de Orientação aos Agentes Públicos Estaduais elaborada pela PGE/RS em relação às Eleições de 2018[2] (p. 60):

  1. Cessão de uso de imóvel de propriedade do Estado do Rio Grande do Sul, contíguo à área afetada à Secretaria da Educação (onde será construída futura CRE), em Município localizado na região noroeste do Estado. Destinação: revitalização do espaço, realização de Feira Municipal de Produtores voltados à agricultura familiar, horta comunitária, criação de centro/polo de formação, desenvolvimento da agroindústria. Isenção de dívida do Estado para com o Município. Obrigação do cessionário de manter e conservar a área contígua àquela cedida, enquanto não for edificada pelo Estado. A “distribuição gratuita de bens” referida no artigo 73, parágrafo 10, da Lei Eleitoral compreende toda e qualquer forma desonerada de benefícios a terceiros, tal como ocorre com as doações sem encargo, subvenções sociais, contribuições, entre outras. Ou seja, a “distribuição gratuita de bens”, valores ou benefícios pressupõe benevolência por parte da Administração Pública.

Por fim, veja-se a ementa do Parecer nº 17.254/2018, da PGE/RS, que também condiciona a incidência da vedação do § 10 do art. 73 à gratuidade da distribuição dos bens:

PARECER PGE/RS Nº 17.254/18 - SECRETARIA DA MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E DOS RECURSOS HUMANOS. COMPANHIA RIO-GRANDENSE DE ARTES GRÁFICAS (CORAG). EXTINÇÃO DA CORAG. TRANSFERÊNCIA DOS BENS DA COMPANHIA EM LIQUIDAÇÃO PARA O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. VEDAÇÃO DA LEI ELEITORAL NÃO CARACTERIZADA (ART. 73, § 10, DA LEI FEDERAL Nº 9.504/97).

  1. A CORAG é uma sociedade de economia mista, constituída sob a forma de sociedade anônima, submetida ao regime previsto na Lei Federal nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), inclusive no que se refere ao processo de liquidação;
  2. A transferência de bens da CORAG para o Estado do Rio Grande do Sul decorre de direito de crédito deste, na qualidade de acionista majoritário da companhia em liquidação;
  3. Tal transferência não se trata de doação, não se caracteriza como”distribuição gratuita de bens”; logo, não incide, no caso, a vedação prevista no art.73, § 10, da Lei Eleitoral.

Nesse diapasão, da possibilidade em caso que envolva encargos, afastada a gratuidade, a Cartilha de Orientação aos Agentes Públicos Estaduais elaborada pela PGE/RS, em relação às Eleições de 2022, traz as conclusões exaradas no Parecer nº 18.066, cuja ementa segue transcrita:

SECRETARIA DA CASA CIVIL. SECRETARIA D E PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. DOAÇÃO DE IMÓVEL DO ESTADO AO SPORT CLUB INTERNACIONAL. NÃO INCIDÊNCIA DA VEDAÇÃO PREVISTA NO PARÁGRAFO 10 DO ARTIGO 73 DA LEI Nº 9.504/1997. ONEROSIDADE DA D OAÇ ÃO. CONTRAPARTIDAS EXIGI DAS AO DONATÁRIO. 1. Muito embora estejam vedadas as disposições gratuitas de bens em ano eleitoral, considera-se não incidente a vedação para a hipótese de doação de imóvel em que haja encargo ao donatário. 2. In casu, em contrapartida à doação, incumbirão encargos ao donatário em valor equivalente a 20% do valor do imóvel doado, devendo contemplar a elaboração, contratação e execução de projetos de obras e serviços de engenharia para fins de reformas, adequações e/ou ampliações de espaços físicos em no mínimo quatro escolas estaduais de ensino, sendo duas no Município de Guaíba e duas no de Porto Alegre. 3. Gratuidade da cessão afastada. 4. Não se vislumbram empecilhos jurídicos a que se proceda ao encaminhamento de Projeto de Lei no exercício de 2020, em que ocorrerão eleições municipais, visando a autorizar a realização da doação. 5. Da mesma forma, não existe óbice jurídico a que, neste exercício, proceda-se à realização da escrituração da doação do imóvel em favor do donatário. (Aprovado em: 19/02/2020. Autor: Procurador do Estado Guilherme de Souza Fallavena.)

Portanto, considerando os argumentos expostos, entende-se não haver incidência da vedação do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997 ao presente caso, em razão da onerosidade do contrato de permuta e da limitação da conduta vedada à distribuição gratuita de bens.

2.4. Técnica Legislativa

 

Do ponto de vista da técnica legislativa, para que a redação esteja em consonância com a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, a qual “Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona”, a cláusula de vigência merece ser corrigida, sendo reservada a seguinte cláusula:

“Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

[1] Veja-se, ainda, a doutrina de Djalma Pinto (Direito Eleitoral. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008. p. 233): “Quando a lei quis restringir a conduta vedada à circunscrição do pleito (federal, estadual ou municipal), assim o fez expressamente, a exemplo do que ocorre com os incisos V e VI, "b" e "c", ambos do artigo 73 da Lei das Eleições. No silêncio da norma, em ano eleitoral aplica-se a conduta vedada aos agentes públicos de todos os entes federativos, a exemplo do que ocorre com a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios (art. 73, § 10, da LE).”

[2]https://www.centraldocidadao.rs.gov.br/upload/arquivos/201807/11162144-cartilha-pge.pdf

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria Jurídica, em conclusão, opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 014/2022, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Recomenda-se a revisão da cláusula de vigência, que pode se dar em Redação Final.

É o parecer.

Guaíba, 03 de março de 2022.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136

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03/03/2022 13:15:40
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