Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 009/2022
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 033/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera o art. 3º da Lei Municipal nº 4.082/2021, de 09 de dezembro de 2021"

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 0009/2022 à Câmara Municipal, com o objetivo de alterar a Lei Municipal nº 4.082, de 09 de dezembro de 2021, a qual “Altera a Lei Municipal n.º 2048, de 16 de janeiro de 2006 que reestrutura o regime próprio de previdência do Município de Guaíba e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do RI, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência e do caráter pessoal da proposição.

Na Exposição de Motivos encaminhada pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo, o proponente expõe os motivos do projeto, aduzindo que “Trata-se de adequação solicitada pelo Instituto de Previdência dos Servidores Públicos do Município de Guaíba, em virtude de observância ao Parecer PGFN/CAT nº 05/2019, que entende como majoração a contribuição previdenciária do ente, desta forma se traduzindo em natureza tributária, devendo, assim, constar a anterioridade nonagesimal em dispositivo de vigência. Desta forma, após diligências administrativas, efetuadas pelo Ente Previdenciário GuaíbaPrev, perante a Secretaria da Previdência, fora acatada a solicitação para, enfim, proceder a alteração e efetivar o lançamento, com a vigência da nova taxa a partir de 13/03/2022”.

2. MÉRITO:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, uma vez que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, dispondo sobre matéria relativa ao regime de previdência dos servidores públicos municipais.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 009/2022 propõe alterar legislação que diz respeito ao regime previdenciário de servidores públicos, matéria para a qual é reconhecida a iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, nos termos do artigo 61, § 1º, II, c), da CF/88, aplicado por simetria ao Prefeito Municipal:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998);

(...)

É pacífico o entendimento dos Tribunais de que a matéria sobre a qual versa a proposição em análise é de iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo Municipal, visto que veicula normas do regime previdenciário dos servidores públicos. Nesse sentido, verificam-se os acórdãos do E. Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial do TJSP abaixo ementados:

DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACRÉSCIMO DE BENEFÍCIO AOS PROVENTOS, POR LEI, SEM INICIATIVA DO GOVERNADOR (REGIME JURÍDICO DE SERVIDOR) E SEM PREVISÃO DE FONTE DE CUSTEIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 39, DE 23 DE NOVEMBRO DE 1994, DO ESTADO DO AMAZONAS. 1. Havendo a Lei em questão instituído benefício previdenciário, em acréscimo a benefício já percebido pelo aposentado, por invalidez, sem que o projeto (sobre regime jurídico de servidor) tenha tido a iniciativa do governador, e sem previsão de fonte de custeio, é de se lhe declarar a inconstitucionalidade, por inobservância dos princípios dos artigos 61, § 1º, "c", 195, § 5º, c/c artigo 25 da parte permanente da C.F. de 05.10.1988 e art. 11 do A.D.C.T. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente. Plenário. Decisão unânime” (STF, ADI 1.223-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 12-02-2003, v.u., DJ 28-03-2003, p. 63).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 16.675, de 13 de março de 2018, do Estado de São Paulo, de iniciativa parlamentar, que “altera a Lei nº 14.653, de 22 de dezembro de 2011, que institui o regime de previdência complementar no âmbito do Estado de São Paulo, fixa o limite máximo para a concessão de aposentadorias e pensões de que trata o artigo 40 da Constituição Federal, autoriza a criação de entidade fechada de previdência complementar, na forma de fundação, e dá outras providências” Regime jurídico de servidores públicos estaduais - Configurado o vício de iniciativa, que é privativa do Poder Executivo - Artigos 24, parágrafo 2º, '4', 126, parágrafo 15º da Constituição do Estado de São Paulo. Violação à separação de poderes. Imposição de inscrição automática dos servidores ao regime de previdência complementar, contrariando o caráter facultativo previsto no artigo 126, parágrafo 16º da Constituição Bandeirante, que reproduz o artigo 202 da Constituição Federal, que exige a prévia e expressa opção do servidor Inconstitucionalidade declarada – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (TJSP - Direta de Inconstitucionalidade nº 2104844-06.2019.8.26.0000 - Voto nº 37527, São Paulo, 27 de maio de 2020. ELCIO TRUJILLO - RELATOR).

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei complementar 4.298, de 16 de novembro de 2015, do Município de Taquaritinga -Dispõe sobre alterações na Lei Complementar 4.029, de 18 de junho de 2013, que reestrutura o Regime Próprio de Previdência Social do Município de Taquaritinga e dá outras providências-. Inconstitucionalidade, por se imiscuírem matéria de competência exclusiva do Poder Executivo. Vício de iniciativa. Desrespeito aos artigos5º, caput, 24, §2º, 1 e 2, 47, incisos II, XIV e XIX,alínea 'a', e 144 da Constituição do Estado. Ação procedente. (ADI nº 2208090-23.2016.8.26.0000, Rel. Des. Borelli Thomaz, j. 31.05.2017, v.u.);

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Com efeito, a propositura legislativa em análise possui fundamento nas normas do ordenamento jurídico, especificamente no art. 150, III, ‘c’, da Constituição Federal e na atual jurisprudência e sua necessidade decorre das alterações trazidas pela majoração da alíquota patronal em razão do aumento da taxa de administração para a cobertura das despesas administrativas do regime próprio de previdência.

Quanto às contribuições sociais previdenciárias, o princípio da anterioridade genérica (art. 150, III, “b”) encontra exceção, prevista no art. 195, I ao IV da CF/88. Isto porque, a este tributo se aplica uma anterioridade também dita especial ou dita mitigada, denominada anterioridade nonagesimal, disposto no parágrafo 6º, do artigo 195, da Constituição Federal, verbis:

Art. 195 (...)

§ 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b.

De fato, a propositura legislativa em análise está adequando a legislação municipal de acordo com as exigências do Ministério do Trabalho e Previdência, especificamente ao entendimento da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional no Parecer CAT/Nº 05/2019.

Após longa polêmica e divergência jurisprudencial e doutrinária, enquanto a União asseverava a inaplicabilidade da noventena prevista no art. 195, § 6º, da Constituição, às contribuições pagas pelo ente federado, para financiamento solidário do respectivo regime, considerada a “não caracterização da contribuição do Estado como tributo”[1], o Supremo Tribunal Federal assentou a natureza jurídico-tributária da alíquota da contribuição patronal, submetendo-se, portanto, ao referido princípio da anterioridade nonagesimal ou mitigada, consoante o Acórdão 1196 AGR/SC:

ACO 1196 Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA Julgamento: 14/04/2015 Publicação: 17/04/2015 Decisão de 14.3.2014: “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. § 6º DO ART. 195, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: APLICAÇÃO À CONTRIBUIÇÃO AO PIS. LEI DE CONVERSÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. DISPOSITIVO SUSCITADO AUSENTE DO TEXTO DA MEDIDA PROVISÓRIA: CONTAGEM DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DA LEI. 1. A contribuição ao PIS sujeita-se à regra do § 6º do art. 195 da Constituição da República. 2. Aplicação da anterioridade nonagesimal à majoração de alíquota feita na conversão de medida provisória em lei. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento” (RE 568.503, de minha relatoria, Pleno, DJe 14.3.20154). Naquela assentada, realcei a natureza jurídico-tributária da contribuição social, cuja cobrança pode ocorrer somente após noventa dias da publicação da norma que a tenha instituído ou majorado, nos termos do art. 195, § 6º, da Constituição da República: “O art. 195, § 6º, da Constituição da República, dispõe sobre o princípio da anterioridade especial, também dita mitigada, nonagesimal para alguns para contribuições social-previdenciárias ou contribuições para a seguridade social. Preceitua o § 6º do art. 195 da Constituição da República: ‘Art. 195 Origem SC - SANTA CATARINA Outras ocorrências Decisão (12)

Cabe frisar que o Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento segundo o qual o prazo de noventa dias começa a contar da data da publicação da norma que houver majorado a alíquota da contribuição. Nesse sentido, destacamos o seguinte julgado:

‘Medida provisória: força de lei: idoneidade para instituir tributo, inclusive contribuição social (PIS). Contribuição social: instituição ou aumento por medida provisória: prazo de anterioridade (CF, art. 195, § 6º). O termo a quo do prazo de anterioridade da contribuição social criada ou aumentada por medida provisória é a data de sua primitiva edição, e não daquela que, após sucessivas reedições, tenha sido convertida em lei.’ (RE 232.526 , Rel. Sepúlveda Pertence, DJ de 10-3-00)

[1] A União sustentava que “a expressão ‘contribuição do ente’ para os regimes próprios, cujo emprego se consagrou na legislação e na doutrina, não pode ser tomada na acepção de contribuição social, como sinônimo da contribuição do segurado, mas no sentido geral de contribuir, de cooperar com o custeio dos benefícios dos servidores”.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 009/2022, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 04 de fevereiro de 2022.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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04/02/2022 16:25:10
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