Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 008/2022
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 032/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a obrigatoriedade de as instituições financeiras oferecerem máscaras e álcool em gel para os clientes que estiverem presencialmente em agências bancárias"

1. Relatório

O Vereador Dr. João Collares apresentou o Projeto de Lei nº 008/2022 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a obrigatoriedade de as instituições financeiras oferecerem máscaras e álcool em gel aos clientes que estiverem presencialmente em agências bancárias. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no art. 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A proposta que se pretende aprovar se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 008/2022, além de veicular matéria de relevância ao Município, não atrelada às competências privativas da União (art. 22 da CF/88), obriga as agências bancárias a disponibilizarem máscaras e álcool em gel aos seus clientes enquanto perdurar a pandemia de COVID-19, segundo a regulação lançada pelos decretos de estado de calamidade pública.

A Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça é clara ao estabelecer que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.” Por tal sistemática legal, o usuário dos serviços é considerado vulnerável nas esferas econômica, jurídica e técnica em relação aos fornecedores, que detêm a superioridade de poderes e conhecimentos técnicos, nos exatos termos do artigo 4º, I, do CDC. Reconhecida a vulnerabilidade, são aplicáveis todos os direitos decorrentes do sistema jurídico de proteção do consumidor, entre os quais se incluem os previstos no art. 6º do CDC, relativos à adequada e eficiente prestação dos serviços de interesse coletivo.

Sob o ponto de vista material, a proposição não apresenta inconstitucionalidade manifesta, pois os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência asseguram a posição de que todos podem exercer atividades empresariais livremente, desde que satisfaçam as condições estabelecidas em lei. Trata-se, portanto, de uma garantia ligada à liberdade, direito fundamental de primeira dimensão que obriga o Estado a adotar uma posição de inércia quanto aos cidadãos, que se autodeterminam conforme a própria vontade. Como todo e qualquer princípio constitucional, não há absolutismos. Se, por um lado, o livre exercício do trabalho não admite interferências estatais desproporcionais, por outro a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, de acordo com os ditames da justiça social, observado, entre outros, o princípio de defesa do consumidor (art. 170, inc. V, da CF/88).

À luz do princípio da proporcionalidade, tem-se que a medida proposta não causa uma interferência desproporcional no exercício da atividade privada a ponto de torná-la inviável. Nessa linha, a jurisprudência reconhece a possibilidade de os Municípios legislarem sobre medidas que garantam a segurança, o conforto e a rapidez no atendimento dos usuários dos serviços de agências bancárias, desde que não versem sobre a fixação do horário de atendimento, matéria para a qual há reserva de competência da União (art. 22 da CF/88):

ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS - COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA - INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL - ALEGAÇÃO TARDIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 144, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO - MATÉRIA QUE, POR SER ESTRANHA À PRESENTE CAUSA, NÃO FOI EXAMINADA NA DECISÃO OBJETO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO ‘JURA NOVIT CURIA’ - RECURSO IMPROVIDO. - O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros” (STF, AI-AgR 341.717-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, 31-05-2005, v.u., DJ 05-08-2005, p. 92).

Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Representação por inconstitucionalidade. Lei nº 4.344, de 29 de abril de 2010, do Município de Contagem/MG, que obriga agências bancárias a instalarem divisórias entre os caixas e o espaço reservado para os clientes que aguardam atendimento. Lei de iniciativa parlamentar. Ausência de vício formal de iniciativa. Matéria de interesse local. Competência municipal. Precedentes. 1. A lei impugnada não dispõe sobre nenhuma das matérias sujeitas à iniciativa legislativa reservada do chefe do Poder Executivo previstas no art. 61, § 1º, da Constituição Federal, cuidando, tão somente, de impor obrigações a entidades privadas, quais sejam, as agências bancárias do município, que deverão observar os padrões estabelecidos na lei para a segurança e o conforto no atendimento aos usuários dos serviços bancários, de modo que o diploma em questão não incorre em vício formal de iniciativa. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que os municípios detêm competência legislativa para dispor sobre segurança, rapidez e conforto no atendimento de usuários de serviços bancários, por serem tais matérias assuntos de interesse local (art. 30, inciso I, Constituição Federal), orientação ratificada no julgamento da Repercussão Geral no RE nº 610221-RG, de relatoria da Ministra Ellen Gracie (DJe de 20/08/10). Precedentes. 3. Agravo regimental não provido (ARE 756.593 AgR/MG, STF, Primeira Turma, Rel. min. Dias Toffoli, j. em 16/12/2014)

Assim, é limitável o exercício da iniciativa privada para obrigá-la a observar preceitos de ordem pública, tais como os trazidos pelo CDC, já tendo o STJ decidido pela competência dos Municípios para fazer exigências quanto ao funcionamento dos bancos:

ADMINISTRATIVO - FUNCIONAMENTO DOS BANCOS – EXIGÊNCIAS CONTIDAS EM LEI ESTADUAL E MUNICIPAL - LEGALIDADE. 1. A jurisprudência do STF e do STJ reconheceu como possível lei estadual e municipal fazerem exigências quanto ao funcionamento das agências bancárias, em tudo que não houver interferência com a atividade financeira do estabelecimento (precedentes). 2. Leis estadual e municipal cuja arguição de inconstitucionalidade não logrou êxito perante o Tribunal de Justiça do Estado do RJ. 3. Em processo administrativo não se observa o princípio da "non reformatio in pejus" como corolário do poder de auto tutela da administração, traduzido no princípio de que a administração pode anular os seus próprios atos. As exceções devem vir expressas em lei. 4. Recurso ordinário desprovido. STJ. RMS Nº 21.981 - RJ (2006/0101729-2). Rel. Min. Eliana Calmon.

Acerca da iniciativa, cabe referir que a Lei Orgânica Municipal, no artigo 119, não faz reserva alguma de iniciativa ao Poder Executivo quanto à matéria aqui tratada, tratando-se, portanto, de iniciativa comum, na forma do art. 38, in verbis: “A iniciativa das Leis Municipais, salvo nos casos de competência exclusiva, cabe a qualquer Vereador, Comissão Permanente da Câmara, ao Prefeito ou ao eleitorado”.

Portanto, considera-se não haver inconstitucionalidade flagrante que imponha a devolução do projeto de lei ao autor, devendo as comissões permanentes, sobretudo a Comissão de Constituição, Justiça e Redação, fazer o exame da proporcionalidade das medidas veiculadas nesta proposição.

3. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, a Procuradoria Jurídica opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 008/2022, ressaltando-se a competência das comissões permanentes para a realização do exame da proporcionalidade das determinações constantes nesta proposição.

Guaíba, 3 de fevereiro de 2022.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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08/02/2022 13:21:25
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