Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Emenda à Lei Orgânica n.º 001/2022
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 023/2022
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera o Artigo 146, para incluir Inciso XII, onde promoverá em currículo obrigatório nas escolas públicas municipais, a tradição e cultura gaúcha"

1. Relatório

O Ver. Alex Medeiros apresentou o Projeto de Emenda à Lei Orgânica nº 001/22 à Câmara Municipal, objetivando incluir o inciso XII ao art. 146 da Lei Orgânica Municipal. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

As matérias de educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação estão previstas como competências concorrentes, atribuídas à União, aos Estados e ao Distrito Federal, como se vê:

Art. 24 Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[...]

IX – educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;

Na competência concorrente, a União tem por tarefa estabelecer normas gerais sobre as matérias especificadas no artigo 24, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal suplementá-las de acordo com as suas peculiaridades regionais (§§ 1º e 2º). Os Estados e o Distrito Federal só possuem autorização constitucional para legislar plenamente caso a União não tenha editado normas gerais; do contrário, deverão obrigatoriamente respeitá-las, especificando suas regras à luz do ordenamento federal.

Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esses temas. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no artigo 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber.

No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. Resumidamente, os Municípios só podem legislar na competência suplementar caso existam, efetivamente, normas federais ou estaduais sobre a matéria e se respeite o campo de vigência das leis complementadas.

Nesses termos, a interpretação adequada das regras constitucionais de distribuição de competências é a que veda aos Municípios a atividade legislativa apenas sobre matérias que esbarrem na competência privativa do art. 22 da CF/88, atribuída rigorosamente à União, nada impedindo, por outro lado, que legislem com base no interesse local sobre matérias de competência concorrente. Tanto é que, do contrário, não seria possível a formação dos típicos códigos sanitários municipais (“proteção e defesa da saúde” – art. 24, XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – art. 24, VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – art. 24, I).

Veja-se que, na jurisprudência, é acolhido o entendimento da competência legislativa “suplementar complementar” dos Municípios para legislarem sobre matérias versadas no art. 24 da CF/88:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI 10.432/12 DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE - PROIBIÇÃO DE VENDA DE CIGARROS AVULSOS - MATÉRIA DE INTERESSE LOCAL - COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR DO MUNICÍPIO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. - Embora a competência para legislar sobre produção e consumo seja concorrente entre a União e os Estados, assegura-se ao Município competência para suplementar a legislação federal e estadual no que couber e legislar sobre assuntos de interesse local, nos termos do artigo 30, da CF e artigos 10 e 169, da Constituição Estadual.- Inexiste inconstitucionalidade na Lei 10.432/12, do Município de Belo Horizonte, ao dispor sobre a proibição da venda de cigarros avulsos, por se tratar de questão afeta a direito do consumidor, de nítido interesse local, e por não haver conflito com a legislação federal. - Improcedência da representação. V.V. (TJ-MG - Ação Direta Inconst: 10000120699962000 MG, Relator: Heloisa Combat, Data de Julgamento: 10/04/2013, Órgão Especial / ÓRGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 17/05/2013)

Portanto, consoante fundamentam as decisões acima transcritas, em que pese a matéria de educação e ensino esteja presente no art. 24 da CF/88 como competência legislativa concorrente da União, do Distrito Federal e dos Estados, os Municípios, no estrito interesse local, podem legislar sobre a matéria, atentando para não extrapolar o âmbito local e para não entrar em conflito com normas constitucionais ou infraconstitucionais.

Constata-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que, tratando-se de emenda à Lei Orgânica, exige o artigo 35, § 1º, da Lei Orgânica que a proposta, se veiculada por Vereador, seja subscrita por 1/3 dos membros da Câmara Municipal, requisito que foi devidamente observado, pois há nove assinaturas ao final da exposição de motivos.

Assim, a competência e a iniciativa legislativa foram adequadamente exercidas. Entretanto, no Município de Guaíba já existe previsão no mesmo sentido, instituída pela Emenda à Lei Orgânica nº 7/2021. Portanto, ainda que não exista inconstitucionalidade na proposição, o fato de já haver disposição praticamente idêntica impõe que se reavalie a necessidade do processo legislativo, pelo que a medida mais adequada e recomendável é a devolução ao autor, para que, eventualmente, apresente substitutivo ou nova proposta alterando disposições da norma existente com o fim de torná-la mais completa.

3. Conclusão

Diante do exposto, considerando que já existe previsão no mesmo sentido, instituída pela Emenda à Lei Orgânica nº 7/2021, a Procuradoria Jurídica opina pela devolução da proposta ao autor, com fundamento no art. 105 do Regimento Interno, para que, eventualmente, apresente substitutivo ou nova proposição alterando a redação da norma já existente com o objetivo de torná-la mais completa.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 19 de janeiro de 2022.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilGUSTAVO DOBLER:02914216017
19/01/2022 14:13:28
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 19/01/2022 ás 14:13:05. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 3a66c52cb8d8ee75a58fa349d191b7bc.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 107471.