Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 066/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 391/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Executivo Municipal a efetuar a doação de área ao Estado do Rio Grande do Sul, com a finalidade de construção de prédio para o Corpo de Bombeiros"

1. Relatório

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 066/2021 à Câmara Municipal, que autoriza o Executivo Municipal a efetuar a doação de área ao Estado do Rio Grande do Sul, com a finalidade de construção de prédio para o Corpo de Bombeiros. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

A norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

Verifica-se, também, estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da doação de próprios públicos e, sobre esse tema, dispõe a Lei Orgânica do Município de Guaíba:

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos;

Art. 92 Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços.

Como justificativa para a doação, o Poder Executivo alega, na exposição de motivos, que o ato tem por objetivo possibilitar que o Corpo de Bombeiros mantenha sua guarnição de socorro operacional em instalação localizada em área estratégica para oferecer atendimento ágil aos bairros do Município e às ocorrências na BR-116, que é o elo com os demais Municípios da região, sob responsabilidade do Pelotão de Guaíba.  A área é um bem público de natureza dominical, pois desafetado pela Lei Municipal nº 1.892/2004, estando, portanto, em condições de alienabilidade.

Inicialmente, a CF/88, ao tratar de licitações, prevê, no seu art. 37, XXI, que “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. A Lei de Licitações (Lei Federal nº 8.666/93), por sua vez, dispõe:

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)

Como se vê da leitura do dispositivo legal, um dos principais motivos da existência da licitação, na Administração Pública, é a possibilidade concreta da obtenção de propostas vantajosas e econômicas, de modo a atender ao interesse público e a efetivar, na prática, os princípios constitucionais administrativos.

Há, contudo, hipóteses em que a Lei de Licitações estabelece a dispensa da licitação, que tanto podem refletir casos de licitação dispensável (art. 24) como de licitação dispensada (art. 17). Quanto a esta última, o art. 17 estabelece que os bens da Administração Pública podem ser alienados, cumpridos os seguintes requisitos para tanto: 1) existência de interesse público devidamente justificado; 2) avaliação prévia; 3) quando imóveis, autorização legislativa; 4) em regra, a licitação na modalidade concorrência. A licitação poderá ser dispensada, entre outras causas, na doação (art. 17, I, “b”, da Lei nº 8.666/93).

A redação prevista na alínea “b” do inciso I do art. 17 da Lei de Licitações prevê que a doação com licitação dispensada só é viável quando feita para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo. Ocorre, entretanto, que a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 927-3, processada no STF, recebeu medida cautelar para suspender, em relação aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, os efeitos do art. 17, I, “b”, porque a competência legislativa da União, em matéria de licitações e contratos administrativos, se limita a estabelecer normas gerais, razão pela qual a restrição “permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública” teria extrapolado os limites de competência legislativa federal. Assim, segundo a interpretação do STF na medida cautelar, ficaria suspenso o trecho que restringe doações apenas a órgãos e a entes públicos, tornando-se possível, como regra, quaisquer doações com licitação dispensada, desde que atendidos os demais requisitos do art. 17 da Lei nº 8.666/93.

Para tornar mais clara e fundamentada a argumentação, veja-se a lição doutrinária de Marçal Justen Filho, na obra “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, 16. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 330:

O STF, em decisão cautelar na ADI 927/RS, apreciou questionamento sobre a validade e extensão de inúmeros dispositivos da Lei 8.666/1993. De modo geral, todas as impugnações foram rejeitadas, com ressalva de algumas atinentes a dispositivos do art. 17. A questão acabou despertando inúmeras dúvidas, inclusive derivadas de alguma complexidade na redação do acórdão e dos diversos votos emitidos. [...]

É bem verdade que a leitura dos votos produz algumas dúvidas, tal como adiante referido. Conforme exposto no relatório do ilustre Ministro Carlos Velloso, a inicial pleiteava o reconhecimento da inconstitucionalidade da interpretação que “dá por extensivas aos Estados e Municípios as regras do art. 17, I, b e c, II, a, b e § 1º, da mesma Lei 8.666/1993.” Quanto a isso, pleiteou-se na inicial a adoção de interpretação conforme a Constituição. Portanto, em momento algum se deduziu pleito de declaração de inconstitucionalidade dos referidos dispositivos. Dito de outro modo, não se controvertia sobre sua validade em face da própria União. Essa ressalva é de grande relevância porque a redação do acórdão, ao sumariar o resultado, pode induzir à conclusão de que alguns dos dispositivos teriam tido sua aplicação suspensa de modo absoluto. Resultado dessa ordem não pode ser admitido, eis que configuraria julgamento extra petita. Mais ainda, o teor dos diversos votos induz claramente a conclusão diversa. [...]

No tocante ao inc. I, alínea b, foi deferida a liminar para suspender a vigência, até o julgamento final, quanto a Estados, Distrito Federal e Municípios e respectivas administrações indiretas, da expressão “permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo”, contida no inc. I, alínea b, do art. 17. Não houve maiores divergências quanto  a esse ponto, ficando vencido apenas o Ministro Paulo Brossard.

Suspensa, então, a aplicabilidade da restrição prevista na alínea “b” do inciso I do art. 17 da Lei Federal nº 8.666/93 quanto aos Estados, Distrito Federal e Municípios, os requisitos básicos para as doações de imóveis da Administração Pública com licitação dispensada são: (i) interesse público devidamente justificado; (ii) autorização legislativa prévia; (iii) avaliação dos bens a serem doados. Soma-se a esses requisitos o que consta no art. 101 do Código Civil: “Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.” Só estão sujeitos à alienação, portanto, os bens de natureza dominical, isto é, aqueles bens que apenas compõem o patrimônio da Administração Pública, mas que não estão destinados a uma finalidade pública específica.

Nesse sentido, o proponente anexou ao projeto a cópia da matrícula do imóvel, registrada sob o nº 67.773, em que consta o Município de Guaíba como proprietário. Também está presente o laudo de avaliação do imóvel, elaborado por agentes públicos municipais, em que demonstram, metodologicamente, que o bem tem o valor de R$ 1.219.788,83. Está anexada, ainda, uma planta de situação proposta, que indica geograficamente a localização do prédio do Corpo de Bombeiros. Quanto ao interesse público devidamente justificado, trata-se de tema de mérito a ser analisado pelos vereadores, que deverão ponderar sobre a existência de justificativa plausível para a doação do bem público, ressaltando-se que, segundo o projeto, a transferência se motiva pelo interesse do Estado na instalação do CBM em área estratégica para o ágil atendimento de ocorrências.

No mais, a proposta contém a completa descrição da área e as condições da doação, prevendo que, no caso de descumprimento, o bem será revertido ao patrimônio municipal, medida que traz segurança e efetividade à alienação.

4. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 066/2021, de iniciativa do Executivo Municipal, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário. Ademais, quanto ao interesse público devidamente justificado, trata-se de matéria de mérito a ser avaliada pelos membros do Poder Legislativo, que deverão ponderar sobre a existência de justificativa plausível para a doação, em atenção à exposição de motivos.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 17 de dezembro de 2021.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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17/12/2021 13:49:41
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