PARECER JURÍDICO |
|||||||||||||||||||||||
"Altera o inciso VII, o §4º e acrescenta o §2º- A ao artigo 29 da Lei Municipal nº 3208 de 11 de novembro de 2014 que institui o Código Tributário Municipal no Município de Guaíba" 1. RelatórioO Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 061/2021 à Câmara Municipal, objetivando alterar os incisos VII e X e o § 3º do art. 29 da Lei Municipal nº 3.208/2014, que define o Código Tributário Municipal. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno. 2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICAA Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante. Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.” Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico. 3. MÉRITOO artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
As alterações pretendidas se inserem na definição de interesse local, pois dizem respeito ao âmbito do Município de Guaíba, além de se referirem à competência constitucional de arrecadar os tributos que cabem ao referido ente federativo, entre os quais está o IPTU, objeto da proposição. A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 061/2021 propõe alterações no Código Tributário Municipal, matéria para a qual é reconhecida a iniciativa concorrente, nos termos do artigo 61 da CF/88, artigo 59 da CE/RS e artigo 38 da Lei Orgânica Municipal. A respeito disso, cumpre salientar que, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, cabe ao Município a responsabilidade pela consecução de sua legislação tributária, pertencendo ao Executivo, ao Legislativo e, ainda, à população, através de iniciativa popular, a iniciativa dos referidos projetos de lei, por não haver qualquer restrição expressa à iniciativa para matéria tributária:
No caso, o projeto em questão partiu do próprio Poder Executivo, que procura fazer alterações no Código Tributário Municipal, não havendo, portanto, qualquer obstáculo constitucional à competência e à iniciativa exercidas na proposta. Quanto à matéria de fundo, verifica-se que o Poder Executivo pretende fazer alterações no art. 29 do Código Tributário Municipal, que trata das isenções de IPTU, que consistem na mudança dos critérios de concessão de isenção dos contribuintes de baixa renda (incisos VII e X) e na modificação dos prazos, procedimentos e consequências da isenção (§ 3º), o que, de modo geral, não encontra óbice constitucional ou legal, dado que compete ao próprio ente arrecadador dispor sobre as normas de outorga de isenção aos contribuintes, observadas as normas gerais dispostas no Código Tributário Nacional. Nesse sentido, de acordo com o art. 176 do Código Tributário Nacional (CTN), “A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.” Ou seja, a isenção é matéria que decorre sempre de lei, cuja interpretação é literal (art. 111, II, do CTN), competindo à legislação definir as condições e os requisitos de outorga, bem como o seu campo de aplicação. Além disso, quanto à modificabilidade da isenção, segundo o art. 178 do CTN, “A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.” Resumidamente, é preciso distinguir as isenções entre (1) onerosas, que são aquelas concedidas por prazo certo e que exigem do contribuinte uma contrapartida ou cumprimento de determinados requisitos, e as (2) não onerosas, que são concedidas por mera liberalidade, por prazo indeterminado e sem exigência de contrapartida do beneficiário. As isenções onerosas não podem ser livremente suprimidas ou modificadas, conforme entendimento pacificado na Súmula 544 do STF (“Isenções tributárias concedidas sob condição onerosa não podem ser livremente suprimidas”), por existir, nesses casos, direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88). Já as isenções não onerosas, por outro lado, podem ser revogadas ou modificadas por lei a qualquer tempo, já que, por se tratar de simples liberalidade, não há quebra do princípio da confiança legítima.
Inicialmente, destaca-se que a redação atual do inciso VII do art. 29 é a expressa pela Lei Municipal nº 3.841/2019, que, embora tenha tido seus efeitos suspensos temporariamente por cautelar concedida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 70083888834, voltou a surtir efeitos por conta do julgamento definitivo de improcedência do pedido, tendo o Tribunal de Justiça assentado a constitucionalidade da referida lei. Constata-se, também, que as isenções dispostas nos incisos VII e X do art. 29 do Código Tributário Municipal são isenções onerosas, por serem concedidas por prazo certo (de três em três anos – § 3º do art. 29) e por demandarem o cumprimento de requisitos pelos contribuintes. Nessa linha, em que pese não haja óbice à modificação legal dos requisitos para a concessão de isenção, ressalta-se que, nos termos da Súmula 544 do STF, aqueles que têm a isenção vigente sob as condições da legislação municipal atual possuem o direito adquirido à manutenção do benefício pelo prazo concedido, aplicando-se as novas restrições somente quando da renovação da isenção. Analisando-se com cautela o conteúdo do Projeto de Lei nº 061/2021, é possível verificar que se trata de redação não ampliativa das isenções, pelo contrário, a redação que se pretende instituir contém maiores requisitos para a concessão do benefício, a reduzir seu potencial de renúncia de receita, pelo que, salvo melhor juízo, não se aplicam as disposições do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, dado que não se cuida de criação ou ampliação dessa renúncia de receita, mas de redução.[1] No mais, tratando-se de norma que reduz isenções, exige o art. 104 do CTN que se obedeça ao princípio da anterioridade:
Embora o dispositivo legal citado aparentemente exija apenas o cumprimento do princípio da anterioridade anual (ou de exercício), cabe acrescentar que a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que a redução ou a supressão de benefícios fiscais configura um aumento indireto de tributo, aplicando-se, consequentemente, tanto a anterioridade anual quanto a anterioridade nonagesimal (ou noventena):
Dessa forma, além da preservação do direito adquirido daqueles que cumpriram os requisitos da legislação atual para a obtenção das isenções, a vigência da nova redação deve iniciar no primeiro dia do exercício financeiro seguinte ao da publicação da lei e após transcorridos 90 dias dessa publicação, pela aplicação da anterioridade anual e nonagesimal. Ademais, recomenda-se a correção da ementa do Projeto de Lei nº 061/2021, já que, na realidade, a proposição altera os incisos VII e X e o § 3º do art. 29 da Lei Municipal nº 3.208/2014 (Código Tributário Municipal). [1] Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. § 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado. 4. ConclusãoDiante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 061/2021, desde que observado o direito adquirido daqueles que cumpriram os requisitos da legislação atual para a obtenção das isenções (Súmula 544 do STF) e que a vigência se inicie no primeiro dia do exercício financeiro seguinte ao da publicação da lei e somente após transcorridos 90 dias dessa publicação, devido à aplicação da anterioridade anual e nonagesimal, conforme art. 104, III, do CTN e jurisprudência do STF citada na fundamentação. Por consequência, sugere-se a revisão do inciso III do § 3º, pois, ao que tudo indica, está submetendo os pedidos de isenção de 2021 à regulamentação mais restritiva a ser definida pela proposição. Recomenda-se a correção da ementa do projeto, pois a proposição altera os incisos VII e X e o § 3º do art. 29 da Lei Municipal nº 3.208/2014. Por fim, tratando-se de alteração no Código Tributário, que é lei complementar (art. 46, III, da LOM), deverá ser respeitado o disposto no art. 46, § 1º, da LOM, no sentido de garantir a ampla divulgação e a realização de consulta pública para o recebimento de sugestões, o que constitui etapa necessária à validade jurídica do processo legislativo. Guaíba, 13 de dezembro de 2021. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 13/12/2021 16:50:04 |
|||||||||||||||||||||||
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 13/12/2021 ás 16:49:43. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 96d88448ecd554bfa8b9512e3464b04f.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 106184. |