Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 062/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 373/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal n.º 2048, de 16 de janeiro de 2006 que reestrutura o regime próprio de previdência do Município de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 062/2021 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal n.º 2048, de 16 de janeiro de 2006 que reestrutura o regime próprio de previdência do Município de Guaíba e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do RI, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência e do caráter pessoal da proposição.

Na Exposição de Motivos encaminhada pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo, o proponente expõe os motivos do projeto, aduzindo que “Trata-se de alteração legislativa que diz respeito à forma de recuperação do passivo atuarial e sua repercussão no índice de despesa com pessoal, a partir da inovação trazida pelo disposto na Lei Complementar no 178/2021, na Instrução Normativa no 4/2021 do Tribunal de Contas do Estado e na Nota Técnica SEI no 16162/2021/ME. Para tanto, a intenção é a adoção pelo Município para retirada das despesas com o passivo atuarial da apuração do índice de despesas com pessoal. Assim, uma das saídas para equacionamento do déficit é a adoção de plano de amortização, que se busca com o presente PLE. Tal plano poderá consistir no estabelecimento por meio da contribuição patronal suplementar na forma de alíquotas de aportes periódicos de recursos com valores preestabelecidos, para cobertura do déficit atuarial.”

2. MÉRITO:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, uma vez que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, dispondo sobre matéria relativa ao regime de previdência dos servidores públicos municipais.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 062/2021 propõe alterar legislação que diz respeito ao regime previdenciário de servidores públicos, matéria para a qual é reconhecida a iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, nos termos do artigo 61, § 1º, II, c), da CF/88, aplicado por simetria ao Prefeito Municipal:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998);

(...)

É pacífico o entendimento dos Tribunais de que a matéria sobre a qual veras a proposição em análise é de iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo Municipal, visto que veicula normas do regime previdenciário dos servidores públicos. Nesse sentido, verificam-se os acórdãos do E. Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial do TJSP abaixo ementados:

DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACRÉSCIMO DE BENEFÍCIO AOS PROVENTOS, POR LEI, SEM INICIATIVA DO GOVERNADOR (REGIME JURÍDICO DE SERVIDOR) E SEM PREVISÃO DE FONTE DE CUSTEIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 39, DE 23 DE NOVEMBRO DE 1994, DO ESTADO DO AMAZONAS. 1. Havendo a Lei em questão instituído benefício previdenciário, em acréscimo a benefício já percebido pelo aposentado, por invalidez, sem que o projeto (sobre regime jurídico de servidor) tenha tido a iniciativa do governador, e sem previsão de fonte de custeio, é de se lhe declarar a inconstitucionalidade, por inobservância dos princípios dos artigos 61, § 1º, "c", 195, § 5º, c/c artigo 25 da parte permanente da C.F. de 05.10.1988 e art. 11 do A.D.C.T. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente. Plenário. Decisão unânime” (STF, ADI 1.223-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 12-02-2003, v.u., DJ 28-03-2003, p. 63).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 16.675, de 13 de março de 2018, do Estado de São Paulo, de iniciativa parlamentar, que “altera a Lei nº 14.653, de 22 de dezembro de 2011, que institui o regime de previdência complementar no âmbito do Estado de São Paulo, fixa o limite máximo para a concessão de aposentadorias e pensões de que trata o artigo 40 da Constituição Federal, autoriza a criação de entidade fechada de previdência complementar, na forma de fundação, e dá outras providências” Regime jurídico de servidores públicos estaduais - Configurado o vício de iniciativa, que é privativa do Poder Executivo - Artigos 24, parágrafo 2º, '4', 126, parágrafo 15º da Constituição do Estado de São Paulo. Violação à separação de poderes. Imposição de inscrição automática dos servidores ao regime de previdência complementar, contrariando o caráter facultativo previsto no artigo 126, parágrafo 16º da Constituição Bandeirante, que reproduz o artigo 202 da Constituição Federal, que exige a prévia e expressa opção do servidor Inconstitucionalidade declarada – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (TJSP - Direta de Inconstitucionalidade nº 2104844-06.2019.8.26.0000 - Voto nº 37527, São Paulo, 27 de maio de 2020. ELCIO TRUJILLO - RELATOR).

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei complementar 4.298, de 16 de novembro de 2015, do Município de Taquaritinga -Dispõe sobre alterações na Lei Complementar 4.029, de 18 de junho de 2013, que reestrutura o Regime Próprio de Previdência Social do Município de Taquaritinga e dá outras providências-. Inconstitucionalidade, por se imiscuírem matéria de competência exclusiva do Poder Executivo. Vício de iniciativa. Desrespeito aos artigos5º, caput, 24, §2º, 1 e 2, 47, incisos II, XIV e XIX,alínea 'a', e 144 da Constituição do Estado. Ação procedente. (ADI nº 2208090-23.2016.8.26.0000, Rel. Des. Borelli Thomaz, j. 31.05.2017, v.u.);

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Com efeito, a propositura legislativa em análise possui sólido fundamento nas normas federais e decorre das alterações trazidas ao ordenamento jurídico pela recente Lei Complementar nº 178, de 13 de janeiro de 2021, a qual trouxe significativas medidas de reforço à responsabilidade fiscal, com efeitos imediatos aos entes Municipais e consideravelmente impactantes para aqueles que possuem RPPS, como é o caso do Município de Guaíba.

A referida LC nº 178/2021 promoveu alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal – LC nº 101/2000, especificamente em seu art. 19, que trata da verificação do atendimento dos limites da despesa total com pessoal, excetuando dos limites as despesas previstas no art. 19, § 1º, VI, c), verbis:

Art. 19 (...)

§ 1º Na verificação do atendimento dos limites definidos neste artigo, não serão computadas as despesas:

VI - com inativos e pensionistas, ainda que pagas por intermédio de unidade gestora única ou fundo previsto no art. 249 da Constituição Federal, quanto à parcela custeada por recursos provenientes:

c) de transferências destinadas a promover o equilíbrio atuarial do regime de previdência, na forma definida pelo órgão do Poder Executivo federal responsável pela orientação, pela supervisão e pelo acompanhamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos.

De fato, a propositura legislativa está adequando a legislação municipal de acordo com as alterações advindas da LC 178/2021, da Instrução Normativa nº 4/2021 do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul e da Nota Técnica SEI nº 16162/2021/ME. A referida Lei Complementar e a Nota Técnica nº 4/2021 decorrente dessa alteração legislativa trouxeram relevantes efeitos na apuração da Receita Corrente Líquida e das Despesas com Pessoal.

Nos termos da EC 103/2019 e da Portaria MF nº 464, de 2018, uma das alternativas para equacionamento do deficit atuarial é a implementação de plano de amortização, que deverá ser estabelecido em lei pelo ente federativo, observados os parâmetros definidos na Portaria MF nº 464, de 2018, em especial em seus arts.  48 e 54, e na Instrução Normativa SPREV nº 07, de 21 de dezembro de 2018.  O plano de amortização poderá consistir no estabelecimento por meio da contribuição patronal suplementar na forma de alíquotas, ou aportes periódicos de recursos com valores preestabelecidos, para cobertura do deficit atuarial.

A Nota Técnica SEI nº 18162/2021/ME [1]elucida que “Caso o método adotado de equacionamento do deficit atuarial seja o dos aportes periódicos com valores preestabelecidos, previstos em plano de amortização instituído em lei, embora atuarialmente tenham a mesma concepção das alíquotas suplementares/extraordinárias, não terão, em regra, o mesmo tratamento contábil/fiscal a elas conferido... as contribuições patronais se inserem no conceito de encargo social, pois suas alíquotas são calculadas com base na folha de pagamento, ao passo que os aportes se desvinculam desse montante e são tratados como prestações pecuniárias para o pagamento/equacionamento do deficit”.

A referida Nota Técnica SEI nº 18162/2021/ME esclarece ainda que para que os aportes preestabelecidos sejam deduzidos das despesas de pessoal devem obedecer aos critérios definidos pela Portaria MPS nº 746/2011, especialmente que sejam controlados separadamente dos demais recursos de forma a evidenciar a vinculação para qual foram instituídos e que permaneçam devidamente aplicados em conformidade com as normas vigentes, no mínimo, por 05 (cinco) anos:

Nota Técnica SEI nº 18162/2021/ME:

Os aportes preestabelecidos não se configuram como despesa com pessoal, de que trata o art.18 da LRF, e ao serem percebidos pelo RPPS passam a compor seus recursos destinados ao pagamento dos benefícios.

Contudo, os benefícios quando pagos com os recursos das contribuições já podem ser deduzidos, de pronto, das despesas com pessoal, conforme prevê a alínea "c" do inciso VI do § 1º do art. 19 da LRF, enquanto os aportes terão que atender a requisitos que visam estimular a constituição de reservas pelo RPPS para que tenham esse tratamento/benefício fiscal.

... caso observem os requisitos estabelecidos pela Portaria MPS nº 746, de 27 de dezembro de 2011, poderão, futuramente, ao serem utilizados para o pagamento de benefícios, serem deduzidos das despesas com pessoal.

(...)

a Portaria MPS nº 746, de 2011, estabeleceu que os aportes para cobertura do deficit atuarial do RPPS, de que trata a Portaria Conjunta STN/SOF nº 02, de 2010, deverão obedecer aos seguintes critérios:                        

a) se caracterizem como despesa orçamentária com aportes destinados, exclusivamente, à cobertura do deficit atuarial do RPPS, conforme plano de amortização estabelecido em lei específica do respectivo ente federativo;

b) sejam os recursos utilizados para o pagamento de benefícios previdenciários dos segurados vinculados ao Plano Previdenciário de que trata o art. 2º, inciso XX, da Portaria MPS nº 403, de 10 de dezembro de 2008 (esse inciso tratava do Plano instituído em caso de segregação da massa ou plano único, como essa Portaria foi revogada pela Portaria MF nº 464, de 2018, o "Plano Previdenciário" passou a ser denominado de "Fundo em Capitalização");

c) fiquem sob a responsabilidade do órgão ou entidade gestora do RPPS;

d) sejam controlados separadamente dos demais recursos de forma a evidenciar a vinculação para qual foram instituídos;

e) permaneçam devidamente aplicados em conformidade com as normas vigentes, no mínimo, por 05 (cinco) anos.

Assim, caso cumpram esses requisitos previstos na Portaria MPS nº 746, de 2011, em especial, a segregação dos recursos provenientes desses aportes e a sua aplicação durante o prazo mínimo de cinco anos para que sejam utilizados nas despesas com benefícios, poderão ser deduzidos das despesas com pessoal quando desse pagamento.

Registre-se a necessidade de controles segregados desses recursos para que seja demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos na Portaria MPS nº 746, de 2011, ou em outra norma que venha a sucedê-la.

Cabe repisar que o órgão de assessoria jurídica Borba, Pause & Perin recomendou tal alteração legislativa através do Boletim Técnico nº 130, de 06 de agosto de 2021 “adequação da legislação local com a modificação da forma de equacionamento do déficit atuarial, acaso esteja hoje estabelecida em alíquota calculada sobre a folha, passando a sê-lo através de aportes periódicos em valores preestabelecidos”.

Portanto, está adequada a propositura legislativa com o objetivo de alinhar-se às alterações advindas da LC nº 178 no sentido de que as transferências de recursos que serão destinadas a promover o equilíbrio atuarial dos RPPS sejam dedutíveis da despesa bruta com pessoal, repercutindo de forma positiva no limite fiscal do ente, visto que a única opção de amortização que não configuraria despesa com pessoal seria a pretendida adoção dos aportes periódicos com valores preestabelecidos, previstos em plano de amortização instituído em lei que devem seguir os parâmetros estabelecidos pela SEPRT por meio da Portaria MF nº 464/2018 e da Portaria MPS nº 746/2011.

[1] Esclarecimentos sobre as transferências destinadas a promover o equilíbrio atuarial dos RPPS, de que trata a alínea "c" do inciso VI do § 1º do art. 19 da Lei Complementar nº 101, de 2000, com a redação dada pela Lei Complementar nº 178, de 2021 - https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-no-servico-publico/legislacao-dos-rpps/notas/nota-tecnica-sei-18162-2021-me-lc-178-2021-equilibrio-atuarial-rpps-e-limites-fiscais.pdf

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 062/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Verifica-se que foi juntado aos autos da propositura legislativa estudo técnico atuarial e plano de amortização através dos aportes, cabendo a verificação da viabilidade da medida de adoção de aportes periódicos para a recuperação do passivo atuarial do ponto de vista orçamentário e financeiro, especialmente no PLOA 2022 em tramitação.

É o parecer.

Guaíba, 08 de dezembro de 2021.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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08/12/2021 16:50:46
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