Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 058/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 367/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria o Centro de Referência de Atendimento às Mulheres e dá outras providências(CRAM)"

1. Relatório

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 058/2021 à Câmara Municipal, que objetiva instituir, no Município de Guaíba, o Centro de Referência de Atendimento às Mulheres (CRAM). A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir se insere na definição de interesse local, pois diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, além de referir-se ao objetivo constitucional de promover o bem de todos, sem preconceitos de sexo (art. 3º, IV, da CF/88).

Com efeito, a propositura legislativa em análise possui sólido fundamento em nossa Constituição Federal, pois, em última análise, tutela a dignidade da pessoa humana, a promoção do bem comum e a solidariedade, valores retratados como fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 058/2021 é a proteção das mulheres que estejam em contextos de violência doméstica, o que encontra amparo na Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e nas convenções internacionais de direitos humanos.

De acordo com o artigo 2º da Lei Maria da Penha, “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.”

Importante revelar, ainda, o disposto no artigo 3º da Lei Federal nº 11.340/06, que dispõe, em linhas gerais, sobre os direitos garantidos às mulheres:

Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 2º Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

No âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, importante fazer referência à Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, incorporada à ordem jurídica interna pelo Decreto nº 4.377/2002, e à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará”), incorporada pelo Decreto nº 1.973/1996, dois importantes instrumentos de proteção dos direitos humanos das mulheres, aos quais o Brasil está vinculado juridicamente e que também fundamentam a instituição da presente política municipal.

Portanto, sob o ponto de vista da competência e do conteúdo material, não há óbices à tramitação do Projeto de Lei nº 058/2021.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, na medida em que o Projeto de Lei nº 058/2021 propõe a criação de um programa de proteção às mulheres (Centro de Referência de Atendimento às Mulheres – CREAM), na linha das políticas públicas previstas na Lei Maria da Penha, tratando-se eminentemente de política com considerável repercussão financeira e administrativa, para o que se considera haver iniciativa privativa do Chefe do Executivo devido à reserva de administração baseada na cláusula da separação de poderes (art. 2º da CF/88 e art. 5º da CE/RS).

Por fim, como bem registrou o IGAM na Orientação Técnica nº 29.695/2021, por se tratar de um programa de duração continuada, é necessário que exista a devida previsão nas leis que tratam do Plano Plurianual, das Diretrizes Orçamentárias e do Orçamento Anual, conforme disposto na Lei Orgânica em seu art. 106.[1]

[1] Art. 106 Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

§ 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública municipal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.

§ 2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da Administração Pública municipal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual e disporá sobre as alterações na legislação tributária.

§ 3º O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório resumido da execução orçamentária.

§ 4º Os planos e programas municipais previstos nesta Lei Orgânica serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Poder Legislativo.

§ 5º A lei orçamentária anual compreenderá:

I - orçamento fiscal referente aos Poderes do Município, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II - o orçamento de investimento das empresas em que o Município detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social, com direito a voto;

III - o orçamento de seguridade social.

§ 6º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrentes de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.

§ 7º Os orçamentos anuais e as leis de diretrizes orçamentárias, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades no município, segundo critério populacional.

§ 8º A lei orçamentária anual não poderá conter dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação de despesa, não se incluindo na proibição a autorização para a abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

4. Conclusão

Diante do exposto, a Procuradoria Jurídica opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 058/2021, de iniciativa do Poder Executivo, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, observada a necessidade de que a implementação do referido programa seja incluída nas peças orçamentárias (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual), na forma como dispõe o art. 106 da Lei Orgânica Municipal.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 1º de dezembro de 2021.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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ICP-BrasilGUSTAVO DOBLER:02914216017
01/12/2021 11:40:22
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