PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a obrigatoriedade das empresas que exploram o transporte coletivo urbano de passageiros indicarem em locais visíveis no interior de seus ônibus o ano de sua fabricação." 1. RelatórioO Vereador Marcos SJ apresentou o Projeto de Lei nº 188/2021 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a obrigatoriedade das empresas que exploram o transporte coletivo urbano de passageiros indicarem, em locais visíveis no interior de seus ônibus, o ano de sua fabricação. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 2. MÉRITODe fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A norma que se pretende editar no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local e na competência municipal, visto que o Projeto de Lei nº 188/2021 objetiva definir a obrigação de que as empresas que operem o transporte coletivo municipal indiquem, em locais visíveis de seus veículos, o ano de sua fabricação. Tal medida, como referido, se insere na competência legislativa municipal. Ocorre que o Projeto de Lei nº 188/2021, embora louvável no seu objeto, contém vício de iniciativa. A proposição esbarra no disposto no art. 61, § 1º, da Constituição Federal, que estabelece a iniciativa privativa para a deflagração do processo legislativo, fixando as disciplinas próprias do Presidente da República, aplicáveis por simetria aos demais entes federados, entre eles o Município de Guaíba:
O conteúdo normativo do Projeto de Lei nº 188/2021, do Poder Legislativo, invade a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, prevista no aludido art. 61, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, ao regulamentar serviço público que é de responsabilidade e atribuição do Executivo. O serviço público de transporte coletivo conta necessariamente com certa regulamentação para sua execução e eficiência, podendo ser realizado diretamente ou mediante delegação a terceiros, neste caso precedida da indispensável licitação. No caso do Município de Guaíba, o serviço é delegado a empresas selecionadas por procedimento licitatório, perfazendo-se a relação por contrato administrativo, com cláusulas fixas sobre a forma de prestação do serviço, que até podem ser alteradas unilateralmente, mas apenas por iniciativa do próprio contratante (Poder Executivo). Diante disso, a alteração das regras contratuais sobre a prestação do serviço não cabe ao Poder Legislativo, mas apenas ao Executivo, enquanto esfera de poder responsável pelo transporte público coletivo municipal. Lembre-se, também, que a medida é uma daquelas que tem aptidão para interferir no contrato administrativo, já que a inscrição de informações ostensivas sobre o ano de fabricação de todos os veículos pode acarretar alteração do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, a impactar nas condições tarifárias do serviço, o que deve estar sob a gestão e responsabilidade do ente federado contratante, ou seja, há reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo nesses casos. Não se pode esquecer, ainda, do previsto no artigo 119 da Lei Orgânica Municipal, que, à semelhança dos citados dispositivos constitucionais, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre determinadas matérias:
Veja-se, nesse sentido, a jurisprudência pacífica do TJRS:
Assim, considerando ser exclusiva do Poder Executivo a iniciativa do processo legislativo para definir a forma de prestação do serviço de transporte coletivo, o Projeto de Lei nº 188/2021 sofre de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, sendo juridicamente inviável. Sugere-se a remessa de indicação ao Executivo, nos termos regimentais, para a alteração da Lei Municipal nº 2.931/12, de modo a estabelecer no regramento a obrigação disposta no Projeto de Lei nº 188/2021, diante do seu inquestionável mérito. 3. ConclusãoDiante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente devolver ao autor a proposta em epígrafe, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, da CF/88; arts. 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS), bem como por violação ao art. 119, II, da Lei Orgânica. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 1º de dezembro de 2021. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 01/12/2021 13:44:12 |
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