Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 183/2021
PROPONENTE : Ver. Juliano Ferreira, Ver. Tiago Green e Ver. Airton Elegância
     
PARECER : Nº 357/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o Programa “Empresa Amiga do Esporte e Lazer” no Município de Guaíba."

1. Relatório

Os Vereadores Juliano Ferreira, Tiago Green e Airton Elegância apresentaram o Projeto de Lei nº 183/2021, que institui “o Programa Empresa Amiga do Esporte e Lazer” no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende aprovar no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local, pois o Projeto de Lei nº 183/2021 visa incentivar parcerias entre o Poder Público e empresas que contribuam para a promoção, valorização e defesa da qualidade do esporte e do lazer, o que não encontra resistência na Constituição Federal quanto à competência.

Quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador sobre a matéria tratada, já que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva.

Nessa perspectiva, quanto à inocorrência de invasão de competência do Poder Executivo da proposição, cabe trazer a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70074889684, quanto à lei municipal que institui o Programa Adote uma Lixeira, de objetivos similares ao deste projeto (parcerias entre Poder Público e empresas para medidas de interesse público em troca de uso de publicidade em espaços e bens “adotados”):

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL N. 3.038/2017, DO MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO, QUE INSTITUI O PROGRAMA ADOTE UMA LIXEIRA. LEI DE INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO. VÍCIO DE INICIATIVA NÃO CONFIGURADO. Lei que apenas faculta ao Poder Executivo Municipal estabelecer parcerias com empresas privadas, entidades sociais ou pessoas físicas interessadas em financiar a instalação e manutenção de lixeiras em logradouros públicos. Ausência de determinação legal de regulamentação e implantação do programa pela administração pública municipal. Ausência de criação de atribuições a Secretarias Municipais. Violação ao princípio da separação e independência dos poderes não configurada. Não padece de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, lei municipal de iniciativa do Poder Legislativo que cria o programa denominado “Adote uma Lixeira”, facultando ao Município o estabelecimento de parcerias com empresas privadas, entidades sociais, ou pessoas físicas interessadas em financiar a instalação e manutenção de lixeiras nos logradouros públicos, com direito à publicidade. A lei impugnada não determina a implantação do programa em questão e nem estabelece prazo para tanto, meramente facultando à Administração Pública Municipal efetivar tal programa, atendendo critérios de conveniência e oportunidade, não criando atribuições a órgãos da Administração Pública e tampouco dispondo sobre matérias cuja lei é de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, previstas no art. 60, inc. II, da Constituição Estadual. JULGARAM IMPROCEDENTE. Ação Direta de In-constitucionalidade Órgão Especial. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70074889684, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 09 de abril de 2018)

Naquela ocasião, o TJRS consignou que “A leitura do texto legal revela que não foram impostas obrigações diretas e imediatas ao Executivo (salvo a de regulamentar a lei em 30 dias – art. 3º), tampouco foram criadas novas tarefas para seus órgãos.” e que a “A iniciativa do Poder Legislativo é louvável e vem ao encontro do interesse público”. Além de tudo, assentou que:

“... a preocupação de asfixiarmos as Câmaras Municipais. Sobrará o que para as Câmaras Municipais? Fazer voto de louvor, voto de pesar, dar nome em rua? Do que também me penitencio, porque já julguei com o que considero hoje uma extrema restrição à competência legislativa, que estamos estabelecendo quanto às Câmaras Municipais e que não se vê, por exemplo, no âmbito Federal, quanto à Câmara de Deputados, quanto ao Senado e à iniciativa legislativa.

(...)

Este, insisto, é um tema que deveríamos nos debruçar para estabelecer quais os limites de atuação do Legislativo Municipal e evitar-se uma restrição, porque não vai sobrar nada para o Legislativo. Depois, então, começa-se a ironizar: A Câmara de Vereadores é só para dar voto de louvor, voto de pesar e nome em rua? De certa forma, se permanecer esse enfoque rígido, está justificada essa limitação legislativa das Câmaras de Vereadores.

(...)

DES. RUI PORTANOVA:

Colegas. Este é um processo típico para começarmos a pensar numa idéia que, pouco e pouco, tem se desenvolvido neste Órgão Especial. Trata-se da ideia de, na medida do possível, buscarmos prestigiar, cada vez mais, a atividade dos vereadores e, por conseqüência, a atividade legislativa municipal. Não sei até que ponto essa idéia já esteja mesmo disseminada (tal como se fosse um norte a ser buscado) pelo conjunto dos colegas que compõem este Colégio. Na verdade, cada vez ouço do eminente colega DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA - e me convenço que é tempo para começar a plantar a idéia de valorização dos Edis de nossas cidades. Não podemos perder de vista que, até antes da Constituição de 1988, as Câmaras de Vereadores sofreram as agruras de um longo e tenebroso inverno. Em 1964, por exemplo, as Câmaras foram proibidas de emendar orçamentos municipais e foi proibida a remuneração de vereadores. Na Constituição de 1988, influenciada pelo movimento democrático, a realidade dos Municípios sofreu grandes modificações. Entre tantas modificações vale destacar as mudanças ocorridas na distribuição dos recursos tributários e também no processo de descentralização de políticas públicas, que conferiu ao Município novas responsabilidades político administrativas para exercitar com autonomia os assuntos relativos ao peculiar interesse local em decorrência de seu inédito papel no novo padrão de organização federativa que a Constituição implantou. Tanto quanto posso retirar, o mais expressivo julgamento que alimenta a idéia de valorização da legislação municipal, vem do Supremo Tribunal Federal.

É o que se vê de notícia site da Suprema Corte de 20 de outubro de 2016 que segue: Lei de iniciativa parlamentar que prevê instalação de câmeras de segurança em escolas públicas é constitucional O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou jurisprudência dominante no sentido de que não invade a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para os cofres municipais, não trate da estrutura ou da atribuição de órgãos do município nem do regime jurídico de servidores públicos. A matéria foi apreciada no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 878911, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual do STF. No caso dos autos, o prefeito do Rio de Janeiro ajuizou ação direta de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça estadual (TJ-RJ) buscando a invalidade da Lei Municipal 5.616/2013, que prevê a obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em escolas públicas municipais e cercanias. Na ação, sustentou que a lei apresenta vício formal de iniciativa, pois decorreu de proposta do Legislativo local, situação que usurparia a competência exclusiva do chefe do Executivo para propor norma sobre o tema.

Rogando vênia, a divergência, estou em que, procedendo a um juízo de proporcionalidade entre a lei carioca, considerada constitucional pelo STF, e a presente lei hamburguesa, vê-se bastante possível proceder-se a juízo de constitucionalidade. Talvez valha a pena reconhecer que, na busca da valorização das leis municipais haja, neste caso pequeno gasto na execução do Projeto, quando e se implementado o programa “Adote uma lixeira”. Tomando-se de emprestado o parecer do Ministério Público, pode-se projetar, por exemplo que caberá ao Executivo apreciar as propostas das pessoas jurídicas ou físicas, selecioná-las e formalizar a concessão desse patrocínio.”

Portanto, em relação ao conteúdo da proposta, não há qualquer inconformidade no que diz respeito à instituição da parceria e sua regulamentação legislativa, que, na forma do acórdão acima citado, faculta à Administração Pública o estabelecimento das parcerias de interesse público, sem adentrar nas atribuições dos órgãos públicos do Poder Executivo.

3. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 183/2021, por não criar imperiosamente novas atribuições aos órgãos públicos do Poder Executivo.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 24 de novembro de 2021.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilGUSTAVO DOBLER:02914216017
24/11/2021 15:24:10
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 24/11/2021 ás 15:23:55. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 3a4b50fa04f597b18c81d85001817da1.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 104533.