Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 057/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 354/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria o Restaurante Popular no Município de Guaíba e determina o orçamento e funcionamento do equipamento e dá outras diretrizes."

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Substitutivo ao Projeto de Lei nº 057/2021 à Câmara Municipal, o qual “Cria o Restaurante Popular no Município de Guaíba e determina o orçamento e funcionamento do Equipamento e dá outras diretrizes”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local (art. 30, I, da CF/88), já que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, além de referir-se ao objetivo constitucional de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CF/88).

Com efeito, a propositura legislativa em análise possui sólido fundamento em nossa Constituição Federal, pois, em última análise, tutela a dignidade da pessoa humana, a promoção do bem comum e a solidariedade, valores retratados como fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no Título VIII, que trata da “Ordem Social”, mais especificamente no Capítulo II, que ordena a Seguridade Social, estabelece que esta compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (art. 194 da CF/88).

Mais especificamente, o art. 203 refere que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivo a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Da mesma forma, a Lei Orgânica Municipal possui disposições que visam proteger a população quanto às necessárias medidas de assistência social a cargo do Poder Público, especialmente em situações de calamidade como a que se vivencia no momento, bem como estabelece o dever de combate à miséria:

Capítulo XI
DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL

SEÇÃO

PRINCÍPIOS GERAIS


Art. 128 Em cumprimento do que estabelece a Constituição Federal, Estadual e Lei Orgânica Municipal, o Município terá regrada a sua atuação pelos seguintes princípios:

I - promoção do bem estar físico, mental e social do homem com o fim essencial da produção e do desenvolvimento econômico;

II - valorização econômica e social do trabalho e trabalhador, associada a uma política de expansão das oportunidades de emprego e de humanização do processo social de produção, com a defesa dos interesses do povo;

(...)

VIII - integração das ações do Município com as da União Estado, no sentido de garantir a segurança social destinada a tornar efetivos os direitos ao trabalho, à educação, ao desporto, ao lazer, à saúde, à habitação e à assistência social, especialmente dirigidas ao menor e ao idoso;

Art. 130. Na organização de sua economia, o Município combaterá a miséria, o analfabetismo, o desemprego, a propriedade improdutiva, a marginalizarão do indivíduo, o êxodo rural, a economia predatória e todas as formas de degradação da condição humana.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, na medida em que o Projeto de Lei nº 057/2021 propõe a criação de um programa de fornecimento de alimentação à população de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade social, tratando-se eminentemente de política de assistência social com considerável repercussão financeira, para o que se considera haver iniciativa privativa devido à reserva de administração baseada na cláusula da separação de poderes (art. 2º da CF/88 e art. 5º da CE/RS).

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. A finalidade principal da proposta legislativa, ao instituir a criação do presente programa municipal Restaurante Popular, é promover o mínimo existencial decorrente da dignidade humana. Nesse sentido, em 7/12/1993, a União editou a Lei nº 8.742, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, que prevê, em seu art. 1º, que “A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”.

Além disso, segundo o art. 4º da Lei nº 8.742/1993, a assistência social é regida pelos seguintes princípios: “I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V - divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.”

Recomenda-se que uma vez definidas as ações que constarão nas peças orçamentárias, seja feita a análise da necessidade de remessa de projeto de lei específico para eventual adequação da estrutura programática e eventual autorização para abertura de crédito adicional.

A instituição de um fundo só se justifica para que uma política governamental seja desenvolvida de forma contínua e segregada, devendo haver procedimentos orçamentários e fiscais a serem adotados decorrentes da constituição de fundo público, haverá a obrigatoriedade de o Poder Executivo Municipal prever, anualmente, na Lei Orçamentária, recursos para o custeio das ações vinculadas ao emprego dos recursos a ele legalmente vinculados, as quais deverão ser compatíveis com o Plano Plurianual - PPA e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e este fundo deverá ser alocado como unidade orçamentária do respectivo órgão ao qual vinculado - Assistência Social.

 

No que diz respeito à instituição do Programa Restaurante Popular, o Manual Programa Restaurante Popular do Governo Federal recomenda que o projeto seja apreciado pelo Conselho Municipal:

  1. QUANTO AO AMPARO LEGAL

A criação dos Restaurantes Populares deve ter previsão legal. O instrumento que ampara a criação e o funcionamento dos Restaurantes varia em função da forma de gestão escolhida e da legislação específica dos estados e municípios. É imprescindível a ata de aprovação do projeto, preferencialmente, pelo Conselho Municipal...

 

Ainda quanto à criação de Fundo prevista pelo art. 9º, importante sublinhar que a recente Emenda Constitucional nº 109, de 15 de março de 2021, acrescentou o inciso XIV ao art. 167 da CRFB vedando a criação de fundos públicos quando seus objetivos puderem ser alcançados mediante a vinculação de receitas orçamentárias específicas ou mediante a execução direta por programação orçamentária e financeira de órgão ou entidade da administração pública, verbis:

 

Art. 167. São vedados:

XIV - a criação de fundo público, quando seus objetivos puderem ser alcançados mediante a vinculação de receitas orçamentárias específicas ou mediante a execução direta por programação orçamentária e financeira de órgão ou entidade da administração pública.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria Jurídica opina pela legalidade e pela regular tramitação do Substitutivo ao Projeto de Lei nº 057/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que observadas as recomendações pertinentes quanto à necessidade de análise pormenorizada do art. 9º diante da vedação de criação de Fundo público trazida pelo art. 167, XIV da CRFB, sugerindo-se que seus objetivos sejam alcançados mediante a vinculação de receitas orçamentárias específicas ou mediante a execução direta por programação orçamentária e financeira.

 

Recomenda-se, nos termos da Lei Municipal nº 3.688, de 02 de julho de 2018 (vide art. 2º, II, c)), do Manual Programa Restaurante Popular do Governo Federal e da Resolução CNAS nº 033/2012 em seu artigo 84, que a proposta de inclusão de fontes de custeio de recursos no Fundo Municipal de Assistência Social, de que o CMAS terá como responsabilidade gerir o Fundo Municipal de Segurança Alimentar a ser instituído e que o custeio do Restaurante Popular no atual exercício com recursos da Secretaria Municipal de Assistência Social sejam analisados pelo Conselho Municipal de Assistência Social.

 

Verifica-se, não obstante, que para o exercício de 2022 o referido Conselho já aprovou a inclusão da Ação 7010 “Restaurante Popular” nas peças orçamentárias.

 

É o parecer.

Guaíba, 23 de novembro de 2021.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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24/11/2021 10:36:48
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