Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 051/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 350/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Município de Guaíba a doar uma fração de terras à Empresa WCA Comércio de Alimentos LTDA e dá outras providências"

1. Relatório

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 051/2021 à Câmara Municipal, que autoriza o Município de Guaíba a doar uma fração de terras à empresa WCA Comércio de Alimentos LTDA. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

3.1 Da competência legislativa e da iniciativa do processo legislativo

Quanto à competência legislativa, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o art. 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o art. 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe gerar autorização legislativa para a doação de bem imóvel a uma empresa com fins de investimento, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS).

Nesse caso, refere o artigo 59 da Constituição Estadual:

Art. 59. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão técnica da Assembléia Legislativa, à Mesa, ao Governador, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça, às Câmaras Municipais e aos cidadãos, nos casos e na forma previstos nesta Constituição.

Parágrafo único. As leis complementares serão aprovadas pela maioria absoluta dos Deputados.

Na Lei Orgânica Municipal, constam regras sobre a competência privativa do Prefeito para administrar bens municipais, do que se conclui que, além do necessário processo legislativo, há reserva de iniciativa ao Chefe do Executivo:

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos;

Art. 92 Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços.

Portanto, diante do objeto da proposição, consistente na autorização para a doação de imóvel com fins de investimento a uma empresa situada neste Município, adequada a iniciativa do processo legislativo, nos termos da disciplina constitucional pertinente.

3.2 Dos requisitos para a doação de imóveis da Administração Pública

Como justificativa para a doação, o Poder Executivo expõe que a empresa a ser beneficiada é conhecida e consolidada no setor varejista do Município, atuando no setor de supermercados, com especialidade no comércio de gêneros alimentícios, tendo essa empresa, nos últimos seis anos, dobrado o seu número de lojas, com grande geração de empregos e ampliação da capacidade de arrecadação tributária pelo Poder Público. Consta, ainda, que haverá um retorno fiscal aos cofres públicos e a geração de, aproximadamente, oitenta empregos diretos já no ano de 2022, com projeção de cento e cinquenta empregos até 2025. Por fim, o Executivo salienta que o projeto foi aprovado pela Comissão Municipal de Avaliação dos Projetos de Instalação da Zona Especial de Desenvolvimento Econômico e está de acordo com a Lei Municipal da Política de Incentivo ao Desenvolvimento Econômico e Social do Município de Guaíba (Lei Municipal nº 2.664/2010).

O art. 17 da Lei Federal nº 8.666/93 (Lei de Licitações) estabelece a possibilidade de que os bens da Administração Pública sejam alienados, trazendo requisitos para tanto: 1) existência de interesse público devidamente justificado; 2) avaliação prévia; 3) quando imóveis, a prévia autorização legislativa; 4) em regra, licitação na modalidade concorrência, estando esta dispensada, entre outras causas, na doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera do governo (art. 17, I, “b”).

No que tange, especificamente, à hipótese de licitação dispensada pela doação de imóvel, o Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade 927-3, concedeu medida cautelar para suspender parcialmente, em relação aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, os efeitos do art. 17, I, “b”, pois a competência legislativa da União se limita a estabelecer normas gerais, razão pela qual a condicionante “permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera do governo” teria extrapolado os limites de competência legislativa federal. Assim, por decisão do STF, ficou suspenso o referido trecho de restrição, tornando-se possível, com isso, quaisquer doações, desde que atendidos os demais requisitos do art. 17.

Nesse sentido, cabe trazer, ainda, a lição doutrinária de Marçal Justen Filho, na obra “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, 16. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 330:

O STF, em decisão cautelar na ADI 927/RS, apreciou questionamento sobre a validade e extensão de inúmeros dispositivos da Lei 8.666/1993. De modo geral, todas as impugnações foram rejeitadas, com ressalva de algumas atinentes a dispositivos do art. 17. A questão acabou despertando inúmeras dúvidas, inclusive derivadas de alguma complexidade na redação do acórdão e dos diversos votos emitidos.

[...]

É bem verdade que a leitura dos votos produz algumas dúvidas, tal como adiante referido. Conforme exposto no relatório do ilustre Ministro Carlos Velloso, a inicial pleiteava o reconhecimento da inconstitucionalidade da interpretação que “dá por extensivas aos Estados e Municípios as regras do art. 17, I, b e c, II, a, b e § 1º, da mesma Lei 8.666/1993.” Quanto a isso, pleiteou-se na inicial a adoção de interpretação conforme a Constituição. Portanto, em momento algum se deduziu pleito de declaração de inconstitucionalidade dos referidos dispositivos. Dito de outro modo, não se controvertia sobre sua validade em face da própria União. Essa ressalva é de grande relevância porque a redação do acórdão, ao sumariar o resultado, pode induzir à conclusão de que alguns dos dispositivos teriam tido sua aplicação suspensa de modo absoluto. Resultado dessa ordem não pode ser admitido, eis que configuraria julgamento extra petita. Mais ainda, o teor dos diversos votos induz claramente a conclusão diversa.

[...]

No tocante ao inc. I, alínea b, foi deferida a liminar para suspender a vigência, até o julgamento final, quanto a Estados, Distrito Federal e Municípios e respectivas administrações indiretas, da expressão “permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera do governo”, contida no inc. I, alínea b, do art. 17. Não houve maiores divergências quanto a esse ponto, ficando vencido apenas o Ministro Paulo Brossard.

Suspensa, então, a aplicabilidade da restrição prevista na alínea “b” do inciso I do art. 17 da Lei Federal nº 8.666/93 quanto aos Estados, Distrito Federal e Municípios, os requisitos básicos para toda e qualquer doação de imóveis da Administração Pública são: (i) interesse público devidamente justificado; (ii) autorização legislativa prévia; (iii) avaliação dos bens a serem doados.

Soma-se a esses requisitos, por força da Lei Municipal nº 2.664/2010, o conjunto de documentos e demonstrações exigidas como provas do interesse público e da vantajosidade da alienação do patrimônio público, cuja verificação compete às comissões permanentes e que, se for o caso, pode ser complementada no curso do processo legislativo.

Quanto aos referidos requisitos, nota-se que o Projeto de Lei nº 051/2021 conta com avaliação da área a ser doada (fls. 44-45 do primeiro anexo), além de carta de intenção e projeto contendo justificativas e ampla documentação a respeito da regularidade jurídica, fiscal e trabalhista da empresa. Constam, ainda, esclarecimentos sobre os investimentos que serão realizados e informações sobre a capacidade e idoneidade financeira da empresa. Há, ademais, matrícula do imóvel de propriedade do Município de Guaíba e a ata de reunião em que a Comissão Municipal de Avaliação dos Projetos de Instalação da Zona Especial de Desenvolvimento Econômico deliberou pela aprovação do projeto apresentado pela empresa.

Quanto à existência de interesse público devidamente justificado, verifica-se que a exposição de motivos traz uma justificativa para a medida pleiteada, corroborada documentalmente, cabendo aos vereadores julgar se, de acordo com os elementos apresentados, há ou não interesse público na pretensa doação. Por tratar-se, evidentemente, de matéria de mérito, compete às comissões permanentes da Câmara Municipal, se julgarem necessário, solicitar a complementação de informações e documentos ao Executivo Municipal, a fim de subsidiar o juízo sobre a existência de interesse público na transferência.

4. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria Jurídica, em conclusão, opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 051/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam sua deliberação em Plenário. 

Guaíba, 18 de novembro de 2021.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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18/11/2021 12:24:19
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 18/11/2021 ás 12:22:21. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 83327af944a384d30a3eec765347f72d.
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