Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 049/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 338/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 3713, de 26 de setembro de 2018 e dá outras providências"

1. Relatório

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 049/2021 à Câmara Municipal, objetivando alterar a Lei Municipal nº 3.713, de 26 de setembro de 2018. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do Art. 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

Inicialmente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe alterações na Lei Municipal nº 3.713, de 26 de setembro de 2018, que institui Área Especial de Interesse Social – AEIS para fins de implantação de habitações de interesse social, sendo do Prefeito a iniciativa de propostas dessa natureza.

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, VIII, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.” Ainda, o artigo 136, inciso I, da Lei Orgânica Municipal determina que o Município promoverá programas de interesse social destinados a facilitar o acesso da população à habitação, priorizando a regularização fundiária.

As alterações trazidas com a proposta se inserem, efetivamente, na competência do Município para promover o adequado ordenamento territorial, com vistas à regularização fundiária, uma vez que veiculam matéria de competência material comum dos entes federados (art. 23, IX, da CF/88), não atrelada às competências legislativas privativas da União (art. 22 da CF/88).

No que concerne à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta, uma vez que o artigo 182 da CF/88 é claro ao expor que “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.” Com base na competência legislativa concorrente do art. 24, inciso I, da CF/88, a União editou a Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que instituiu o Estatuto da Cidade, com diretrizes gerais da política urbana.

Entre as diretrizes gerais previstas no artigo 2º, consta a “regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais.” (inciso XIV). Ainda, o art. 4º, inciso V, alíneas “f” e “q”, preveem a instituição de zonas especiais de interesse social e a regularização fundiária como instrumentos jurídicos e políticos da política urbana.

Por sua vez, o art. 95 e seguintes da Lei nº 2.146/2006, que instituiu o Plano Diretor do Município de Guaíba, trazem em seu bojo as definições de Áreas Especiais de Interesse Específico, dentre as quais se incluem as Áreas de Interesse Social, nos seguintes moldes:

Art. 95 - As áreas especiais são espaços destinados à localização de equipamentos culturais, comerciais e de serviço de abrangência urbana e regional, tendo como usos:

I - Preferenciais: centro hoteleiro, centros comerciais, sede de administrações empresariais, centros de ensino e pesquisa, centros profissionais e de formação profissional, centros culturais, centros tecnológicos, esportivos e similares;

II - Tolerados: habitacionais, a serem implantados pelo poder público.

Art. 96 - As áreas especiais de Interesse Específico, poderão ser:

I - Área Especial de Interesse Urbanístico – AEIU;

II - Área Especial de Interesse Cultural - Histórico - Arquitetônico – AEICHA;

III - Área Especial de Interesse Paisagístico - Ambiental – AEIPA;

IV - Área Especial de Interesse Social – AEIS.

Parágrafo único. As áreas especiais são as indicadas no mapa do anexo 8.

Seção I - Critérios para a determinação de novas áreas especiais

Art. 97 - As diferentes características sociais, econômicas ou físicas da Macrozona de Ocupação Prioritária poderá requerer a criação de novas áreas especiais; devendo seguir os seguintes critérios:

I - a iniciativa de proposição de uma área especial será do Poder Executivo Municipal;

II - uma vez determinada pela Secretaria responsável pela gestão do Plano Diretor de Planejamento e Gestão Municipal, cada área especial será objeto de uma lei específica, que detalhará ou complementará os dados fixados para a zona.

III - As propostas específicas para cada área especial, depois de aprovadas pelo Conselho do Plano Diretor e Câmara Municipal, serão integradas ao Plano Diretor de Planejamento e Gestão Municipal na forma de Lei;

IV - Na elaboração da lei específica de cada área especial, haverá participação da comunidade da zona em que está inserida a respectiva área, mediante audiência pública;

Trata-se a AEIS, portanto, de um instituto jurídico e político previsto no Estatuto da Cidade para o planejamento municipal (art. 120 e seguintes) que visa criar uma excepcionalidade às regras urbanísticas gerais definidas para a cidade, possibilitando ao Município definir regras e índices urbanísticos específicos para determinadas áreas que pretende regularizar. Seu objetivo é permitir que parcela vulnerabilizada da população, que não teve possibilidade de ocupar solo urbano dentro de situação de legalidade, possa ser incluída e venha a receber serviços e infraestrutura.

Na situação, o Projeto de Lei nº 049/2021 busca ampliar as medidas de compensação de interesse social do Município, tendo em vista que a única possibilidade prevista na lei em vigor – compensação de 8% dos lotes para oferta ao Minha Casa Minha Vida – é considerada pouco efetiva para atender ao interesse público. Dessa forma, a proposição elenca uma série de compensações possíveis, o que, como já referido, se insere no interesse local de regulamentação do Município, com vistas à melhoria das condições habitacionais da população, sobretudo daqueles que se encontram em contextos de vulnerabilidades.

Por fim, segundo o art. 310, inciso I, do Plano Diretor, compete ao Conselho Municipal do Plano Diretor “opinar sobre os projetos de Lei e de decretos necessários à atualização e complementação da Lei do Plano Diretor de Planejamento e Gestão Municipal, a Lei de Parcelamento do Solo e do Código de Obras”. Nesse sentido, recomenda-se às comissões permanentes que diligenciem para a obtenção de pareceres do Conselho Municipal do Plano Diretor acerca da proposição, o que vai ao encontro da necessária participação popular em projetos que se referem ao planejamento e à ocupação do solo urbano.

Assim, em termos gerais, o PL nº 049/2021 é juridicamente viável, uma vez que a matéria está compreendida nas competências legislativas municipais, a iniciativa legislativa é concorrente e a proposição é compatível com o interesse local. Porém, recomenda-se que sejam garantidas a ampla divulgação e a realização de audiências, consultas e debates visando à participação popular, bem como a oitiva do Conselho Municipal do Plano Diretor (art. 310, I, da Lei Municipal nº 2.146/2006), nos termos da jurisprudência:

ADI. LEI MUNICIPAL. REGULARIZAÇÃO DE EDIFICAÇÕES. FALTA DE PARTICIPAÇÃO DE ENTIDADES COMUNITÁRIAS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. É inconstitucional a Lei Complementar nº 333-2006 do Município de Santa Cruz do Sul que versa sobre matéria típica de plano diretor ou de lei que fixa diretrizes do território. Trâmite sem qualquer consulta popular. Ofensa ao art. 177, § 5°, da Constituição Estadual. Precedentes. JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70020527149, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 12/11/2007) (grifou-se)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 2.814/09, DO MUNICÍPIO DE PANAMBI, QUE AUTORIZA EXCEPCIONAR O LIMITE DA ÁREA DE USO URBANO, SOB GRAVAME DE ZONA ESPECIAL DE INTERESSE SOCIAL, INSTITUI REGIME URBANÍSTICO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E DE REALIZAÇÃO DE ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL. REVOGAÇÃO, PORÉM, DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO PELA LEI MUNICIPAL No 2.984/2010. PREJUDICIALIDADE SUPERVENIENTE. HIPÓTESE DE EXTINÇÃO DA AÇÃO, POR PERDA DE OBJETO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. AÇÃO EXTINTA. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade No 70034428151, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Julgado em 13/09/2010). (grifou-se)

4. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela constitucionalidade do Projeto de Lei nº 049/21, por inexistirem, até o momento, vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Ressalta-se, porém, que é obrigatória a participação popular durante a tramitação do projeto, sob pena de inconstitucionalidade formal, tendo em vista que dispõe sobre a política de ordenamento territorial e ocupação do solo urbano, estando tal dever previsto no art. 177, § 5º, da CE/RS e no art. 40, § 4º, I, do Estatuto da Cidade. Logo, a completa viabilidade jurídica do projeto, sob o aspecto formal, está condicionada à ampla divulgação, à realização de consultas/audiências públicas para discussão da proposta e para o recebimento de sugestões da comunidade e à deliberação da proposição pelo Conselho Municipal do Plano Diretor, na forma do art. 310, I, da Lei Municipal nº 2.146/2006 e da jurisprudência do TJRS, acima colacionada.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 10 de novembro de 2021.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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10/11/2021 11:31:50
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