Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 169/2021
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 328/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal n.º 1.027, de 26 de dezembro de 1990 – Código de Posturas"

1. Relatório:

O Vereador Alex Medeiros (PP) apresentou o Projeto de Lei nº 169/2021 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal n.º 1.027, de 26 de dezembro de 1990 – Código de Posturas”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A auto-organização dos Municípios está disciplinada, originariamente, no artigo 29, caput, da Constituição Federal, que prevê: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos”.

O autogoverno se expressa na existência de representantes próprios dos Poderes Executivo e Legislativo em âmbito municipal – Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores –, que são eleitos diretamente pelo povo. A autoadministração e a autolegislação contemplam o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal.

A respeito da autoadministração e da autolegislação, transcreve-se o artigo 30 da Constituição Federal, que enumera algumas das competências dos Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

As alterações propostas se inserem na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei do Legislativo nº 169/2021, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece o regramento local do comércio ambulante, o que se encontra no âmbito das posturas municipais como normas do poder de polícia, sobre as quais cabe a todos os entes federados dispor legislativamente.

A própria Constituição Federal garante tal prerrogativa aos entes municipais em seu artigo 174, caput, in verbis:

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Além disso, a CE/RS, no artigo 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais”:

Art. 13. É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado:

I - exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais;

A fim de esclarecer a possibilidade de o Município, através do Poder Legislativo, com sanção do Poder Executivo, estabelecer normas que regulamentem o exercício de atividades privadas à luz do interesse público, colaciona-se lição da doutrina:

A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos designa-se “poder de polícia”. A expressão, tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos. (...)

A expressão “poder de polícia” pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com interesses sociais (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 838).

Assim, não há dúvidas sobre a competência municipal para a criação de normas de poder de polícia, visando a impor à iniciativa privada o atendimento ao interesse público concernente ao exercício da atividade econômica dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, a tranqüilidade pública do comércio local, nos exatos termos do art. 13, inc. I, da Constituição Estadual Gaúcha e, inclusive, do art. 78 do Código Tributário Nacional.

Art. 78. Considera-se poder de polícia a atividade da administração que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou obtenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício da atividade econômica dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, a tranqüilidade pública ou ao respeito a propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual Gaúcha:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, a Lei Orgânica estabelece as competências legislativas privativas do Prefeito no art. 119, nos seguintes termos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Portanto, as matérias que são indicadas como privativas do Chefe do Poder Executivo, por exemplo, constam no § 1º do art. 61 da Constituição da República. O Supremo Tribunal Federal, no final de 2016, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 898.911/RJ, em regime de repercussão geral, formulou a seguinte tese (917):

Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, a, c e e, da Constituição Federal).

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado - não há promoção de qualquer alteração no rol de atribuições de entidades da Administração Pública do Município de Guaíba, não se está incluindo, nem tampouco excluindo, qualquer responsabilidade diversa das já definidas legalmente.

Tal foi o entendimento do E. Supremo Tribunal Federal no RE 1261700 AgR/RJ, com Acórdão a seguir ementado:

Ementa: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI 1.794, DE 23/02/2000, DO MUNICÍPIO DE NITERÓI (RJ) - DISPÕE SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DA ATIVIDADE COOPERADA DE SERVIÇOS E DO COMÉRCIO INFORMAL. RECURSO PARCIAL, BUSCANDO A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE OUTRAS NORMAS. DESPROVIMENTO. 1. Tem-se, na origem, ação direta de inconstitucionalidade proposta em face da Lei Municipal 1.794/2000, que regulamenta o exercício da atividade do comércio informal de alimentos em veículos utilitários, e dispõe sobre as normas relativas à higiene e à padronização das instalações, localização e funcionamento, e dá outras providências. 2. É inconstitucional a alínea “a” do artigo 3º, por violar a garantia constitucional da liberdade de iniciativa e de livre associação. 3. Os artigos 5º, 6º, e 7º, ao cominarem atribuições novas a órgãos públicos, adentram em matéria sujeita à reserva da Administração e, por isso, afrontam a separação de Poderes. 4. O ora agravante não busca reverter essas conclusões; pleiteia, sim, que outros dispositivos da Lei Municipal também sejam reputados inconsitucionais. 5. As demais normais da lei impugnada estão de acordo com a Constituição Federal, pois não revelam matéria sujeita à reserva de administração. Esta SUPREMA CORTE tem entendimento sedimentado no sentido de que o rol constante do art. 61 da Constituição Federal é taxativo, por restringir a competência do Poder Legislativo. 6. Agravo Interno a que se nega provimento. (RE 1261700 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 18/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-213  DIVULG 26-08-2020  PUBLIC 27-08-2020)

Em trecho do Acórdão recorrido no RE 1261700 AgR/RJ, o Relator Min. Alexandre de Moraes já havia assentado que a matéria análoga ao Projeto de Lei nº 169/2021, de origem parlamentar, não apresenta vício de iniciativa, consoante se extrai do referido excerto:

No que disciplina o comércio de produtos alimentícios em veículos utilitários, dispondo acerca  de requisitos  para  concessão  das  respectivas  licenças,  bem assim   no   que   tipifica   condutas   que   ensejam   as correspondentes  cassações, além  de normas acerca  do objeto   do   ato   legislativo,   tanto   quanto   de   sua regulamentação,  a  Lei  1.794/00  não  apresenta  os  vícios  que lhe   imputou  o  representante  porque  nisso  a  matéria disposta  não  se  inscreve  no  rol  do  art.  49  da  Lei  Orgânica do  Município  de  Niterói.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei do Legislativo nº 169/2021 é atualizar o regramento local sobre comércio ambulante, prevendo as atividades proibidas e permitidas, o que, como dito, envolve matéria de poder de polícia administrativa, de competência municipal.

Ressalta-se, ademais, a exigência de ampla divulgação da presente proposição conforme exige a Lei Orgânica Municipal em seu artigo 46, já que pretende alterar o Código de Posturas Municipal, e, ainda, a necessidade de aprovação por maioria absoluta dos membros da Casa Legislativa, já que se trata de matéria reservada a Lei Complementar.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela constitucionalidade, legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 169/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 26 de outubro de 2021.

 

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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26/10/2021 13:24:33
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