Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 047/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 324/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dá nova redação ao Inciso V e ao inciso II do §3º do artigo 23; revoga o §4º do artigo 23; acrescenta os incisos X e XI ao artigo 29; altera o §3º do artigo 29; altera a tabela X do Anexo I e as tabelas 1 e 2 do Anexo II; da Lei nº 3.208/2014 – Código Tributário doMunicípio de Guaíba"

1. Relatório

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 047/2021 à Câmara Municipal, objetivando alterar a Lei Municipal nº 3.208/2014 (Código Tributário Municipal). A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

As alterações pretendidas se inserem na definição de interesse local, uma vez que dizem respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, além de se referirem à competência constitucional de arrecadar os tributos que cabem ao referido ente federativo, entre os quais está o IPTU e a Taxa de Limpeza Pública e Conservação, objetos da proposição.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 047/2021 propõe alterações no Código Tributário Municipal, matéria para a qual é reconhecida a iniciativa concorrente, nos termos do artigo 61 da CF/88, artigo 59 da CE/RS e artigo 38 da Lei Orgânica Municipal.

A respeito disso, cumpre salientar que, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, cabe ao Município a responsabilidade pela consecução de sua legislação tributária, pertencendo ao Executivo, ao Legislativo e, ainda, à população, através de iniciativa popular, a iniciativa dos referidos projetos de lei, por não haver qualquer restrição expressa à iniciativa para matéria tributária:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA PERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I. A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II. A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III. Agravo Regimental improvido. (STF - RE: 590697 MG, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-171 DIVULG 05-09-2011 PUBLIC 06-09-2011 EMENT VOL-02581-01 PP- 00169).

No caso, o projeto em questão partiu do próprio Poder Executivo, que procura fazer alterações no Código Tributário Municipal, não havendo, portanto, qualquer obstáculo constitucional à competência e à iniciativa exercidas na proposta.

Quanto à matéria de fundo, de modo geral, não há óbices à proposta, com algumas ressalvas. Convém lembrar que a exposição de motivos do projeto justifica que o cenário social e econômico imposto em decorrência da pandemia exige do Poder Público, além de medidas de saúde pública, uma adequação em sua política fiscal que seja coerente com o contexto atual. Nesse sentido, tem-se por objetivo a redução do valor do IPTU por meio de alterações das faixas e diminuição das alíquotas aplicadas ao tributo, o que, segundo o proponente, é vantajoso à sociedade e aos setores econômicos que notoriamente foram prejudicados pelos efeitos do estado de calamidade pública.

As modificações propostas pelo Projeto de Lei nº 047/2021 devem ser diferenciadas no que se refere aos seus efeitos: a) minoração/isenção tributária: arts. 2º, 3º, 4º e 8º; b) majoração tributária: art. 7º; c) disposições que não acarretam impacto na arrecadação: arts. 1º e 6º. Por equívoco de redação legislativa, esqueceu-se do art. 5º, tendo a proposição partido do art. 4º diretamente para o art. 6º.

Relativamente à majoração tributária, identifica-se que a proposição está criando nova hipótese de incidência da Taxa de Limpeza Pública e Conservação – box como unidade autônoma privativa independente do uso a que se destina (7,9127 UFIRM) –, o que atrai as limitações do poder de tributar dispostas no art. 150, III, “b” e “c”, da CF/88, que materializam os chamados princípios da anterioridade anual e da anterioridade nonagesimal. Em outros termos, só será possível a efetiva cobrança da taxa, relativamente à nova hipótese de incidência, no exercício financeiro seguinte e quando respeitado o prazo de 90 dias da data em que houver sido publicada a vindoura lei municipal. Assim, quanto à referida previsão, é necessário desdobrar a cláusula de vigência do art. 9º para diferenciar o início da vigência da lei quanto à disposição de majoração tributária (art. 7º) e às demais, com o objetivo de respeitar as mencionadas limitações constitucionais.

Já em relação às disposições de minoração/isenção tributária, necessário o cumprimento das condições do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), pois a dispensa de observância das limitações legais sobre a renúncia de receitas é circunscrita às proposições legislativas e atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar o estado de calamidade pública e suas consequências, cuja vigência e efeitos sejam restritos à duração desse estado excepcional de calamidade, o que não é o caso da proposição, já que a readequação tributária é definitiva, tendo vigência por tempo ilimitado.[1]

Obrigatória, logo, a juntada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que a política de benefícios deva entrar em vigor e nos dois seguintes, com a demonstração do atendimento ao disposto na LDO e, ao menos, de uma das seguintes condições: 1) comprovação de que essa renúncia ampliada foi considerada na Lei Orçamentária Anual – LOA vigente e de que não afetará as metas de resultados fiscais; ou 2) demonstração de medidas de compensação, no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Eis a redação do art. 14 da LRF sobre as exigências financeiras para a concessão de benefícios fiscais:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

§ 3º O disposto neste artigo não se aplica:

I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1º;

II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.

A propósito do assunto, leia-se a Súmula Administrativa nº 1 da Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba: “Os projetos de lei que visem conceder ou ampliar benefícios de natureza tributária, tais como isenções, anistias e remissões sobre tributos municipais, além dos demais constantes no § 1º do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, são da competência legislativa municipal e de iniciativa concorrente, demandando, contudo, a instrução com estimativa do impacto orçamentário-financeiro para o exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, que comprove a compatibilidade com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e, ao menos, uma das seguintes condições: a) prévia consideração da renúncia na receita da lei orçamentária vigente e não comprometimento das metas de resultados fiscais; b) existência de medidas de compensação pelo aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.” (Enunciado aprovado em 3/12/2019, no Expediente de Súmula Administrativa nº 001/2019).

Trata-se de requisito também de natureza constitucional, tendo em vista que o art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) determina que “A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.”

O proponente apresentou, no anexo ao projeto, uma estimativa de impacto orçamentário-financeiro descrevendo o impacto das medidas. Na justificativa, expõe que “a receita de IPTU estimada no orçamento tem como critério a média de arrecadações em exercícios anteriores e não a previsão de lançamento calculada pelo tributário. Portanto, a alteração solicitada, em princípio, não afetará a arrecadação uma vez que a projeção de arrecadação é feita com base na média histórica e não na estimativa de lançamento. Tal medida visa justamente aumentar a arrecadação mesmo que a previsão de lançamento do tributo diminua, uma vez que o intuito é diminuir a inadimplência e facilitar o pagamento ao contribuinte em meio a pandemia.

O documento caracteriza, como situação que exige a demonstração da estimativa de impacto, a ocorrência de renúncia de receita (LC 101, art. 14) e indica, como compensação ou origem de recursos, a previsão (a menor) no orçamento – Anexo de Renúncia de Receita. Em números, são apresentados os resultados da situação em 2021 e em 2022, indicando-se que, com a efetivação das medidas, no exercício de 2022 haverá um menor valor de IPTU lançado, mas uma maior arrecadação tributária.

Portanto, limitando-me à análise jurídica do projeto, identifico que, para a realização das medidas de minoração/isenção tributária, é obrigatória a apresentação de estimativa de impacto orçamentário-financeiro que contemple todas as exigências do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal. A análise do conteúdo da estimativa anexada à proposição, entretanto, é atribuição das comissões permanentes, que, para emitir parecer fundamentado sobre a questão, poderá solicitar o auxílio de servidor técnico da área contábil, tal como faculta o art. 42 do Regimento Interno da Câmara de Vereadores.

No mais, como referido anteriormente, não se verificam vícios de natureza formal e material na proposição, uma vez que se trata de matéria de interesse local (art. 30, I, da CF/88) e de iniciativa concorrente (art. 61 da CF/88), conforme a jurisprudência pacífica. Deve-se atentar, porém, para o alerta a respeito do início da vigência quanto à disposição do art. 7º, pois está se criando nova hipótese de incidência da Taxa de Limpeza Pública e Conservação, a tornar aplicáveis os princípios da anterioridade anual e da anterioridade nonagesimal (ou noventena), com base no art. 150, III, “b” e “c”, da CF/88.

Ademais, recomendam-se alguns ajustes de forma e redação, visando ao atendimento da Lei Complementar nº 95/98: a) reorganização da ordem dos artigos, para corrigir o equívoco identificado (esqueceu-se do art. 5º); b) a redação do § 3º do art. 29, presente no art. 6º do projeto, parece ter indicado equivocadamente o inciso VI, pois no Código Tributário Municipal consta inciso VII; c) alteração da palavra “cadastrado” por “cadastro”, constante na nova redação do inciso X do art. 29, presente no art. 4º da proposta.

[1] Art. 167-D da Constituição Federal de 1988: “As proposições legislativas e os atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas, com vigência e efeitos restritos à sua duração, desde que não impliquem despesa obrigatória de caráter continuado, ficam dispensados da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa e à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.”

4. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, desde que observadas as exigências do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal para a efetivação de renúncia de receitas e a aplicação dos princípios da anterioridade anual e da anterioridade nonagesimal em relação à nova hipótese de incidência da Taxa de Limpeza Pública e Conservação, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 047/2021, recomendando-se a revisão da redação legislativa quanto às indicações do parágrafo anterior.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 19 de outubro de 2021.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilGUSTAVO DOBLER:02914216017
19/10/2021 11:27:39
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 19/10/2021 ás 11:26:52. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação fabf3f90f6ad41ae41a8b7c09f52f980.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 101488.