Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 045/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 312/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Regulamenta a doação de Bens Móveis Inservíveis pelo Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 045/2021 à Câmara Municipal, o qual “Regulamenta a doação de Bens Móveis Inservíveis pelo Município de Guaíba”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO:

2.1 Da competência e da iniciativa

 

Quanto à competência, não há óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

Alexandre de Moraes expõe que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)." (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Assim, a matéria constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local.

A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado dispõe sobre matéria administrativa referente à organização do Poder Executivo Municipal, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito, ao qual cabem as competências privativas dos arts. 52 e 119 da Lei Orgânica Municipal:

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, já que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da CE/RS:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Portanto, foram respeitadas a iniciativa e a competência para a propositura do Projeto de Lei do Executivo nº 045/2021, uma vez que apresentado pelo Executivo Municipal, enquanto responsável pela sua organização administrativa.

2.2 Do conteúdo do projeto de lei

A respeito do teor do Projeto de Lei do Executivo nº 045/2021, tem-se que o seu objeto é a regulamentação da doação de bens móveis inservíveis pelo Município de Guaíba, matéria que diz respeito à organização dos procedimentos desse Poder. Em relação ao conteúdo da proposta, não há qualquer inconformidade, visto que compete ao Prefeito Municipal, nos termos do art. 52, XII, e 92, ambos da Lei Orgânica, administrar os bens municipais:

Art. 52. Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos;

 

Art. 92. Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços.

 

O desígnio da proposta é, em síntese, permitir que os bens municipais inservíveis da administração possam ser destinados a entidades com fins sociais.

Por outro lado, quanto ao teor da proposta no sentido de regulamentar a doação de bens inservíveis, verifica-se que a Lei Municipal nº 1.585, de 06 de abril de 2001, a qual “INSTITUI O SISTEMA DE CONTROLE INTERNO NO MUNICÍPIO”, dispõe que dentre as atribuições da UCCI estão - acompanhar a gestão patrimonial e orientar e expedir atos normativos para os Órgãos Setoriais:

Art. 2º São atribuições do Sistema de Controle Interno:

XIII - acompanhar a gestão patrimonial;

XIX - orientar e expedir atos normativos para os Órgãos Setoriais;

Diante desse contexto jurídico normativo, recomenda-se que o ato seja regulamentado através de normativa da Unidade Central de Controle Interno, ao invés de via Projeto de Lei, o que viria a facilitar os procedimentos e inclusive eventuais alterações na regulamentação surgidas posteriormente. A matéria objeto da propositura não exige autorização legislativa, visto que trata da alienação (doação) de bens de bens móveis, podendo ser regulamentada por ato infralegal.

    Não discrepa desse entendimento a legislação infraconstitucional de regência - Lei n.º 8.666/1993 (Lei das Licitações[1]) - que, em seu artigo 17, inciso II, preconiza:

 

Art. 17.  A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

II - quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos:

a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência sócio-econômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação;

Ademais, cabe trazer a lume que em relação ao que dispõe o art. 95, II da LOM, no julgamento da ADI 92.604-0/5-00 (Rel. Des. Vallim Bellocchi), o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que: "É inconstitucional lei orgânica municipal que, em desrespeito ao princípio da independência de poderes, invade a órbita de competência do Poder Executivo, exigindo prévia autorização legislativa para aquisição de bens móveis".

Em relação ao art. 2º, como bem ressaltou o IGAM na OT nº 24.816/2021, descabe ao Poder Legislativo a doação de bens inservíveis, devendo sempre “dar baixa” dos referidos bens, repassando-os ao Poder Executivo para que este dê a destinação final que pretenda, bem como quanto ao art. 3º, trazendo sugestão para a avaliação dos bens:

No que tange ao conteúdo da norma, sugere-se a edição da redação do art. 2º, sendo retirada a parte que menciona o Poder Legislativo, uma vez que este órgão não pode dar a destinação final para bens inservíveis, devendo repassá-los ao Executivo para que tome as providências.

(...)

Referente ao art. 3º, sugere-se a inclusão de dispositivo mencionando que a averiguação física do bem poderá se dar de duas formas:

a) Para bens tecnológicos, de alta ou média complexidade para averiguação sobre a seu estado de conservação, é necessária avaliação técnica de profissional competente, por exemplo, para atestar a imprestabilidade de um computador, deverá ser expedido parecer por um técnico de informática.

b) Já para os bens móveis “comuns”, como mesas, cadeiras e mobiliário em geral, os quais são de fácil identificação sobre seu estado de conservação, poderá ser atestado por meio de comissão de servidores, sem necessidade de profissionais com formação específica.

  

A alteração do art. 2º é necessária pelo fundamento de que a Câmara Municipal, apesar de ser poder independente, não possui personalidade jurídica, e os bens sob sua responsabilidade na verdade pertencem ao Município, como ensina Hely Lopes Meirelles:

“A Câmara, não sendo pessoa jurídica, de nem tendo patrimônio próprio, não se vincula perante terceiros, pois que lhe falece competência para exercer direitos de natureza privada e assumir obrigações ordem patrimonial.” (in Direito Municipal Brasileiro, 16ª ed., p. 619, São Paulo, Malheiros, 2008).

Manifesta-se na mesma linha o Tribunal de Contas de Santa Catarina no Prejulgado 0416:

 

A transferência de bens públicos pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo implica tão somente na faculdade de administração, ou seja, utilização, guarda, conservação e aprimoramento, vez que referidos bens são de propriedade do Município e não de seus órgãos e Poderes.

[1] Que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.

3. Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das Comissões Permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 045/2021, observada a sugestão de que a matéria possa regulamentada por ato infralegal (Instrução Normativa da UCCI), nos termos da Lei Municipal nº 1.585, de 06 de abril de 2001 ou, optando pela via legislativa, a necessidade de análise pormenorizada quanto aos arts. 2º e 3º da propositura.

É o parecer.

Guaíba, 05 de outubro de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

 

 

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05/10/2021 15:51:56
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