Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 046/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 307/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o programa municipal de fornecimento de insumos de higiene pessoal e absorventes às adolescentes e mulheres de baixa renda ou vulnerabilidade social do Município de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 046/2021 à Câmara Municipal, instituindo o programa municipal de fornecimento de insumos de higiene pessoal e absorventes às adolescentes e mulheres de baixa renda ou vulnerabilidade social do Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local (art. 30, I, da CF/88), já que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, além de referir-se ao objetivo constitucional de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CF/88).

Com efeito, a propositura legislativa em análise possui sólido fundamento em nossa Constituição Federal, pois, em última análise, tutela a dignidade da pessoa humana, a promoção do bem comum e a solidariedade, valores retratados como fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no Título VIII, que trata da “Ordem Social”, mais especificamente no Capítulo II, que ordena a Seguridade Social, estabelece que esta compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (art. 194 da CF/88).

Mais especificamente, o art. 203 refere que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivo a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Da mesma forma, a Lei Orgânica Municipal possui disposições que visam proteger a população quanto às necessárias medidas de assistência social a cargo do Poder Público, especialmente em situações de calamidade como a que se vivencia no momento, bem como estabelece o dever de combate à miséria:

Capítulo XI
DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL

SEÇÃO

PRINCÍPIOS GERAIS
Art. 128 Em cumprimento do que estabelece a Constituição Federal, Estadual e Lei Orgânica Municipal, o Município terá regrada a sua atuação pelos seguintes princípios:

I - promoção do bem estar físico, mental e social do homem com o fim essencial da produção e do desenvolvimento econômico;

II - valorização econômica e social do trabalho e trabalhador, associada a uma política de expansão das oportunidades de emprego e de humanização do processo social de produção, com a defesa dos interesses do povo;

(...)

VIII - integração das ações do Município com as da União Estado, no sentido de garantir a segurança social destinada a tornar efetivos os direitos ao trabalho, à educação, ao desporto, ao lazer, à saúde, à habitação e à assistência social, especialmente dirigidas ao menor e ao idoso;

Art. 130. Na organização de sua economia, o Município combaterá a miséria, o analfabetismo, o desemprego, a propriedade improdutiva, a marginalizarão do indivíduo, o êxodo rural, a economia predatória e todas as formas de degradação da condição humana.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, na medida em que o Projeto de Lei nº 046/2021 propõe a criação de um programa de fornecimento de insumos de higiene pessoal e absorventes às mulheres de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade social, tratando-se eminentemente de política de assistência social com considerável repercussão financeira, para o que se considera haver iniciativa privativa devido à reserva de administração baseada na cláusula da separação de poderes (art. 2º da CF/88 e art. 5º da CE/RS).

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. A finalidade principal da proposta legislativa, ao instituir a criação do presente programa municipal, é promover o mínimo existencial decorrente da dignidade humana das mulheres. Nesse sentido, em 7/12/1993, a União editou a Lei nº 8.742, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, que prevê, em seu art. 1º, que “A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”.

Além disso, segundo o art. 4º da Lei nº 8.742/1993, a assistência social é regida pelos seguintes princípios: “I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V - divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.”

Especificamente em relação ao art. 7º, a proposta busca gerar autorização para que o Poder Executivo faça a transposição, o remanejamento ou a transferência, total ou parcial, das dotações aprovadas na LOA de 2021, bem como para que crie ações orçamentárias de forma a adequar a estrutura programática vigente para a consecução da política pública. Quanto à autorização para transposição, remanejamento ou transferência, tem-se, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei Municipal nº 3.924/2020), previsão de que o Executivo está autorizado a realizar tais operações mediante decreto, de modo a tornar desnecessária a previsão expressa dessa mesma autorização na proposição apresentada:

Art. 27. Fica o Poder Executivo, mediante decreto, autorizado a efetuar transposição, remanejamento e transferências de dotações orçamentárias.

§ 1º A transposição, remanejamento e transferência são instrumentos de flexibilização orçamentária, diferenciando-se dos créditos adicionais que têm a função de corrigir o planejamento.

§ 2º Para efeitos desta Lei entende-se como:

I - Transposição - o deslocamento de excedentes de dotações orçamentárias de categorias de programação, até o nível de modalidade de aplicação, totalmente concluídas no exercício para outras incluídas como prioridade no exercício;

II - Remanejamento - deslocamento de créditos e dotações relativos à extinção, desdobramento ou incorporação de unidades orçamentárias à nova unidade ou, ainda, de créditos ou valores de dotações relativas a servidores que haja alteração de lotação durante o exercício;

III - Transferência - deslocamento permitido de dotações atribuídas a créditos orçamentários de um mesmo programa de governo.

Por outro lado, no que se refere à autorização genérica para a criação das ações orçamentárias, o princípio da exclusividade orçamentária (art. 165, § 8º, da CF/88[1]) exige que tal autorização seja realizada tão somente por meio de lei específica, contendo todas as informações sobre a específica ação orçamentária.[2] Recomenda-se, portanto, a supressão da previsão do art. 7º e, uma vez definidas as ações que constarão na LOA, seja feita a remessa de projeto de lei específico para a adequação da estrutura programática.

[1] Art. 165 (...)

§ 8º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.

[2] Instrumento que contribui para atender ao objetivo de um programa, podendo ser projeto, atividade ou operação especial.

3. Conclusão

Diante do exposto, a Procuradoria Jurídica opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 046/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que observadas as recomendações pertinentes quanto à previsão do art. 7º.

Guaíba, 1º de outubro de 2021.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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01/10/2021 17:41:55
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