Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 154/2021
PROPONENTE : Ver. Juliano Ferreira e Ver. Tiago Green
     
PARECER : Nº 304/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 2.664, de 28 de outubro de 2010, que dispõe sobre a Política de Incentivo ao Desenvolvimento Econômico e Social do Município e dá outras providências."

1. Relatório:

Os Vereadores Tiago Green (PTB) e Juliano Ferreira (PTB) apresentaram o Projeto de Lei nº 154/2021, o qual “Altera a Lei Municipal nº 2.664, de 28 de outubro de 2010, que dispõe sobre a Política de Incentivo ao Desenvolvimento Econômico e Social do Município e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO:

Preliminarmente, a matéria de fundo insere-se na competência local, não havendo qualquer óbice à proposta. A proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativa do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente, bem como no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios. O referido artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, dispõe que:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;  

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental;                (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

(...)

As medidas pretendidas por meio do Projeto de Lei do Legislativo nº 154/2021 se inserem, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (art. 227 da CF/88), não atrelada às competências legislativas privativas da União (art. 22 da CF/88), a proposta estabelece alterações na Lei Municipal nº 2.664, de 28 de outubro de 2010, para o efeito de tornar obrigatória às empresas que busquem incentivos e benefícios do Município de Guaíba a observância do disposto no art. 429 da Consolidação das Leis do Trabalho, por meio da contratação de número de aprendizes equivalente a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, dos trabalhadores existentes no estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição do Rio Grande do Sul, conforme preveem o art. 125, § 2º, da CF/88 e o art. 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador sobre a matéria tratada, já que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei do Legislativo nº 154/2021 é promover a proteção dos interesses profissionais dos jovens, por meio da facilitação do acesso às vagas no mercado de trabalho, o que vem ao encontro das disposições constitucionais, sobretudo do art. 227, caput, da CF/88, que afirma:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Outrossim, o Estatuto da Juventude (Lei Federal nº 12.852/2013) também define obrigações e fomentos para a profissionalização dos jovens, entendidos estes como as pessoas com idade entre 15 e 29 anos de idade (art. 1º, § 1º, do Estatuto da Juventude). Segundo o art. 14 deste Estatuto, “O jovem tem direito à profissionalização, ao trabalho e à renda, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, adequadamente remunerado e com proteção social.” Contudo, como a faixa etária que define a juventude (15 a 29 anos de idade) compreende a população adolescente (pessoas de 12 anos completos a 18 anos incompletos – art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente), cabe salientar que a política pública de incentivo à empregabilidade de jovens deve ter atenção com a proteção especial do trabalho dos adolescentes, definida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nesse sentido, o direito ao trabalho dos adolescentes possui características bastante específicas por estar condicionado à sua proteção especial e, especialmente, à garantia de sua escolarização paralelamente à inserção no mercado de trabalho. Para tanto, a CF/88, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o próprio Estatuto da Juventude e várias outras leis estabelecem restrições e condicionantes ao trabalho juvenil, que, embora não seja vedado, tem uma vasta regulamentação no sentido da prevenção do abuso e da exploração. Veja-se, a propósito, o art. 7º, inciso XXXIII, da CF/88:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

Logo, tem-se que: a) dos 14 anos completos aos 16 anos incompletos, o trabalho só é permitido na condição de aprendiz; b) a partir dos 16 anos completos, é possível a formação de relação de emprego, desde que observadas as proteções especiais para os adolescentes, tais como vedação ao trabalho noturno, perigoso ou insalubre e a facilitação da escolarização; c) a partir dos 18 anos completos, encerra-se a proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas se mantém o regime do Estatuto da Juventude, que se estende até os 29 anos de idade.

A Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000, teve o condão de trazer para o âmbito da Consolidação das Leis do Trabalho o disciplinamento da aprendizagem, que era previsto tão somente em decretos e portarias esparsos. Verifica-se que a legislação, ao mesmo tempo em que disciplinou o trabalho permitido para os adolescentes, vinculou o trabalho à educação, que deve ser destinada prioritariamente às crianças e adolescentes.

Pela Lei nº 10.097, foram introduzidas modificações quanto ao instituto da aprendizagem, podendo-se apontar algumas delas: 1) uniformização das quotas de aprendizagem: agora temos aplicação uniforme de cota variável de 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem aprendizagem; 2) garantia do salário mínimo hora: revogando expressamente o artigo 80 da Consolidação das Leis do Trabalho, que previa o pagamento de meio salário mínimo durante a primeira metade do contrato e 2/3, pelo menos, no restante; 3) abertura na oferta de aprendizagem: a nova legislação manteve a primazia do Sistema Nacional de Aprendizagem para o fornecimento de aprendizagem, nos termos e condições estabelecidos. A mudança veio com a possibilidade de as Escolas Técnicas de Educação – ETE e de as entidades sem fins lucrativos oferecerem cursos de aprendizagem; 4) contratação: poderá ser efetivada pela empresa em que se realiza a aprendizagem ou pelas entidades sem fins lucrativos; 5) FGTS: redução da alíquota de 8% (oito por cento) para 2% (dois por cento).

Inclusive, corroborando a constitucionalidade da propositura legislativa em apreço, veja-se precedente jurisprudencial declarando a constitucionalidade de lei com o mesmo objetivo:

ÓRGÃO ESPECIAL. ADI. LEI QUE EXIGE CONTRAPARTIDA DE EMPRESAS PRIVADAS PARA QUE RECEBAM BENEFÍCIOS/INCENTIVOS DO MUNICÍPIO DE LAGOA SANTA. CONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. INEXISTÊNCIA DE DISPOSITIVOS CONTRÁRIOS À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, CUJO DISPOSITIVO DE PARAMETRICIDADE NÃO FOI NEM MESMO APONTADO PELO AUTOR. A Lei Municipal nº 3.461, de 10/10/2013, do Município de Lagoa Santa, é constitucional. No plano formal, apenas determina que as pessoas jurídicas que receberem incentivos/benefícios do Poder Público Municipal, de qualquer natureza, ficam obrigadas a preencher as vagas de emprego e serviços com o mínimo de 10% (dez por cento) de seu quadro de funcionários com jovens na faixa etária entre 18 (dezoito) anos a 24 (vinte e quatro) anos, residentes no município de Lagoa Santa, por no mínimo 2 (dois) anos, ainda que não possuam qualquer experiência, visando a inserção destes jovens no mercado de trabalho. Trata-se de mera contrapartida. Assim vista a questão, tem-se que a Constituição Estadual não estabelece que apenas o Executivo possa legislar acerca de normas estabelecendo medidas de compensação e/ou contrapartidas de empresas que recebam incentivos e benefícios do Poder Público Municipal (art. 66 E 90 da CEMG). De outro lado, a lei não cuida de empresas públicas, sociedades de economia mista ou entidades sob o controle do Estado, não sendo possível cogitar de que tenha havido violação ao princípio da separação dos poderes. No plano material, a norma não obriga a contratação ou preceitua qualquer sanção que afete o principio da livre iniciativa; visa obter contrapartida do particular que receba benefícios públicos, a fim de que a apropriação desses recursos pelo particular possa reverter e contribuir em prol do interesse público, com benefícios para a população de jovens, evitando, inclusive, o seu acesso a drogas lícitas ou ilícitas. No plano federal pode ser invocado como exemplo a subvenção econômica criada no contexto do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para os Jovens (PNPE), da Lei nº 10.748, de 22/10/2003. Esta lei tem objeto similar ao da lei municipal, que é o de incentivar jovens do Município a conseguir o primeiro emprego através das empresas que recebem benefícios públicos. REPRESENTAÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. (TJMG – Ação Direta Inconst 1.0000.13.091292-6/000, Relator(a): Des.(a) Antônio Carlos Cruvinel, ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 02/09/2014, publicação da súmula em 26/09/2014)

3. Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das Comissões Permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta e pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 154/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 30 de setembro de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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30/09/2021 16:35:29
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