Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 051/2024
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 114/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 3.728/2018, que dispõe sobre a venda de animais domésticos no Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 051/2024 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal nº 3.728/2018, que dispõe sobre a venda de animais domésticos no Município de Guaíba”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores.

2. Mérito:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A regulamentação que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei do Legislativo nº 051/2024, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece obrigações que têm fundamento e base no poder de polícia administrativa, visto que se trata de deveres que limitam interesses individuais em prol da coletividade, notadamente no aspecto da saúde, da higiene, da vigilância e da fiscalização sanitária.

A Constituição Estadual Gaúcha, no art. 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.”

Além disso, a respeito da competência dos Municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:

Na forma do artigo 23 da Lei Fundamental, os Municípios têm competência administrativa para defender o meio ambiente e combater a poluição. Contudo, os Municípios não estão arrolados entre as pessoas jurídicas de direito público interno encarregadas de legislar sobre meio ambiente. No entanto, seria incorreto e insensato dizer-se que os Municípios não têm competência legislativa em matéria ambiental. O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber, promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Está claro que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente.” (‘Direito ambiental’. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 77-8).

Para sanar quaisquer dúvidas remanescentes sobre a matéria, é importante destacar o entendimento firmado no STF (RE nº 586.224/SP, julgado em 5/3/2015), publicado no Informativo nº 776:

O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88).

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

No âmbito municipal, a Lei Orgânica estabelece as competências legislativas privativas do Prefeito no artigo 119, nos seguintes termos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado. Em termos gerais, o Município é competente para dispor sobre a matéria tratada no projeto.

A proposta não contém qualquer dispositivo que imponha obrigações ao Executivo além das que já lhe são exigíveis por força do seu dever de fiscalização, sendo certo que, na esteira de entendimentos jurisprudenciais, é de iniciativa concorrente a legislação que preveja a aplicação de multa pelo descumprimento de obrigação, especialmente em matéria de poder de polícia.

Desse modo, não se observa iniciativa privativa do Chefe do Executivo para deflagrar o processo legislativo para a fixação de multas pelo descumprimento de obrigações legais, sendo a iniciativa concorrente no presente caso.

Por fim, quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei do Legislativo nº 051/2024 é promover a proteção dos animais enquanto componentes do meio ambiente natural, bem como regulamentar localmente a venda de animais domésticos, através de normas de segurança e vigilância sanitária. A Constituição Federal, no art. 225, caput, estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” O § 1º, detalhando os meios de garantir a proteção do meio ambiente, obriga o Poder Público a “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” O Projeto de Lei do Legislativo nº 051/2024 se presta, acima de tudo, a atender ao referido comando constitucional, ressaltando que a proibição de venda de animais se estende também aos meios digitais e redes sociais.

Do mesmo modo, o artigo 251, caput, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido.” Entre as medidas de proteção ao meio ambiente, o § 1º, VII, prevê: “proteger a flora, a fauna e a paisagem natural, especialmente os cursos d’água, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e paisagística, provoquem extinção de espécie ou submetam os animais a crueldade.”

É importante ressaltar que a proposta está adequada, visto que não proíbe a comercialização de animais por estabelecimentos devidamente autorizados. Nesse sentido a jurisprudência verificada:

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE  Incidente veiculando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 1.051/2019, do Município de Santos, que “acrescenta o artigo 295-B à Lei nº 3.531, de 16 de abril de 1968, Código de Posturas do Município de Santos, e revoga o artigo 26 da Lei Complementar nº 533, de 10 de maio de 2005, que disciplina a criação, propriedade, posse, guarda, uso e transporte de cães e gatos no Município”  INVASÃO DA COMPETÊNCIA CONCORRENTE DA UNIÃO, ESTADOS E DISTRITO FEDERAL, ao tratar sobre “proteção e consumo” e “proteção ao meio ambiente”, nos termos do art. 24, V e VI, CF  Compete aos Municípios, como estabelece o art. 30 da CF, “legislar sobre assuntos de interesse local” (inciso I) e “suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (inciso II)  Ausente hipótese de competência legislativa do município (genérica ou suplementar), porquanto não há predominância do interesse local, na medida em que a questão do comércio de animais domésticos não constitui peculiaridade do Município de Santos, mas questão que interessa a todo o território nacional  DIPLOMA QUE DISCIPLINA DIREITO CIVIL  A matéria objeto da lei impugnada trata de disciplina de direito civil, de competência privativa da União, nos termos do art. 22, I, da CF, ao tratar sobre propriedade e negócio jurídico, especialmente a venda  GARANTIA AO LIVRE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA  Violação (arts. 1º, IV, 5º, II, e 170, parágrafo único, da CF), ao restringir totalmente o comércio de animais domésticos (que, embora controversa, é lícita), de forma desproporcional à sua finalidade, fora da margem de discricionariedade do legislador municipal  Norma inconstitucional, apesar de inspirada ou animada por boa e nobre intenção para igualmente atingir bons objetivos  Inconstitucionalidade declarada. (TJSP - Arguição de Inconstitucionalidade n.º 0006892-90.2021.8.26.0000, São Paulo, 11 de agosto de 2021. JOÃO CARLOS SALETTI RELATOR)

Por fim, cabe referir que a proposta suplementa a nível local o disposto na Lei Estadual nº 55.757/2021, a qual Dispõe sobre o Regime Jurídico Especial dos animais domésticos de estimação de que trata o Capítulo XVII da Lei nº 15.434, de 9 de janeiro de 2020, que institui o Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 051/2024, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário. É necessário, por fim, que o proponente junte Justificativa para acompanhar a proposta.

É o parecer.

Guaíba, 18 de abril de 2024.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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18/04/2024 14:19:26
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