Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 066/2023
PROPONENTE : Ver.ª Carla Vargas
     
PARECER : Nº 160/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria o Programa Permanente em Saúde Mental no âmbito das escolas públicas da rede municipal de ensino."

1. Relatório:

A Vereadora Carla Vargas apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 066/2023 à Câmara Municipal, objetivando criar o Programa Permanente em Saúde Mental no âmbito das escolas públicas da rede municipal de ensino. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 94 do Regimento Interno.

2. Mérito:

A norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade ou ilegalidade. Solução análoga é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º), no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina caracteriza a norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno como um instrumento do controle de constitucionalidade preventivo, desempenhado pelo Parlamento, por meio de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, antes que a proposição legislativa tenha seu trâmite regimental. A devolução perfaz-se por despacho fundamentado da Presidência, com direito a recurso ao proponente.

A Constituição Federal de 1988, com base na tripartição dos poderes, disciplina a iniciativa parlamentar a partir do art. 61, o qual prevê: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” Assim, embora a função legislativa tenha sido entregue ao Poder Legislativo, a Constituição Brasileira conferiu o poder de iniciativa a autoridades do Executivo, do Judiciário, do MP e, inclusive, aos cidadãos diretamente.

Por ser norma genérica que atribui, indistintamente, o poder de iniciativa para a deflagração do processo legislativo a várias autoridades, a doutrina a nomeia de iniciativa comum ou iniciativa concorrente, constituindo-se como regra a ser observada em todos os âmbitos federativos, com fundamento no princípio da simetria. O § 1º do artigo 61, por sua vez, apresenta os casos em que o poder de iniciativa é privativo do Chefe do Executivo, para que se mantenha a harmonia e a independência entre os poderes. Ou seja, o objetivo real da restrição imposta no § 1º é a segurança do sistema de tripartição dos poderes constitucionais, de modo a que não haja interferências indevidas de um poder sobre o outro.

Dispõe o mencionado artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Dessas afirmações é possível extrair o entendimento de que a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, em regra, é comum; a iniciativa privativa, por ser uma norma de natureza restritiva, é exceção, sendo “válida, nesse ponto, a lição da hermenêutica clássica, segundo a qual as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva” (CAVALCANTE FILHO, 2013, p. 12).

Assim, as hipóteses de iniciativa reservada são apenas e tão somente aquelas previstas no texto constitucional: artigos 93, caput; 96, I e II; 127, § 2º; 51, IV; 52, XIII; 73, caput c/c 96; 61, § 1º; 165, I a III.

Sobre a proposição em análise, à primeira vista aparenta realmente ser de iniciativa privativa do Prefeito de Guaíba, porquanto trata de programa de saúde mental a ser promovido nas escolas públicas da rede municipal de ensino, consistente na realização de atividades – palestras, grupos de estudos e de produção de materiais etc. – que promovam a discussão sobre saúde mental nas instituições escolares, que integram a estrutura orgânica do Poder Executivo Municipal. Ocorre que, em relação a essa matéria, já se posicionou a jurisprudência do Tribunal de Justiça de SP sobre lei municipal análoga ao à proposição, em decisão na qual se reconheceu a sua constitucionalidade material e formal.

Na situação, em ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Municipal nº 2.069, de 16 de outubro de 2015, do Município de Conchal, que instituiu o Programa de Sustentabilidade Ambiental na Rede Municipal de Ensino, decidiu o Tribunal de Justiça de SP, em termos gerais, pela constitucionalidade da referida legislação, com exceção apenas de um dispositivo, por avaliar que não houve, no todo, qualquer violação à separação entre os poderes e à iniciativa legislativa, caracterizada, no caso, como concorrente:

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei municipal de origem parlamentar que institui o Programa de Sustentabilidade Ambiental na Rede Municipal de Ensino de Conchal. Inconstitucionalidade parcial, apenas no tocante ao artigo 3º da referida norma, que efetivamente dispõe sobre matéria de organização administrativa, em ofensa aos artigos 5º e 47, incisos II e XIV, ambos da Constituição Estadual. Não ocorrência de ofensa à regra da separação dos poderes, todavia, no tocante aos demais dispositivos, Precedentes deste Órgão Especial e do Supremo Tribunal Federal. Inexistência de vício de iniciativa: o rol de iniciativas legislativas reservadas ao chefe do Poder Executivo é matéria taxativamente disposta na Constituição Estadual. Precedentes do STF. Ausência, por fim, de ofensa à regra contida no artigo 25 da Constituição do Estado. A genérica previsão orçamentária não implica a existência de vício de constitucionalidade, mas, apenas, a inexequibilidade da lei no exercício orçamentário em que aprovada. Precedentes do STF. Ação julgada parcialmente procedente. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2056692-29.2016.8.26.0000; Relator (a): Márcio Bartoli; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 03/08/2016; Data de Registro: 05/08/2016)

Assim, embora aparentemente inconstitucional, por supostamente interferir nas atribuições de órgãos públicos pertencentes ao Poder Executivo Municipal (instituições escolares municipais), a proposição legislativa, na realidade, revela-se formalmente constitucional à luz do precedente invocado, o qual se acolhe neste parecer jurídico por enaltecer a iniciativa legislativa dos membros do Poder Legislativo e, sobretudo, por tornar efetivo importante comando constitucional constante nos arts. 6º, 23, II, 196 e 198 da CF/88, consistente no dever estatal de garantia do direito à saúde.

Logo, aplicável o entendimento firmado pelo STF no Tema 917: “Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, "a", "c" e "e", da Constituição Federal).” Ou seja, o fato de a norma dirigir-se, de algum modo, ao Poder Executivo, é insuficiente para, por si só, restringir a iniciativa legislativa, quando não disponha, efetivamente, sobre a estruturação ou as competências dos órgãos públicos.

No aspecto da constitucionalidade material, observa-se que a proposição possui o objetivo de efetivar os comandos constitucionais dos arts. 6º, 23, II, 196 e 198 da CF/88, já citados anteriormente, que consistem na promoção, pelo Estado, da saúde pública, inclusive da saúde mental, de toda a população, sobretudo das crianças e adolescentes, para os quais é garantida a prioridade absoluta das políticas públicas (art. 227 da CF/88).

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 066/2023, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário. Recomenda-se que, na redação final, seja corrigida apenas a ordem dos artigos, pois há, em dois momentos, a criação de “Art. 3º”.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 1º de junho de 2023.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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01/06/2023 16:24:58
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